Eu acordei e lá estava ela, meu coração de papel.
Os olhinhos de jabuticaba me olhando com aquele jeitinho manhoso de quem diz "ainda é tão cedo, não quero levantar da cama"
E lá ficam eles, aqueles olhinhos de jabuticaba me olhando enquanto me arrumo diante do espelho. Um jeito nos cabelos, uma maquiagem pra me dar mais cores, vou até a cozinha pra
um café e volto, e lá está ela, meu coração de papel, esticada sob as cobertas ainda com sua carinha de sono e de quem não vai levantar do quentinho da cama só pra me dar tchau,  mas de vez em quando ela faz isso.
Eu pego minha bolsa e ela já sabe pra onde eu vou, então ela nem se meche, dou um beijo no seu narizinho quentinho sob as cobertas, sinto todo o amor pulsando dentro de mim enquanto eu digo "mamãe vai trabalhar", mas ela já sabe, por isso ela nem se move.
E lá vou eu pra mais um dia de trabalho, e lá está ela quando eu volto, meu coraçãozinho de papel, meus olhinhos de jabuticaba.

Eu me deitei para dormir e lá estava ela, meu coração de papel.
Os olhinhos de jabuticaba brilhando enquanto ela me olhava com aquele jeitinho manhoso de quem diz "posso entrar debaixo da coberta?" 
Mas ela já está se enfiando sob as cobertas,  se aconchegando no seu cantinho no pé da cama. 
Meu coração de papel.
Não passa dois minutos e ela sai, às vezes ela não gosta de ficar por muito tempo debaixo das cobertas, ou ela não se aquieta até que eu erga a coberta e deixe ela enfiar o narizinho pra fora, meu narizinho quentinho que eu sempre aperto mesmo que ela não goste.
Meu coração de papel.

Há coisas na vida que é impossível explicarmos, uns chamam de frescura, outros chamam de carinho, outros falam que é amar os animais, eu digo que é amar incondicionalmente, muito mais do que amo um ser humano, muito mais do que amo os filhos dos meus parentes, muito mais, eu a amo.
Meu coraçãozinho de papel que estava lá comigo nos momentos mais difíceis.
Meu coraçãozinho de papel que estava lá quando eu me trancava no quarto e chorava por causa das pessoas, dos homens, da vida.
Ela e eu, apenas ela e eu, sabemos todos os meus segredos, todos os meus sofrimentos, aqueles dias em que não queria ver nada nem ninguém, e lá estava ela, meus olhinhos de jabuticaba compartilhando em silêncio todo o meu sofrimento, tudo o que ninguém mais poderia jamais compreender.

Uns dizem que é frescura, eu digo que é amor, eu digo que vale tanto quanto qualquer ser humano, mais, muito mais, não há falsidade, não há mentiras, não há enganos, ela me ama, com seus olhinhos de jabuticaba, ela pula e saltita euforicamente quando eu chego, mesmo que eu vá na esquina e volte, é como se ela não me visse há anos, é como se eu fizesse mais falta a ela do que o ar faz falta para vivermos e mesmo assim, quem festeja quando perde o ar e volta a respirar?
Ela festeja, meu coração de papel, meus olhinhos de jabuticaba.

Eu acordei e ela não estava lá.
Aqueles olhinhos de jabuticabas cheios de sono não me encararam, mas eu encarei o edredom e as cobertas vazias sentindo sua falta como sentiria a falta da luz do dia, mas ela não estava lá, meu coraçãozinho de papel.
Eu deitei para dormir e ela não estava lá. E ela não estava me pedindo para entrar debaixo da coberta e  ela não estava lá para deitar sobre meu corpo quando eu acordei, deitando a cabeça sobre meu peito e me encarando como quem diz "mamãe você não vai levantar?"
Ela não estava lá, ela não estará.

Sentirei sua falta como se me faltasse um pedaço do corpo, mas faltará... Faltará.

Eu acordei e lá estava ela, meus olhinhos de jabuticaba, meu narizinho quentinho...
Não se esqueça da mamãe e não se esqueça do quanto eu te amo, meus olhinhos de jabuticaba.
Meu coração que não é de papel.


Por Lanah Black.
Pra minha filhinha de coração, Mel


Deixe um comentário