Capitulo Onze: Abra seus olhos*
“Abri
os olhos, não consigo mais fechar. Assisto em silencio, ate o que eu não quero
enxergar.”
Lilian que estava sentada
na areia da praia, levantou-se num pulo quando viu Thiago caminhando de volta a
floresta.
— Aonde você vai? – Ela
indagou desesperada.
— Não posso deixar o
Sirius sozinho lá. - Thiago disse com a voz tremula e Lilian sentiu o medo na
voz do maroto.
— Mas pode ser perigoso! –
disse ela desesperadamente preocupada.
— Eu não me importo. É meu
amigo que esta lá.
Thiago olhou Lilian nos
olhos, sabia que a garota estava segura agora, e naquele momento, nada era mais
importante que a vida do seu melhor amigo.
Lílian sentiu uma mistura
de orgulho e medo, medo de algo acontecer a Thiago, mas deixou que ele
seguisse, sabia que se fossem suas amigas ela faria o mesmo.
Lilian viu Thiago se
perder no meio das arvores e passou a caminhar febrilmente, de um lado pro
outro, próxima as copas das arvores.
O dia agora já estava
claro, ela suspeitava que já passasse das oito da manhã, como àquelas horas de
terror puderam durar tanto sem ela nem ter noção disso?
Sirius não tinha tempo de
garantir que Thiago e as meninas estivessem realmente indo para a direção
certa, precisava mais que tudo encontrar Lia antes que algo de ruim acontecesse
a loira.
Era completamente estranho
a maneira como, em tão pouco tempo, eles tinham se tornado tão próximos e ao
mesmo tempo como se essa proximidade não existisse. Era certamente uma sensação
de união, sem eles terem nada de definitivamente sério, mas era algo que ele
gostaria de entender melhor do que entendia, mesmo tendo profundo medo de tal
compreensão.
Sirius corria entre a mata
a procura de Lia. Seria muito mais fácil encontrá-la se pudesse chamar ou
gritar seu nome, mas não o podia.
Então, sem que Sirius esperasse, algo se mexeu
entre a mata . Sirius parou.
Seu coração batia
descompassado no peito. Sua visão e audição pareciam mais aguçadas que o
normal, provavelmente a adrenalina tivesse atiçado seus instintos, e com isso,
ele se abaixou, se agachando e pegando um enorme pedaço de galho caído ao chão.
O galho era pesado e segurando-o com força, Sirius ficou em alerta, pronto para
atacar o primeiro estranho que lhe aparecesse.
Tentando esconder-se atrás
de uma pequena moita, Sirius ouviu som de passos triturando as folhas secas
espalhadas pelo chão da floresta, sentindo o coração batendo descompassado no
peito, as mãos fechadas em torno do tronco do galho, os olhos e os ouvidos
atentos a qualquer mínimo movimento ou barulho, ele esperava.
Quando Sirius viu a
silhueta escura a sua frente ele levantou-se com agilidade, erguendo o galho no
alto e abaixando-o em seguida, com toda força que conseguira sobre a forma
escura.
Um uivo de dor foi abafado
quando a forma escura caiu no chão da floresta. Sirius porem não teve tempo
para ver quem era a pessoa por trás do capuz, caída ao chão, pois mais passos de
passos sobre as folhas secas foi ouvido, e Sirius virou-se rapidamente pra se
ver, de repente, cercado não por um, mas por varias sombras escuras.
Pessoas encapuzadas o
cercavam. Sirius sentiu-se estranhamente preso em uma cilada.
Thiago não fazia a menor
ideia de como ia encontrar Sirius em meio aquele matagal que mais lhe parecia
um labirinto, mas sabia que precisava, até seu ultimo suspiro, encontrar seu
amigo de qualquer jeito.
Era na verdade, até
estranho pensar em Sirius como um amigo, quando na verdade, ele era
praticamente um irmão. O irmão que Thiago jamais tivera, o irmão que implicava
com ele, zuava com ele por tudo e qualquer coisa, que estava ao seu lado quando
precisava e também quando não precisava, que o apoiava, mesmo sem dizer isso.
Thiago sabia que podia contar com Sirius, pra qualquer coisa, em qualquer
momento. E naquele momento, Sirius precisava dele e ele estaria lá, custasse o
que for a Thiago, ele estaria lá.
Diferentemente do que
Thiago imaginava, encontrar Sirius na verdade não foi tão difícil, quando
Thiago ouviu um urro ou um grito, ele não conseguiu saber direito, ele correu,
o máximo que pôde, em direção de onde viera o som.
E quando chegou, o que
viu, fez tudo dentro de si congelar de medo. Um medo que jamais sentiu na vida.
Sirius, estático,
contemplou as formas escurecidas pelas sombras das arvores e dos capuz e sorriu
sem graça.
Ele poderia, sem sombra de
duvidas, bancar o herói e partir pra cima dos caras, mas, pensando bem, Sirius
não era tão louco assim.
Rindo mentalmente, ele se
virou, se preparando pra correr o mais rápido que conseguia, mas ao virar-se,
ele se deparou com um homem enorme, em pé a sua frente.
O cara que Sirius
derrubara com o galho de arvore, se encontrava em pé a sua frente e assim tão
de perto, pensou Sirius, ele parecia quase uma replica de Hagrid.
Sirius engoliu em seco e
virou-se novamente encarando o que lhe parecia uns seis caras encapuzados a sua
frente. Definitivamente, ele estava encurralado e bem encrencado.
Eu to fudido.
Sirius ergueu o galho de
arvore e partiu pra cima dos caras, era muito mais fácil talvez, atacar seis do
seu tamanho, do que um gigante, muito maior e provavelmente, muito mais forte
que ele.
Sirius sentiu o impacto do
galho bater com força em um dos caras e já virou pra atacar o outro, não
conseguia pensar, a única coisa que conseguia era, sem saber como, se desviar
dos caras que partiam pra cima dele, os acertando com o galho com toda a força
que tinha, quando ele se desviou o quarto homem que partiu pra cima dele, uma
dor lancinante penetrou-lhe as costas e em seguida as pernas, fazendo Sirius
cair de joelhos no chão, deixando o galho da arvore cair sobre as folhas secas,
seus olhos lacrimejaram de dor e sua visão escureceu, sendo levemente iluminada
por vários pontos brilhantes.
Sirius levou uma das mãos
a costas e a outra a cabeça, sentindo-se completamente zonzo, mas antes que
pudesse se recompor, ele sentiu uma nova onda de dor invadir-lhe o corpo,
fazendo-o tombar pra frente, o rosto batendo contra o chão de terra, pedras,
folhas, colaram contra seu rosto, seus lábios, tudo ficava levemente lúgubre e
doloroso, cada vez mais doloroso.
Thiago não soube de onde
tirou força ou coragem, mas sentiu seus pés saírem correndo em direção antes
que seu cérebro pudesse processar a ordem corretamente.
Ele saiu correndo entre as
folhas, galhos, troncos e tudo que via pela frente, pulando tudo com tanta
destreza que surpreendia até a si mesmo, se realmente tivesse tempo para
observar tal coisa. Mas a única coisa que realmente importava pra ele, era
salvar seu amigo, seu irmão.
Thiago pegou a primeira
coisa que viu pelo caminho e só percebeu o que era quando tacou com violência
em direção ao cara que derrubava Sirius, fazendo-o cair ao chão.
O enorme pedaço de arvore
bateu na cabeça do homem, desequilibrando-o e fazendo-o tombar pra trás, caindo
em seguida na terra umedecida da floresta.
Thiago não se importou
nenhum pouco quando percebeu que tal ato, despertara para si a atenção dos
demais, arrancando com ferocidade um galho da arvore que apareceu em seu
caminho, Thiago seguiu apressadamente em direção aos homens.
Sirius sentiu mais dores
invadiu-lhe o corpo, uma pontada extremamente forte de dor penetrou-lhe o
abdômen e ele sentiu seu corpo rolar na terra levemente úmida, um grito gutural
de dor saia de sua boca, sem Sirius ter conscientemente noção disso, tudo que
ele conseguia pensar era nos pontinhos brilhantes a sua frente, agora
misturados aos contornos das arvores, agora muito mais altas do que jamais
estiveram, entre as sombras das frondosas e enormes árvores lá em cima, ele
podia ver um pequeno pedaço do céu azulado, desejava naquele momento, mais que
tudo, estar lá em cima, no topo daquelas arvores, vendo aquele azul do céu
misturando-se ao maravilhoso azul do mar, podia até sentir o vento contra seu
rosto, o gosto da brisa salgada do mar, tudo parecia misturado a dor, a
tontura, aos enormes pontinhos brilhantes que se tornavam cada vez mais
intensos.
Thiago correu em direção
aos encapuzados erguendo o galho no alto e abaixando-o com violência contra o
primeiro que apareceu na sua frente.
Talvez fosse o fato de
Sirius estar caído no chão, juntando a imagem de Lilian toda encolhida
amedrontada, que o fizera sentir-se tão enraivecido,
tudo que ele desejava era fazer aqueles caras pagarem por mexer com as pessoas
que Thiago mais amava no mundo.
Quando Thiago virou-se
pronto para atacar quem mais estivesse a frente, ele viu que os caras haviam se
dispersado, e vários corriam, floresta a dentro, deixando-o completamente
ofegante ainda segurando o galho na mão.
Quando Lilian começou a se
sentir angustiantemente preocupada, ela viu surgir em meio às copas das arvores
dois garotos, um praticamente carregado pelo outro.
Lilian correu até eles
ajudando-os. Thiago segurava Sirius tentando ajudá-lo a caminhar até a praia.
Lilian olhou Thiago firmemente nos olhos, ele estava um pouco ferido, porem ela
nada disse, apenas passou um braço de Sirius por cima de seu ombro, enquanto
Thiago passava o outro braço do amigo em volta do seu pescoço e juntos eles
carregaram um Sirius muito ferido para o barco de Hagrid que rapidamente viera
ajudá-los.
***
O caminho de lancha da
pequena praia situada as costas da montanha da enseada até a praia que dava pra
casa de praia de Thiago foi rápida e silenciosa, ninguém disse absolutamente
nada, apesar do ar preocupado de Hagrid, ele nada disse até chegarem a casa.
Hagrid sem o menor esforço
carregou Sirius para dentro da casa o levando até o quarto, onde todos os
marotos acompanharam preocupadíssimos.
― Se eu soubesse que isso
aconteceria... Ah não teria deixado vocês lá.
― Ta tudo bem Hagrid! –
Disse Thiago, erguendo a mão tentando dar um tapinha no ombro dele e indo se
encostar a janela do quarto assim que Hagrid colocou Sirius na cama.
Hagrid saiu decidido do
quarto voltando poucos minutos depois com uma imensa bandeja onde nela havia
varias canecas com algo fumegante dentro, ele levou a bandeja ate os marotos e as
meninas.
Patsy sentada no pequeno
sofá do quarto ao lado de Remo tomou um gole da caneca fumegante para constar
que era um delicioso chocolate quente. Remo ao seu lado, com um dos braços em
volta do ombro da garota, segurava a caneca nas mãos incapaz de conseguir
engolir um gole sequer, ele não parecia ser o único, Thiago também segurou a caneca
nas mãos sem tomar nenhum gole, observando o tempo todo Sirius deitado na cama,
aparentemente inconsciente.
— O que vocês estavam
fazendo no meio daquela floresta? Não sabem que é perigoso?
Ninguém respondeu,
pareciam apavorados. Estavam totalmente sem palavras.
Lílian que andava de um
lado para o outro tentando controlar os nervos olhou de repente assustada,
vendo Lia, que até então estava encostada a porta do quarto com o rosto pálido,
caminhar em direção a cama onde Sirius estava.
Lia sentou-se na beira da
cama preocupada, era impossível não sentir nada ao vê-lo daquele jeito, afinal
ele estava daquele jeito por causa deles, tudo para ajudá-los, e ela nunca
imaginou que ele fosse capaz de tal ato.
A situação de Sirius não
parecia muito boa, havia vários cortes e arranhões por todo o corpo, seu rosto
estava sujo de terra e sangue, que sangrava levemente pelo rosto apesar das
tentativas inexperientes de Hagrid de tentar fazer-lhe um curativo rápido.
Lia passou a mão pelo
rosto dele suavemente, afastando um pouco os cabelos que caiam por sobre o
lindo rosto do garoto, agora coberto de sangue misturado com terra. Sirius
abriu os olhos lentamente encarando Lia e os dois permaneceram se olhando por
minutos que pareceram intermináveis.
Lia acariciava o rosto de
Sirius inconscientemente, naquele momento parecia que algo brotava dentro de
si, um carinho inexplicável, um sentimento jamais sentido e ela mal conseguia
compreender aquilo, apenas sabia que queria estar ali ao lado dele e não sair
tão logo.
Sirius gemeu de dor
baixinho, fazendo Lia acordar de seu transe, levando a mão à testa do maroto,
percebeu que ele ardia em febre, não poderia esperar por mais tempo, ele
precisava urgente de cuidados especiais.
— Hagrid, temos que levá-lo a um hospital, ele esta queimando
em febre. – Lia disse muitíssimo preocupada.
Thiago aproximou-se rapidamente, sua preocupação com
Sirius era visível.
― Que? – disse Hagrid levemente abatido. – Ah, sim,
sim... Já está vindo. Já está vindo. Não se preocupem.
Eles se entreolharam no exato momento em que a
campainha tocou e Hagrid saiu em direção ao andar inferior, voltando logo em
seguida com uma senhora toda de branco.
Ninguém perguntou nada
quando a mulher se encaminhou até o outro lado da cama, indo verificar como
Sirius estava e depois de ver o estado de Sirius, pareceu ficar levemente
preocupada.
― Vou precisar que vocês
esperem lá fora.
Todos se entreolharam de
repente. Lia olhou pra Thiago antes de olhar pra mulher sentada a beira da
cama, que já ia abrindo uma pequena maleta.
― Eu não vou sair do lado
dele.
Lia ouviu passos pesados
antes de sentir uma mão grande e forte no seu ombro.
― Ta tudo bem, Lia. A Sra.
Pomfrey é medica, ela sabe o que esta fazendo não é.
Lia e Thiago temiam que
algo acontecesse a Sirius, por isso foi com grande dificuldade que Sra. Pomfrey
e Hagrid conseguiu tira-los do quarto.
Ninguém
sabia o que acontecia lá dentro, uma vez que não podiam permanecer lá. Nervosos
eles seguiram direto a sala de estar, onde todos se deixaram afundar no sofá,
lívidos de preocupação.
Lia
sentou para em seguida se levantar e seguir direto para seu dormitório sem
dizer uma única palavra, Lílian percebera a preocupação da amiga, porem também
nada disse, aquele não era o momento propicio para isso, Patsy disse que
precisava de um banho quente e saiu em direção ao quarto, seguida de Remo que
disse que ia tentar descansar um pouco.
Thiago deixou-se afundar no enorme sofá perto da
lareira, enquanto Lílian sentava-se ao seu lado com as mãos postas sobre o
colo, visivelmente assustada e preocupada.
Thiago
percebeu que os olhos de Lílian se ergueram para se fixarem nele e por longos
segundos Thiago também ficou a fitá-la.
— Eu sei o que esta
pensando, Evans. E se quiser me culpar eu vou entender... – ele finalmente
disse sério.
— Te culpar? – Ela
perguntou levemente sem entender. – Acha mesmo que eu vou te culpar, Thiago?
— Você tem esse direito,
Evans. Vocês quase se feriram por nossa causa.
— Não! Se não fossem
vocês, nós... Eu... – Ela parou, nem conseguia pensar no que poderia ter
acontecido.
— Evans, você não entende
a gravidade da situação!
— Por favor, Thiago, pare
de me chamar de Evans! – Lílian disse nervosa. – Eu não vou culpar ninguém.
Vocês salvaram nossa vida, e você acha mesmo que existe alguém culpado nessa
historia?
— Mas Lílian nós também
somos culpados... Você não entende?
Lílian encarou Thiago por
instantes, não entendera o que Thiago estava dizendo, mas ao encarar aqueles
olhos, de repente tudo ficou claro para ela.
— Deus... Eu não acredito
que você esta se culpando porque teve a ideia de acamparmos na praia.
— Se eu não tivesse tido
aquela ideia idiota, estúpida, o Sirius não estaria... Ele não teria... Droga! –
Thiago parecia conter as lágrimas, mas sem sucesso.
Lágrimas escorreram de
seus lindos olhos castanho-esverdeados, escorrendo por sua pele branca, Lílian
sentiu como se uma faca penetrasse em seu coração.
No mesmo instante, Lílian
levou a mão ao rosto de Thiago secando as lágrimas num gesto delicado, Thiago
encarou Lílian por segundos, já não conseguia pensar direito em mais nada, tudo
aquilo ainda fervilhava em sua mente, e aquele gesto de Lílian, era apenas mais
uma coisa para deixá-lo ainda mais confuso.
Thiago segurou a mão de
Lílian e beijou-a carinhosamente, a mão de Lílian estava gelada e ela tremia
levemente.
— Esta com frio? Esta
tremendo! – Ele disse carinhosamente, Lílian apenas sorriu. Thiago aproximou-se
dela, abraçando-a com carinho. Já não entendia o que estava fazendo, aquele
cheiro maravilhoso dela parecia penetrar-lhe todos os sentidos, não conseguia
mais agir com o que seu cérebro, ele agia pelo coração, mesmo sem entender o
que aquilo queria dizer.
— Thiago, obrigada e... Sinto
muito pelo Sirius... – Lílian disse num sussurro, Thiago afagou os cabelos da
ruiva trazendo-a mais para perto de si.
— Esta tudo bem. Tivemos
sorte que nada aconteceu a vocês, e espero que o Sirius... Ele vai ficar bem! –
Thiago disse tentando convencer mais a si mesmo do que Lílian.
Ela sentiu o quanto Thiago
se importava com os amigos, e isso a deixou completamente feliz.
Próximos, abraçados,
sentindo o calor emanando um do outro, sentindo o cheiro um do outro, eles
permaneciam ligados por uma força invisível, por um desejo inexplicável, por um
amor que ambos não podiam entender, mas apenas sentir.
Lílian encarou Thiago,
como ele era perfeito, ela pensou enquanto o admirava. Agora sabia por que se
sentia daquele jeito por ele, porque no fundo ela sabia que ele era muito mais
do que aparentava, nele existia bondade, amizade, coragem, coisas que em outros
tempos ela jamais pensara existir nele.
— Obrigada, Thiago, você
me salvou mais uma vez – Ela riu fracamente.
— E quantas vezes for
preciso. – Ele respondeu sorrindo sinceramente.
Eles pareciam agora mais
próximos que antes, o rosto de Thiago estava muito próximo de Lílian, e ele
quase podia ouvir-lhe as batidas do coração, como ela quase podia sentir sua
respiração.
Thiago se aproximou mais
de Lílian e ela fechou os olhos, sentindo o calor dos lábios de Thiago sobre os
seus, seu coração acelerou-se e encheu-se de uma alegria indescritível e
impossível de ser explicada.
Thiago acariciou os
cabelos de Lílian com gestos carinhosos enquanto ela o abraçava, suas mãos
deslizaram pelas costas do maroto, indo até a nuca e depois para os cabelos
macios dele. Não existia desejo, não existia paixão, apenas um sentimento que
ambos não conseguiam entender, e que naquele momento, não era preciso.
***
Lia tomou um banho exageradamente
longo, a sensação de vazio, de aperto que ela sentia dentro dela não a deixava
pensar em nada, não a deixava em paz. Desejava que aquelas águas quentes tivessem
levado com ela toda aquela sensação de medo que se apossara dela, mas ela sabia
que isso, por mais estranho que fosse, não passaria até ter certeza que Sirius
estivesse totalmente bem.
Ela se arrumou e decidiu ir ver
se já poderia ver o garoto, queria ter seu coração em sossego novamente.
Lia bateu a porta, mas
ninguém respondeu, então ela entrou silenciosamente. Lentamente ela se
aproximou da cama de Sirius, percebendo que o quarto estava vazio.
Sirius dormia
tranquilamente, havia agora vários curativos na testa dele, e no rosto, mas ele
continuava lindo como sempre. Lia aproximou-se, ficando ao lado da cama, e
acariciou seu rosto levemente. Sentia o coração apertar-se dentro do peito, e
uma angustia tomar conta de si. E se algo de pior acontecesse a ele? Será que
ela conseguiria viver carregando essa culpa?
Lia tirou a mão do rosto
de Sirius e afundou o próprio rosto nas mãos, deixando o medo, pela primeira
vez, tomar conta de todo seu corpo.
— Não precisa ficar
desesperada, eu vou sobreviver. – Aquela voz soou nos ouvidos de Lia como os
fogos no dia de ano novo.
Tentando se conter, ela
tirou a mão do rosto e viu que Sirius a olhava carinhosamente, ainda deitado na
cama.
Ele remexeu-se inquieto,
tentando sentar-se, porem Lia colocou a mão no peito do garoto, fazendo-o
permanecer deitado, enquanto se sentava na beirada da mesma.
— Nem pense nisso, você
ainda não está recuperado.
Sirius fez uma leve
careta, mas apenas ajeitou-se na cama, encarando Lia agora com curiosidade.
— Não sabia que você se
importava tanto comigo. - Ele olhou-a nos olhos, mas ela desviou o olhar.
— Na verdade eu não me
importo. – Ela fez uma cara de quem não
ligava a mínima e Sirius riu.
― É que... Se eu não
tivesse me perdido, você não teria voltado pra me procurar...
Ela prendeu o choro na
garganta, Sirius a olhou sentindo o quanto vê-la daquele jeito o machucava.
— Não. Você não tem culpa,
esta tudo bem, eu só tive que dar um jeito naqueles caras. – ele riu levemente.
- Eu vou sobreviver!
Lia riu baixinho, até
nesses momentos ele fazia piada.
Sirius
ajeitou-se, encostando-se na cabeceira da cama.
— Desculpe, a culpa é
minha que você... – Lia baixou a cabeça deixando as lagrimas correram fartas
pelo seu rosto, nem gostava de pensar se algo de mais grave tivesse acontecido,
mas isso parecia impossível.
Sirius segurou o queixo de
Lia num gesto delicado levantando-o para ela o encarar. Lia sentiu o coração
bater mais forte no peito, e um calafrio percorrer seu corpo ao simples toque
de Sirius.
Tentando não demonstrar
suas reações, ela ergueu os olhos para o maroto.
— Não existem culpados. – Ele
disse calmamente. – Fomos inocentes da infeliz coincidência.
Lia olhou fundo nos olhos
de Sirius, sentindo seu coração acelerar cada vez mais, não sabia por que se
sentia daquele jeito, porque aquela vontade imensa de abraçá-lo de ter certeza
que ele estava bem, que nada tinha acontecido a ele.
Ela levantou-se se
afastando da cama um pouco assustada com seus próprios sentimentos.
— Fico feliz que já esteja
bem. – Ela disse rapidamente e virou-se para sair.
Não podia mais continuar
ali nem mais um instante. Não sabia o que estava acontecendo, porque estava
sentindo aquilo por ele?
***
Finalmente o dia de irem embora
chegara, já faziam vinte e quatro horas desde que haviam voltado da praia da
qual ficaram acampados, e Sirius já estava bem, apesar dos ainda ferimentos no
rosto, mas fora isso, ele estava bem, tão bem que todos se surpreenderam quando
ele chegou cheio de piadinhas para o café da manha.
Eles ainda não sabiam o que tinha
acontecido ao certo, e depois do café, eles seguiram para sala enquanto
esperavam Hagrid verificar se o carro estava em condições de viagem.
Remo puxou a cadeira da varanda e
sentou-se nela com Patsy ao seu lado, de modo que podiam ver os amigos dentro
da sala.
Lilian sentou-se no sofá, ao lado
de Thiago que estava com os pés sobre a mesinha de centro, e observou Lia que
se sentara no piano e tocava uma musica bem calma e baixa enquanto Sirius foi
ate o outro sofá pequeno deixando-se cair largado nele.
Eles permaneceram em silencio por
segundos, ate Patsy falar quase roucamente.
¾ Afinal de contas, o que
eram aquelas coisas?
― Ah andam falando deles por
aqui, mas eu não achei que tivesse tão assim, não é.
― E o que andam falando deles,
Hagrid? – Hagrid tinha acabado de adentrar a sala.
― Bom, dizem que eles andam
fazendo muitas coisas, coisas ruins sabe.
Lia parou de tocar pra olhar pra
Hagrid levemente assustada e depois pra Sirius.
Sirius estava com o olhar perdido
no teto, pensando.
— O que eu não consigo
entender disso tudo, é porque eles estavam lá e por que nos atacaram?
Todos olharam pra Thiago pensando
na pergunta.
― Ah eles estão atacando todo
mundo não é, agora o que estavam fazendo lá, ninguém sabe.
— Ah eu espero que eu não
fique de castigo depois dessa. Minha mãe é capaz de me matar.
Surpresos com o pronunciamento de
Lilian todos olharam pra ruiva, que avermelhou-se levemente, fazendo Thiago que
notara o fato, reprimir um sorriso.
— Ah um castigo não seria
nada perto da aventura que vivemos hoje.
Sirius jogou a cabeça pra trás
fechando os olhos, os pensamentos a mil.
Lilian encostou a cabeça no ombro
de Thiago, pelo acontecido ninguém reparara o quanto Lilian e Thiago estavam
perto um do outro, mais do que isso, o moreno de cabelos mais despenteados do
que nunca, acariciou os cabelos da ruiva num gesto carinhoso.
― Bom, acho bom irmos andando se
quisermos chegar em São
Paulo hoje, não é..
Eles se levantaram indo arrumar
as malas no carro e voltaram a São Paulo, afinal de contas, o fim de semana já
tinha sido muito mais agitado do que poderiam imaginar.
***
A semana, que começou
praticamente na quarta feira por causa do feriado, começou lenta e calma, e
apesar de já ter começado no meio da semana, todo mundo queria que acabasse
logo, os marotos mais que todos, pois o final do campeonato de futebol estava
se aproximando e com isso as tensões e pressões.
A manhã de aulas passaram
normais, e os meninos correram para o refeitório assim que o sinal tocou.
― To morto de fome.
As meninas se sentaram no sofá no
final do refeitório, cujo já estava bem cheio há àquela hora, enquanto Sirius,
sentando no braço do sofá, já dava uma mordida em sua pizza enrolada vendo Remo
se aproximando dos amigos.
― Ond’c tava Aluado?
― Sirius, você não precisa
mostrar seus instintos caninos logo de manha
As meninas riram e Sirius lançou
um olhar irritado a Thiago que sentou-se em cima do sofá pegando a Coca-Cola de
Sirius e tomando um gole.
― E que curiosidade é essa,
Almofadinhas, parece até que é minha mulher.
Todo mundo riu e Sirius engolindo
um grande pedaço da pizza, fez uma cara feia pra Remo.
— Sai fora, Aluado. Eu não
sou chegado em peludo, não. Eu gosto é de mulher.
― Falando em peludo... – Mas
Sirius interrompeu Thiago.
― Começou.
As meninas riram e Thiago revirou
os olhos.
― Eu ia contar aquele sonho que
você teve.
Thiago gargalhou e Sirius riu se
empolgando.
─ Ah é, o sonho horrível que eu
tive a noite passada. – disse Sirius aparentemente assustado, Lilian o olhou
preocupada.
─ Sonhou o que Sirius?
─ Sonhei que eu era um cachorro.
– disse Sirius inocentemente, coçando atrás da orelha de um jeito muito
engraçado.
─ Que engraçado, eu pensei que
você fosse um.
Todos riram e Sirius fez uma cara
de quem não achava graça pra Lia, que riu.
O sinal tocou indicando que o
horário do intervalo acabava e Sirius fez uma careta.
― Mas que porra... Nem terminei
minha pizza ainda.
― É por causa dos testes que
começam semana que vem, estão diminuindo o intervalo essa semana pra estudarmos
mais.
― Ah caralho, mas eu já estudo
cinco horas por dias, eles ainda querem mais?
― Você não estuda cinco horas né
Sirius, você enrola cinco horas.
― Ah, mas é que eu já sou
inteligente!
Sirius passou a mão pelos cabelos
e todo mundo.
― É melhor irmos andando, eu
quero dar uma olhada na matéria da McGonnagall antes da aula dela.
Remo e Patsy se levantaram e
seguiram em direção a saída do refeitório, onde saia no corredor que levava as
salas de aulas ou aos outros andares da escola.
Lia permaneceu sentada no sofá
por instantes tomando o restante da coca cola de Sirius, enfim levantou-se,
Lilian estava em pé perto do sofá olhando pra Thiago que a puxou novamente, percebendo
o clima, Lia puxou Sirius, sentado no braço do sofá, pela orelha fazendo o
maroto se levantar, eles caminharam em direção ao corredor, Sirius deu uma
olhada pra trás e então se aproximou de Lia pra cochichar.
— O que esta acontecendo
entre aqueles dois?
Lia deu de ombros, sorrindo.
— Ainda não sei, mas logo
vou descobrir. – Ela piscou pro maroto que deu uma risadinha.
Lia virou-se pra seguir pelo
corredor que dava pra sala de aula, mas Sirius puxou-a delicadamente pelo
braço, fazendo-a ficar de frente e muito perto do maroto.
Ele foi em direção aos lábios
dela, mas desviou-os até o ouvido da garota, fazendo ela se arrepiar inteira,
antes de sussurrar.
— Não se esqueça de me
contar.
Então Sirius risonho soltou-a e
Lia que fez uma careta pra ele antes de seguir caminhando pelo corredor, vendo
que a Bella passava por ela e Sirius lançando um olhar assassino aos dois, que
Lia fingiu nem notar, abraçando Sirius propositalmente antes de seguir com ele
pelo corredor em direção a sala de aula.
Patsy saiu caminhando com Remo em
direção ao corredor que os levaria as salas de aula, ela estava se sentindo
muito feliz, apesar dos últimos acontecimentos do fim de semana. Claro que, as últimas
horas na praia foram horas assustadoras, e ela ainda não esquecera, queria
poder entender o que aqueles homens encapuzados ganhavam amedrontando as
pessoas, mas felizmente aquilo já havia passado e Sirius e todos seus amigos
estavam bem.
E no final de tudo, o fim de
semana tinha tido algumas coisas boas, como aquele beijo. Ah aquele beijo,
Patsy jamais iria esquecer aquele beijo, do doce sabor dos lábios de Remo nos
seus, ela definitivamente tinha provado do paraíso e tinha certeza de que lá
era perfeito.
Ela suspirou feliz olhando pro
maroto ao seu lado pelo canto dos olhos, quando percebeu que ele parou. Patsy
parou ao seu lado, sentindo alguma coisa muito estranha revirando dentro do seu
estomago.
Respira Patsy, respira. Ela pensou rapidamente, vendo uma garota
parada a frente deles.
― Oi Remo!
A garota disse toda feliz, sorrindo
daquele jeito que mostravam todos os dentes da boca, será que a intenção dela
era mostrar a Remo que ela tinha dentes e não era banguela?
― Ah, oi Dorcas. – Remo sorriu
sem jeito.
― Eu vim dar os parabéns pela
peça!
Patsy reparou que ela colocou a
mão no braço de Remo e quase pulava de excitação. Será que tinha formigas nas
calças dela? Se controla Pat, se
controla.
― Ah, mas você que estava na
peça, né, eu só adaptei o roteiro.
Remo sorriu sem jeito, sentindo o
rosto queimando, tinha certeza que estava ficando com o rosto vermelho naquele
momento.
― É! É disso que eu quis dizer.
Você foi espetacular, o teatro ficou maravilhoso, eu adorei muito e eu queria
muito que você me deixasse te ajudar nas adaptações da próxima peça...
― Ah Dorcas, eu agradeço, mas já
tem alguém que me...
― Eu sei muita coisa que poderia
ajudar, Remo...
― A Pat vai me ajudar. – Remo
disse sentindo o rosto queimando mais ainda.
― E eu adoraria poder... –
Continuou a menina como se Remo nada tivesse dito.
― HEY!
A menina se calou e olhou de
repente pra Patsy, como se pela primeira vez ela tivesse notado a menina ao
lado de Remo.
― Ele já disse que eu vou ajudá-lo, então não adianta
insistir.
Patsy sorriu ironicamente e Remo,
mais vermelho que um pimentão, acenou com a cabeça concordando com o que Patsy
dizia, enquanto ela segurava com jeitinho no braço de Remo, puxando ele pra
continuar caminhando, mas não antes de completar.
― E não precisa se preocupar, ele
não vai precisar de mais auxiliares, eu dou conta.
Piscando ironicamente pra garota,
Patsy seguiu puxando Remo com ela, que estava quase roxo de tão vermelho.
― Caramba, Pat, eu... – Começou
Remo desajeitadamente.
― Ah não precisa agradecer, Remo,
eu percebi que você estava tentando dispensar a menina, então pensei em... Quer
dizer, espero que você não tenha se importado, quer dizer, eu me meti tentando
te ajudar, mas não tive a intenção de...
Ela se calou de repente.
Remo pensou que talvez estivesse
dominado por alguma doença, algum ser de outro mundo, ou qualquer coisa desse
tipo, pois jamais se imaginou fazendo isso, mas a visão de Patsy ali parada a
sua frente, corada, desajeitada com as palavras, foi realmente a coisa mais
linda que ele já vira, ele não conseguiu pensar em nada, aliás, ele não pensou,
a única coisa que ele foi capaz de fazer foi selar seus lábios aos dela,
beijando-a intensamente.
Lilian olhou pra Thiago após ter
percebido que o refeitório já estava quase vazio. A ruiva levantou-se e puxou
Thiago que fingia dormir, pelas mãos.
— Anda logo Thiago, depois
do fim de semana é melhor não deixar ninguém sozinho por ai.
Thiago ainda de olhos fechados
riu diante das palavras da ruiva.
— Você quis dizer “melhor
não deixar eu sozinho”?
A ruiva arqueou as sobrancelhas
diante do convencimento do maroto que passava a mão pelos cabelos rindo. Lilian
revirou os olhos, virando o corpo pra sair do refeitório, porém Thiago a puxou
pela mão fazendo-a cair sobre ele no sofá.
— POTTER!! - Ela disse assustada e Thiago riu mais
ainda, virando a ruiva no sofá e ficando por cima dela.
— Que saudade de ouvir você
gritar “Potter”.
Lilian revirou os olhos
reprimindo uma careta.
— Se quer que eu volte a
implicar com você é só falar, eu farei com grande “sacrifício” – ela disse num
tom falso, e Thiago riu novamente com a ruiva, que ria junto. Então sem Lilian
esperar Thiago a beijou.
Lilian abraçou o maroto, não
sabia o que estava acontecendo com ela, não era porque os dois não estavam mais
brigando toda vez que chegavam perto que eles tinham que ficar como dois
namorados, coisa que nem de longe eles eram.
Então um pensamento passou pela
cabeça de Lilian, e se Thiago estava fazendo aquilo só pros amigos verem que
ele conseguira dobrar a ruiva?
Thiago terminou o beijo e Lilian
refletindo em seus pensamentos, afastou Thiago levantando-se.
— É melhor irmos pra aula,
Potter. – ela disse estranhamente e Thiago percebeu isso, segurando na mão da
ruiva, beijando-a delicadamente.
— O que foi, Lilly?
— Não quero perder a aula,
Potter. – Ela disse antes de soltar a mão dele e seguir em direção a saída do
refeitório. Thiago deu um pulo do sofá correndo ate ela e segurando-a pelo
braço. Lilian se virou.
Thiago segurou nos braços de
Lilian e foi caminhando pra frente fazendo a ruiva ficar encurralada na parede
atrás de si, que dava inicio ao corredor.
A ruiva ergueu a sobrancelha
olhando séria pro maroto.
— O que você pensa que esta
fazendo Potter?
— Isso. – disse Thiago,
antes de beijar Lilian intensamente.
***
― Fala Digão!
Diggle veio correndo se juntar
aos marotos enquanto eles entravam na sala de aula e iam direto pras carteiras
ao fundo.
― E ae como foi o feriadão? Pegou
muito?
O garoto baixinho riu da pergunta
de Sirius e balançou a cabeça, indignado.
― Que nada cara, tive que ir
naquela porra da Praça Ramos ajudar a véia.
― Foi fazer o que na Praça Ramos?
― A mãe dele é jornalista,
esqueceu? – Remo retirava da mochila o livro, enquanto Patsy se sentava ao seu
lado, observando cautelosamente a conversa dos meninos, ela não parecia ser a
única, Lilian que agora se sentava com Thiago, próximos de Sirius e Lia, parou
com as mãos no zíper da mochila observando a conversa.
― Sua mãe é jornalista? Que
legal!
As meninas concordaram com Lilian
acenando a cabeça, enquanto o garoto continuava.
― É, ela tirou o fim de semana
pra terminar uma matéria sobre os moradores de rua.
― Sério?! – As três garotas
exclamaram juntas.
― E tem moradores de rua na Praça
Ramos?
― Ta brincando, o centro de São
Paulo é o ninho da miséria, nunca foram lá não? – indagou o garoto ao ver a
cara de espanto das meninas.
― Qual é, em que mundo vocês vivem?
Isso aqui é São Paulo, não se pode esperar um paraíso em todo lugar né.
― Infelizmente, pelo menos uma
vez na vida, o Almofadinhas disse uma coisa que preste.
Eles riram e Sirius tacou a
borracha em cima de Thiago que desviou fazendo a borracha acertar um colega de
classe atrás dele.
― Ô foi mal. – Sirius deu um
sorrisinho amarelo.
― É, acho que poucos lugares em São Paulo não tem isso
não é, gente na rua, mendigando e tudo mais.
― Eu já vi, claro, quem em são Paulo nunca viu, mas
não achei que fosse tão... Quer dizer, achei que era só nos lugares onde eu vi.
― Que isso Lilly, tem em todo
lugar, só não tem aqui onde a gente mora e olhe lá, se você olhar bem, na
paulista tem de montão.
― É, e ali na consolação também,
acho aquela avenida muito ridícula cara, mais pichada que as carteiras onde o Almofadinhas
senta.
Mais uma vez uma onda de risos se
fez presente quando mais uma vez Sirius tacou a borracha na direção de Thiago e
acertou mais uma vez o colega atrás que soltou um chiado bravo.
― Agora foi culpa desse viadinho,
ó. – Sirius se apressou apontando pra Thiago que riu debochadamente de Sirius.
― Sr. Potter e Black. – A voz
alta da professora ecoou pela sala e os meninos fingiram estar comportados,
causando risos abafados. – Será que vou ter que separar os senhores?
― Que isso, Profª McGonnagall,
estamos discutindo sua matéria aqui, não é Pontas.
― É Profª, estou ensinando pro
Almofadinhas o que só ele tapado não entende o que a Senhora explica tão
perfeitamente bem.
Os alunos à volta riram e Sirius
fez menção de pegar a borracha mais uma vez pra tacar em Thiago, mas se
contentou em fuzilar o amigo com os olhos, enquanto a professora balançava a
cabeça, tentando não demonstrar o riso em seus lábios.
― Sem enrolação vocês dois heim.
Sirius e Thiago voltaram pros
livros abertos em cima da mesa e fingiram estar estudando, enquanto as meninas
voltavam a atenção pro caderno.
― Se quiserem a gente leva vocês
lá.
As meninas viraram o rosto pra
ver um Sirius inclinado sobre a carteira.
― Levar a gente aonde? – indagou
Lia sem entender.
― Na Praça Ramos.
― É. Pra vocês verem de verdade a
miséria.
― Ah qual é, se vocês vão levar
elas na Praça Ramos pra ver miséria, então leva na favela também, lá é pior.
― Mas na favela eles têm casa, Diggle.
Na Praça Ramos não.
― Na favela só tem esgoto, pra
elas verem esgoto eu levo elas na Marginal.
Eles riram de Sirius, tentando
abafar o riso.
― Vamos mostrar pra vocês como
São Paulo realmente é.
― E ai, topam?
As meninas se entreolharam,
pensando.
― Tudo bem.
Lilian concordou enquanto Thiago
passava a mão pelos cabelos.
― Vamos levar as dondoquinhas pra
andar de busão em Sampa.
E as meninas riram.
***
Não era muito
longe o bairro Jardins da Praça Ramos, por isso eles caminharam ate a Paulista,
onde pegaram um ônibus.
As meninas, que
sentaram ao fundo do ônibus com os meninos, não sabiam se riam ou se tentavam
fingir que não os conheciam, pois em cada lombada que o ônibus passava, eles
pulavam nos bancos gritando e agindo que nem loucos.
Em pouco mais
de dez minutos eles chegaram ao ponto em frente a estação Ahangabau.
Eles desceram do ônibus e
seguiram a rua até virar a esquina.
A impressão que Lilian teve era
que metade da população de São Paulo se concentrava ali. Varias pessoas iam e
vinham apressadas, o lugar era bem amplo, a calçada na verdade quase parecia
uma praça por seu tamanho bem espaçoso. Na esquina havia o que pareceu um
shopping que por fora tinha a aparência de um prédio muito antigo, logo a
frente uma banca de jornal onde dava inicio a parte superior do viaduto Chá,
uma espécie de ponte acima do viaduto, a qual não tinha a mesma aparência
conservada e limpa como as ruas que eles estavam acostumados.
Eles continuaram caminhando,
adentrando pela imensa calçada que lhes dava a impressão de ser uma rua de
pedra, Lilian parou, sendo acompanhada de perto pelos amigos.
A beira da ponte eles podiam ver
a paisagem lá em baixo, a entrada e saída do viaduto do qual eles se
encontravam acima, vários carros em alta velocidade passavam indo e vindo e o
movimento da cidade as fascinavam, era como se pela primeira vez eles
estivessem parando para observar o mundo em movimento.
Na calçada, a beira da ponte,
havia varias pessoas de aparência pobre e mal cuidada, alguns vendendo objetos, ou doces, alguns
pareciam ser cartomantes e entre eles, um senhorzinho com um violino nas mãos,
tocando uma melodia suave e triste.
As meninas continuaram caminhando
lentamente pela calçada, mais a frente havia um homem deitado, coberto por uma
coberta suja e rasgada em vários pontos, passando a mão pelos ombros de Lilian,
Thiago a viu abraçar os próprios braços, percebendo que o tempo em São Paulo estava frio
demais para aquela pessoa estar dormindo ali, daquele jeito. Será que a noite em São Paulo era fria e
perigosa demais para ele só conseguir do dormir de dia, mesmo com todo aquele
barulho e pessoas a volta?
Ainda caminhando pela calçada,
eles viram uma mulher com um bebezinho no colo, sentada a um canto, um homem ia
e vinha ate ela, lhe falando baixo e voltava ao meio da calçada, com uma
caixinha de chocolate nas mãos, a qual ele tentava vender, apenas uma família,
mais uma entre tantas em São
Paulo, tentando sobreviver, porque viver era muito, era uma
coisa que eles não faziam talvez há muito tempo.
Lilian viu Patsy segurar firme no
braço de Remo e pedir baixinho para voltarem, ela estava vendo um senhor
sentado em uma cadeira segurando o que lhe parecia uma placa grande que
indicava que alguma pessoa comprava e vendia alguma coisa que elas não
prestaram atenção.
A visão do velho senhor chamava
mais a atenção delas que qualquer outra coisa naquela imunda calçada, ele era
muito de idade, sua pele muito enrugada e os ossos dos braços que seguravam a
placa era quase visível devido a sua magreza profunda, mesmo de longe Thiago pôde
ouvir os soluços de Patsy e Lia que estavam paradas mais a frente.
Nada naquele lugar pareciam reais
ou belas, as paredes das grandes lojas eram pichadas, as ruas eram imundas e as
pessoas iam e vinham, em saltos e ternos, sem prestar a menor atenção a sua
volta, com seus fones ou celulares nos ouvidos não ouviam nada, com seus óculos
escuros eles não viam nada, com seus sapatos lustrados eles não sabiam nem onde
pisavam, não prestavam atenção em absolutamente nada a não ser em si próprios, era
como se tudo aquilo fosse tão normal ou tão sem importância, que não era
absolutamente nada. Pessoas passando fome, pessoas lutando para sobreviver, passando
frio, sem ter onde dormir, sem ter o que comer, lutando ate suas ultimas forças
para sobreviver no meio daquele caos e ninguém mais parecia se importar com
aquilo.
Lilian levou as mãos ao rosto e
saiu caminhando, quase correndo, até o fim da calçada, pra longe de tudo
aquilo. Thiago que sentira suas mãos escorregarem pelos ombros de Lilian antes
dela sair apressada, teve que apressar os passos para alcançá-la. Ele viu
Lilian parar, ainda com as mãos no rosto, e sentar-se na beirada da calçada,
enquanto as pessoas iam e vinham sem sequer notá-la tampouco.
Thiago agachou-se a frente de
Lilian, as mãos no rosto ocultava-lhe o nariz e a boca, mas ele podia ver-lhe
os olhos verdes, agora levemente avermelhados e cheios de lágrimas, sentindo-se
profundamente sensibilizado por vê-la daquele jeito, Thiago levou uma das mãos
aos cabelos da ruiva acariciando-os levemente, enquanto Sirius, Lia, Remo e
Patsy se aproximavam. Ele viu que Remo abraçava uma Patsy também soluçante e
Lia se agachou-se próxima a ele, também com os olhos vermelhos e lágrimas
escorrendo por seu rosto. Ela levou a mão ate uma das mãos de Lilian que
tampava o rosto e segurou-a levemente, sem dizer uma palavra.
Então Lilian afrouxou as mãos e
abraçou Lia num átimo de desespero, começando a chorar compulsivamente, Thiago
sentiu os próprios olhos se encherem de lágrimas, era como se elas tivessem recebido
uma noticia horrível de alguma morte, mas não, aquele desespero, aquelas
lágrimas, como Thiago jamais vira na vida, era por causa de tudo que ninguém
mais via, apenas eles.
Sirius sentou-se na calçada ao
lado de Lilian, observando as duas amigas abraçadas, soluçantes, ele sabia que
Sirius se sentia como ele, impotente, incapaz de dizer ou fazer qualquer coisa
para acalmá-las, porque não havia absolutamente nada que pudessem fazer, nada
poderia justificar tudo aquilo a não ser a indiferença e egoísmo da sociedade
que fizera tudo aquilo acontecer, e não havia palavras para ele explicar,
justificar ou apaziguar uma dor como aquela, a dor da indignação.
― Por que...?
Ele ouviu Lilian balbuciar, as
palavras abafadas nos ombros e cabelos loiros de Lia.
― Porque existe tudo isso?
Thiago levou a mão aos cabelos de
Lilian acariciando-os, desejava profundamente poder fazer algo para aquelas lágrimas
cessarem e aquela dor, que ele sentia em sua própria pele, emanando de Lilian
como uma luz intensa e repleta de indignação, de revolta.
Lilian desfez o abraço de Lia e
se afastou ,dessa vez seu rosto estava banhado em lágrimas, vermelho como seus
olhos que ainda estavam cheios de lágrimas. Ela levou a mão ao rosto enxugando
as lágrimas que insistiam em cair-lhe dos olhos pelo rosto.
― Como? Como eles não veem? Deus,
me diz como eles podem passar por tudo isso e não ver?
― Eles veem Lilly. – Lia disse
com a voz embargada em lágrimas e Lilian ergueu os olhos pra amiga indignada,
como se não entendesse o que ela estava dizendo.
― Eles veem, só não enxergam.
― Eles só enxergam o que
interessa, só seus próprios mundinhos egoístas e medíocres.
Thiago não precisou erguer os
olhos para saber que Patsy, logo atrás deles, estava também com o rosto repleto
de lágrimas e os olhos vermelhos. Ele queria dizer algo, mas não conseguia.
Sirius levou a mão ao rosto de
Lia, secando-lhe as lágrimas e ela sorriu tristemente pra ele, que se levantou
e estendeu a mão pra Lia segurar e se levantar, sendo abraçada pelo maroto em
seguida.
Thiago acariciou o rosto úmido de
Lilian, falando baixo pra ela.
― Vem Lilly, vamos pra outro
lugar.
Ele passou a outra mão em volta
dos ombros dela ajudando-a a se levantar, e a abraçando de lado ele passou a
caminhar com a ruiva, atravessando a rua e saindo em uma enorme praça, a muito
conhecida Praça Ramos.
Sirius sugeriu que fossem ate um
Mc’Donnalds próximo dali e eles seguiram pra lá, era um bom lugar para
conversarem e as meninas se acalmarem.
A praça era repleta de pequenas
ruazinhas onde apenas pessoas caminhavam agitadas e apressadas, havia vários
vendedores ambulantes e panfleteiros que tentavam chamar a atenção das pessoas.
Eles passaram pela praça entrando em uma das ruazinhas e caminhando poucos
minutos ate chegarem ao Mc’Donnalds.
Thiago sugeriu que as meninas
esperassem no andar de cima, guardando lugar para eles, enquanto eles pegavam
os lanches lá em baixo.
As meninas subiram e depois de
limparem o rosto e darem uma ajeitada na aparência no banheiro das meninas no
andar superior, elas sentaram a um canto, guardando os lugares dos meninos que
logo voltaram trazendo seis lanches, batatas fritas e refrigerantes.
Os bancos eram almofadados e
colados a parede, parecendo um enorme sofá em volto pelas mesas, uma das mesas,
a do canto era arredondada, onde Sirius já sentou-se rapidamente, puxando Lia
pra sentar-se com ele na mesma.
Thiago sentou-se ao lado de
Lilian e Remo ao lado de Patsy, enquanto eles pegavam cada um seus lanches.
As meninas riram quando Thiago
deu um tapa na mão de Sirius que fingia ir pegar o lanche dele.
― Tira a pata, Sirius.
― É igual ao meu, ô bobão.
Sirius riu pegando uma batata
frita e enfiando na boca.
― E ai, vamos repetir nosso
passeio pela adorável Praça Ramos?
As meninas lançaram um olhar
irritado a Sirius que gargalhou roucamente.
― Estava brincando, pow.
― Não pretendo voltar aqui nunca
mais.
― Lilly... – começou Thiago
segurando a mão da ruiva carinhosamente. – Infelizmente isso existe em todo
lugar por aqui.
― E o que fazemos? Ficamos
sentados assistindo isso como se nada tivesse acontecendo? Agindo como aquelas
pessoas, que são cegas e não enxergam nada?
Eles sabiam o que Lilian queria
dizer, e sabiam que ela tinha razão, absolutamente razão em tudo que ela estava
dizendo.
― A Pat tem razão, eles só
enxergam o mundinho deles, a vidinha deles. Não se preocupam com o que acontece
com as pessoas desde que não interfira na vida deles, não é?
― É Lia, infelizmente, como você
disse: Eles veem, mas não enxergam. E essa é a realidade.
― E a gente vai fazer o que? –
Continuou Sirius ao que Remo dizia. – Parece que ninguém mais se importa, nem
se a gente sair falando por ai, eles não querem ouvir, esta bom pra eles,
afinal não são eles na rua mesmo.
― Gente isso é um absurdo. Eu não
consigo acreditar nisso.
― É Lilly, um absurdo sem
tamanho.
Thiago tomou um gole da sua coca,
enquanto eles permaneciam em silencio comendo seus lanches, pensativos.
Se pudesse mudariam o mundo,
Thiago sabia disso, se pudessem fariam qualquer coisa, revolucionariam o mundo,
transformariam a vida daquelas pessoas. Mas o que seis jovens poderiam fazer
contra toda aquela injustiça social? Contra toda aquela pobreza, miséria que
habitava em baixo do nariz daquelas pessoas que não conseguiam ver, nem
enxergar, nem enxergar nada além dos próprios umbigos?