—
Tati Bernardis
Eu nunca imaginei que
tanta coisa pudesse acontecer no meu dia, se eu tivesse sonhado com tudo aquilo
já acharia uma loucura e tanto, eu ia acordar e pensar “Caramba, que sonho
louco que eu tive!”, e ia esquecer ele, é claro, porque você não pode ficar
pensando em sonhos malucos porque vai que eles se tornam realidade, né, melhor prevenir
do que remediar, mas aquilo estava longe de ser um sonho louco, infelizmente, e
ali estava eu, dentro de um elevador, vendo o meu celular ficando para trás
depois da minha amiga me dizer que o louco, ordinário, idiota, que acabara com
meu dia, era ninguém mais, ninguém menos que um dos cantores mais amados do
Brasil, o Luan Santana.
Ela só podia estar
brincando com a minha cara, porque com um dia daqueles, só rindo mesmo da minha
cara né, era mentira, eu apostava o que for que era mentira, eu nem reconheci o
cara.
Encarei ela e ergui uma
das sobrancelhas, cética.
— Tá legal zoar com a
minha cara, né? Eu sei que meu dia tá uma piada, mas não exagera, Ju. – Ela
revirou os olhos e negou com a cabeça levemente.
— Você olhou bem para o
rosto dele?
— Não, eu estava ocupada
demais querendo matar ele! – Eu disse, olhando para o número do elevador que
aparecia no painel ao lado da porta, mostrando o andar que estávamos, aquela
porcaria não descia logo.
— Tá vendo, se você olhar
para ele um pouquinho melhor, vai ver que eu não estou te zoando. Amiga, aquele
cara é o Luan Santana!
Dessa vez foi eu que
revirei os olhos, apertando o botão do elevador para o andar de baixo, para ele
parar logo e voltar para o andar de cima e eu recuperar meu preciosíssimo celular.
— E eu acordei e descobri
que eu sou a Angelina Jolie, cadê o gostoso do Brad Pitt? Ah, não, espera, eu
não sou a Angelina...
— Ai, Mel... Eu te disse
que um cantor famoso ia estar aqui hoje, lembra? E você não viu as meninas com
um monte de foto do cara lá fora?
Eu nem sequer tinha
reparado em quem era o cantor nos pôsteres, honestamente, por isso só neguei
com a cabeça e não disse nada.
Será mesmo que ela estava
falando a verdade?
O elevador parou, mas uma
mulher entrou apertando o botão T no elevador, ótimo, agora aquela merda ia
descer até o térreo e depois subir de novo, eu estava rezando internamente para
ele ainda estar me esperando no mesmo andar, se ele não estivesse, eu caçava
ele até o fim do mundo, seja ele o Luan Santana ou o Michael Jackson, mesmo
morto, ele ia devolver o meu celular!
Imagine perder o celular,
gente, isso é a pior coisa do mundo, quase tão pior quanto ficar andando pela
Avenida Paulista mostrando a bunda.
Podem rir de mim, hoje eu
mereço.
Bufei, irritada pela
lerdeza do elevador, e a mulher olhou de lado para mim e para a Ju, que me
puxou pelo braço para o canto, ao lado dela.
— Eu tô te dizendo, é o
Luan Santana!
— Aham. – Eu disse
simplesmente, revirando os olhos, a mulher olhou pelo rabo do olho novamente
para nós duas, enquanto a Ju continuava cochichando tão baixo que até a menina
da recepção devia estar ouvindo, lá de baixo.
— Como você conseguiu ter
tanta sorte? – Eu não consegui controlar, eu soltei uma gargalhada irônica tão
alta, mas tão alta, que acho que o idiota ouviu lá do andar de cima, a mulher
virou o rosto e me encarou, me olhando torto e virando o rosto novamente para
encarar a porta fechada do elevador.
— Ah, foi mesmo muita
sorte, nossa, olha, que sorte heim, ser atropelada, andar pela Paulista com a
bunda de fora, perder o celular E a entrevista da minha vida, gente, como eu
consegui ter tanta sorte assim na
vida?
Ela revirou os olhos e
negou com a cabeça de leve.
— Você vai pelo menos
pedir o telefone dele quando ele te devolver o seu celular, né? – Me virei e
encarei a Ju, ela estava meio alucinada demais com a ideia do cara poder ser o
Luan Santana, e na moral, eu estava com tanta raiva daquele cara que NEM se ele
fosse MESMO o Luan Santana, eu não ia pedir o telefone dele, nem o endereço
dele, nem mesmo pedir uma merda de uma música, eu ainda queria matar ele, ainda
ia pegar meu celular e mandar ele ir para puta que pariu, ah, não sem antes
dizer: “olha por onde anda, seu playboyzinho filho da mãe.”
— Vou, para poder ligar
para ele toda noite e dizer que ele acabou
com a minha vida! Ah, com certeza é para isso
que eu vou pedir o telefone dele. – A Ju negou de leve com a cabeça e o
elevador finalmente (Aleluia) parou no térreo e abriu a porta deixando a mulher
com cara de mal-humorada (parece até que foi ela que andou na rua com a bunda
de fora, se não foi, bem que merecia pela cara de bunda dela) sair em passos
firmes e eu poder, finalmente, apertar o botão milhares de vezes seguidas para
voltar ao andar onde aquele desgramado estava.
Como sempre, quando você
está com pressa, as coisas ficam lentas igual uma tartaruga, e o elevador
demorou dois séculos e meio para fechar a porta e finalmente voltar a subir, eu
estava já impaciente, batendo o pé no carpete do elevador e olhando para o
número no mostrador, ansiosa, pensando em como eu fui burra de não olhar a
volta enquanto esperava o elevador, se eu tivesse visto ele antes de entrar no
elevador e as portas se fecharem, eu podia ter pego o meu celular de volta.
Idiota. Eu me xinguei
mentalmente, bufando baixinho e sentindo em seguida a mão da Ju no meu ombro,
me dando apoio; o elevador estava ainda no terceiro andar.
— Calma, amiga, vai dar
tudo certo, tenho certeza que ele ficou lá esperando você voltar; eu não
conheço ele pessoalmente, mas pelo que sei dele, ele é uma boa pessoa, não fez
nada por mal e vai ficar lá te esperando para esclarecer as coisas, você vai
ver.
Tomara que ela tenha
razão, porque, pelo pouco que eu vi dele naquelas últimas horas, eu só tinha
mais e mais vontade de esganar ele; Se um dia eu tivesse deixado uma cigana ler
minha mão e ela dissesse: “Eu vejo que
você vai ser atropelada pelo cantor Luan Santana, e vai sentir uma vontade
muito, muito grande de matar ele”, eu, com certeza, diria que a cigana é
louca, maluca e com uma imaginação muito, muito fértil.
Quando o elevador
finalmente parou no andar e abriu as portas, eu saí em disparada pelo corredor
onde eu o vira parado com aquela cara de sacana, mas ele não estava mais lá,
que droga, não era possível que ele tinha ido embora, ou era?
Caminhei pelo corredor
vendo que não tinha nem sombra dele ali, então comecei a abrir porta por porta,
dizendo um “desculpa” cada vez que uma cara de interrogação me olhava do lado
de dentro, a Ju me acompanhando de encalço, mas ele não estava em lugar algum.
— Ele pode ter ido em
alguma sala perto de onde eu trabalho, com o Paulo ou o Mario... – A Ju começou
a tagarelar em favor do filho da mãe, eu percebi que, no fundo, no fundo, ela
rezava para ele realmente estar ali me esperando e ela não ter que admitir que
eu estava certa sobre o cara. - Ou quem sabe foi tomar um cafezinho, tem uma
área de café no final do meu corredor, eu aposto que ele está lá te esperando,
amiga.
Viramos o corredor como
se fossemos para a sala dela, mas seguimos direto até o final do corredor onde
havia realmente uma área grande e requintada para um café da tarde em grande
estilo, eu imaginava um cantinho com uma mesinha e uma garrafa térmica e uns
copinhos plástico, mas aquilo ali ia além da minha imaginação, com sofás de
couro, uma máquina de café expresso e xicaras sobre uma mesa chique, tudo
combinando entre o preto do couro do sofá e o branco das paredes. Chique
demais. Mas quando chegamos lá naquela chiqueza toda da área do café, não tinha
ninguém lá.
Ele tinha ido embora, eu
não podia acreditar naquilo, aquele filho da mãe foi embora e levou meu celular
junto.
— Ele foi embora... Ahhh,
não acredito! Aquele filho da puta levou meu celular! – Quase chutei a mesinha,
a máquina de café expresso e todos aqueles sofazinhos de couro, mas daí eu ia
ter que pagar por tudo aquilo depois e eu não tinha conseguido um emprego,
graças àquele filho da mãe, então não tinha dinheiro para pagar nada, por isso
me contentei em dar um chute de leve em um dos sofás de couro, mas por dentro
eu era um vulcão em erupção, que ia queimar aquele salafrario até virar cinzas
assim que visse ele.
— Calma amiga, e se ele
desceu? – Me virei e lancei um olhar digno de ciclope, do X-men, na direção
dela; - Se ele viu você descendo no elevador, é meio obvio que ele ia ir atrás
de você, ele deve ter descido.
Bufei, irritada; é claro,
ele desceu e está me esperando em outra salinha de café chique na recepção, e
eu tinha acabado de conhecer o Príncipe Harry, ele se apaixonou por mim e vamos
nos casar mês que vem.
Eu duvidava muito que ele
estivesse me esperando, mas deixei que ela segurasse minha mão e me arrastasse
pelo corredor por onde tínhamos vindo, tudo de novo, até chegarmos ao elevador,
mas dessa vez ele estava fechado e o painel indicava que havia descido
novamente ao Térreo, que beleza, corremos em direção as escadas onde descemos
as pressas, dessa vez a Ju largou minha mão ou desceríamos rolando as escadas,
e quando finalmente chegamos ao térreo eu estava morrendo sem folego e fedendo
a suor, aquilo tinha valido mais do que mil horas na academia.
Saímos correndo pelo
saguão de entrada, mas ele não estava lá, ele não estava em lugar algum, eu vi
a Ju correr até a recepcionista que me reconheceu quando me viu, mas não fui
atrás, aquele dia já tinha valido por um mês inteiro, eu não aguentava mais
aquilo; recostei na parede e coloquei as duas mãos no rosto, segurando o choro
que começava a querer vir numa torrente avassaladora, mas segurei ele na minha
garganta e respirei fundo. Quando é que aquele dia ia acabar mesmo?
Eu ouvi passos, dessa vez
mais lentos, vindo até mim até que a Ju parou ao meu lado, senti a mão dela no
meu ombro me confortando, eu já sabia o que ela ia dizer, mas ainda assim,
continuei lá, com as mãos cobrindo o rosto impedindo-me de vê-la, só ouvi a voz
dela, dessa vez triste e derrotada, o cantorzinho adorado dela a tinha decepcionado.
— Ele foi embora. Sinto
muito, Mel. – Quem sentia muito era eu por ter acordado atrasada, por ter
deixado para pegar o book curricular na última hora, por ter andado na rua
distraída mexendo na porcaria do Whatsupp que me deixava cega demais para ver
que aquele idiota ia quase me atropelar.
Respirei fundo e tirei as
mãos do rosto, ela me sorriu fracamente, um sorriso triste e decepcionado e de
dó, tudo ao mesmo tempo. Era melhor eu ir embora, deitar na cama e dormir até o
dia terminar.
Estava decidido.
— Tudo bem, Ju. É melhor
eu ir embora, sabe, dormir um mês inteiro e quem sabe a sorte volta. – Ela
soltou um riso triste e me puxou em direção a ela, fazendo o meu corpo colidir
contra o dela enquanto ela me esmagava num abraço solidário e reconfortante.
— Foi só um dia de pé
direito, amanhã pise no chão com o pé certo quando acordar. – Eu ri e neguei
com a cabeça, ainda abraçada a ela, essa era a Ju, sempre tentando me animar.
Existem amigas que são a coisa mais linda do mundo né, essas são as que valem
muitíssimo a pena.
Ela me soltou e me olhou,
com cara de decepcionada e chateada ao mesmo tempo antes de dizer.
— E aquele filho da mãe
me enganou, eu juro que pensei que ele era um cara legal, que te esperaria e
devolveria o celular, poxa vida, eu gosto tanto dele e ele faz isso? Se queimou
comigo. – Eu ri, foi impossível não rir, e depois de todo aquele dia, meu bem,
eu só podia rir mesmo, era desgraça demais para uma pessoa só, né? Eu só podia
rir porque se fosse chorar iria alagar a Avenida Paulista inteira igual as
enchentes de São Paulo.
— Todo artista tem seu
lado negro, amiga, não se engane, nem mesmo ele é tão perfeitinho assim.
Ela não disse nada e deu
de ombros, mas eu sabia que ela estava decepcionada com o cara, fazer o que se
ele era um filho da puta, eu avisei, mas não ia dizer essas palavrinhas que
ninguém gostava de ouvir, né, além do mais, eu não estava em nenhuma vantagem
para dizer qualquer coisa a alguém naquele momento.
Seguimos em direção ao
subsolo onde o carro da Ju estava estacionado, ela ia me dar uma carona para eu
não correr o risco de o meu ônibus tombar, ou ser assaltado, ou eu ser
atropelada pelo trem na estação, ou qualquer coisa maluca que acontece quando a
gente já passou por outras mais malucas ainda, nunca se sabe, nesses casos, é
melhor mesmo prevenir. Eu só queria chegar na minha casa o quanto antes.
No caminho para minha
casa, ela ligou o rádio e fomos conversando, tentando esquecer todos aqueles
acontecimentos, como se fosse possível já que eles ficavam se repetindo na
minha memória sem parar, mas evitamos qualquer assunto que pudesse voltar
àquilo tudo.
— Ele me ligou e disse
que não ia dar para sair porque iria ter que trabalhar até mais tarde, é obvio que era mentira e que eu não
acreditei, me arrumei e fui para o Night sem ele e advinha quem eu encontrei lá
depois?
A Ju adorava tagarelar
quando estava nervosa ou quando alguém perto dela estava nervosa, era como uma
válvula de escape para ela, ou uma maneira de distraí-la ou distrair a pessoa,
agora eu não sabia se ela estava tentando me distrair, ou distrair ela mesma da
decepção com o cantor que ela adorava.
— E ele disse o que? – O
tempo estava meio fechado enquanto seguíamos pelas ruas movimentadas de São
Paulo, já eram quase quatro da tarde e o transito começava a ficar denso em
algumas avenidas, por isso, ela estava cortando caminho para evitar o
engarrafamento, e pelas nuvens cinzas que encobriam o céu agora, em pouco tempo
um aguaceiro cairia e a cidade inteira pararia; pensei que se eu tivesse ido
embora de ônibus e metro, era certo que pegaria uma tempestade no caminho e
chegaria encharcada em casa, com a sorte que eu estava, para não dizer o
contrário né.
— Disse que trabalhou sim
até tarde, e que tinha acabado de chegar no clube, e ele pensa mesmo que eu vou
acreditar nisso? Babaca! Eu já vou é partir para outro, você sabe como eu sou,
então, já era.
A Ju não gostava de levar
fora de ninguém, enquanto eu tinha uma lista longa, ou meio longa, de alguns
foras que eu já havia levado, como ficando com alguém e o cara arrumava uma
desculpa para terminar o que nem começava, sabe, ou até mesmo namoros curtos ou
meio longos onde só os caras terminavam comigo, já que eu nunca terminei com
ninguém na vida; ela jamais deixava isso acontecer com ela, qualquer sinal de
que o cara ia cair fora, ou qualquer mancada do cara, a menor que fosse, ela já
terminava num dia e no outro estava nas baladas da vida se agarrando com outro
cara, é claro que eu não gostava de levar fora, mas algumas vezes eu sabia que
ela exagerava, não precisava arrumar outro em seguida só para mostrar para o
anterior, tudo bem que alguns mereciam, mas ela pensava diferente, mesmo que eu
contestasse tudo isso, por isso, eu não disse nada, se ela achava que o cara
estava arrumando desculpas, e talvez estivesse mesmo, você não faz ideia de
como os homens são capazes de mentir e inventar desculpas e ainda nos fazerem
pensar no final que foi tudo coisa da nossa cabeça, então, ela que terminasse com
ele e arrumasse outro, um dia ela ia encontrar o cara certo, eu torcia para
isso, pelo menos ela parava de me ligar no meio da noite, bêbada, chorando pelo
anterior que ela terminou por pouca coisa, mas que gostava tanto e jurava que
dessa vez ia dar certo.
Mulheres.
Ela parou em frente ao
meu prédio e estacionou, eu olhei para o céu pelo vidro do carro e vi as nuvens
mais densas que nunca, algumas gotículas de chuva começavam a cair no vidro da
frente.
— Quer entrar e esperar a
enxurrada passar? – Era a coisa certa a se fazer, mas ela negou a cabeça
firmemente.
— Valeu, amiga, mas eu
tenho aula de Ioga as sete e meia e não posso perder mais uma de novo. – Eu ri
e peguei minha bolsa que tinha jogado no chão, abrindo a porta do carro, mas
sem sair ainda.
— Obrigado por tudo, Ju.
Estou te devendo essa.
— Não está não, você
tinha razão sobre o meu cantor preferido não ser um príncipe, então você ganha
essa. – Eu revirei os olhos e coloquei a bolsa no ombro.
— Sinto muito por isso,
quem sabe o Gustavo Lima seja melhor, se eu nunca for atropelada por ele, eu te
dou esse ponto. – Ela riu e mostrou a língua para mim. Abri mais a porta e sai
do carro, fechando-a em seguida e me inclinando na janela. – Cuidado para não
se afogar.
— Meu carro vira canoa. –
Ela disse e eu ri, dando um tchauzinho e depois seguindo até a portaria do
prédio. Nem conseguia acreditar que eu estava chegando em casa sã e sal...
FILHO DA PUTA.
Eu senti um jato d’água
batendo em minhas pernas e encharcando minha sapatilha enquanto um carro passava
em alta velocidade na rua, sobre uma poça, e jogando na calçada, ou em mim
propriamente dizendo, um litro de água.
Era melhor eu ir correndo
para dentro do meu apartamento antes que um raio caísse na minha cabeça.
Quando o elevador parou
no meu andar, e eu abri a porta do meu apartamento, fechando-a atrás de mim,
nem acredite.
Tirei as sapatilhas
encharcadas e as deixei na lavanderia, seguindo direto até o meu quarto e me
jogando na cama, aliviada por finalmente estar ali.
Eu nunca acreditei muito
em sorte, azar, destino, cina, mas estava começando a acreditar em azar, hoje
ele tinha finalmente se apresentado para mim, agora eu estava rezando para a
sorte também fazer isso, eu estava precisando desesperadamente dela.
Fiquei um tempo deitada
na cama olhando o teto rosa do meu quarto, (sim, ele era rosa, assim como o
quarto inteiro), vendo aquele dia inteiro passando em minha mente quando ouvi a
campainha tocando. Estranho, ninguém subia direto sem passar pela portaria
primeiro, a não ser que fosse o porteiro ou o sindico querendo falar comigo, ou
algum vizinho.
Me levantei, seguindo em
direção a sala descalça e abri a porta antes mesmo de espiar pelo olho mágico.
O porteiro estava parado
do lado de fora, sorridente, na verdade, ele estava mais sorridente do que o
normal.
— Olá, Srta. Mellisa! –
Eu franzi a testa e fiz uma careta de quem acha tudo muito estranho, antes de
responder.
— Oi Seu Pascoal. Tudo
bem?
— Bem, sim, Srta. Tem uma
encomenda para você. – Eu nem tinha percebido que ele estava segurando uma caixa
branca nas mãos.
— Ah, obrigado Seu Pascoal.
Você podia ter interfonado e eu pegava lá em baixo.
— Ele acabou de deixar e
pediu para trazer no seu apartamento, senhorita. Foi ele mesmo que deixou, ele
mesmo! – Franzi mais o cenho e fiquei olhando para ele sem entender uma única
palavra do que ele estava falando. Ele mesmo deixou. Quem deixou?
— Ele quem, Seu Pascoal?
Não estou entendendo. – Dei uma risadinha, sem graça, e ele escancarou o
sorriso, esticando a caixa a frente.
— O cantor, aquele
cantor. Ah, a minha filha vai ficar louca quando eu mostrar a foto para ela. –
Ele tirou um aparelho celular modesto do bolso e esticou a frente, me
permitindo ver uma foto numa tela minúscula.
Nela estava o Seu Pascoal
ao lado de...
Não, não era possível...
Luan Santana.
Eu confesso que estava
começando a ficar com dó daquela garota, sei lá, ela parecia meio louca,
confesso, o jeito que ela bateu no capô do meu carro, que me chamou de filhinho
de papai, parecia que ela nem sabia quem eu era, e depois no telefone, ela
parecia realmente desesperada pelo celular, por isso, quando eu vi ela
arregalar os olhos, e por um segundo talvez pensar em ir pegá-lo comigo e o
elevador se fechou, eu senti pena dela. O pior de tudo, nem era tudo aquilo,
era que eu ficaria ali esperando ela para entregar o celular sem problemas
algum, eu tinha certeza que ela iria voltar para pegar, depois, é claro, de me
chamar mais um pouquinho de filhinho de papai, mas a Joana já estava ali, no
meu cangote, me apavorando. Ela era pior que a minha mãe quando eu era
adolescente.
— Vamos logo, bonitão,
estamos atrasados, olha a hora, ainda temos a entrevista com as meninas.
— Eu preciso ficar,
preciso entregar para louca o...
— Não, não senhor, mandar
por correio, manda o Zézinho entregar o que quer que você tenha que entregar,
mas nós temos que ir agora. – Ela já tinha me arrastado para a porta do
elevador e estava apertando impacientemente o botão que chamava o elevador no
andar.
Eu me despedi dos caras
da rádio e de algumas pessoas que trabalhavam lá e fiquei ao lado dela pensando
que a louca iria querer me matar quando voltasse e não me encontrasse ali.
Eu era um homem morto.
Quase ri com esse
pensamento, mas me distrai com a Joana tagarelando ao meu lado.
— Eu sou capaz de comer
um boi inteiro.
— Coitado do boi, Jô, ele
vai ficar traumatizado. – Ela ergueu uma das sobrancelhas para mim, meio brava
e eu ri, enquanto entravamos no elevador.
— Traumatizado é você que
vai ficar se deixar uma gravida com fome. – Exageraaada. Eu ri, mas não disse o
que pensei ou ela arrancaria meu couro. Senti o celular vibrando no meu bolso,
mas não atendi, fiquei pensando que podia ser a louca e era melhor fingir que
eu não vi a ligação do que ouvir xingo porque sequestrei o celular dela.
Saímos na recepção da
rádio e fiquei olhando a volta enquanto sentia a Joana me puxando em direção a
saída para o estacionamento, estava procurando a louca, quem sabe ela estava
ali me esperando com um pedaço de pau na mão, vindo dela, eu não esperava nada
diferente, mas não a vi em lugar algum.
Descemos para o subsolo e
apertei o botão do alarme para identificar o carro, a Joana estava evitando
dirigir porque dizia que o cinto apertava a barriga, por isso, ela mandou o
Carlos, um dos nossos seguranças que a tinha levado até a rádio, nos seguir com
o outro carro enquanto ela ia comigo no meu.
Quando o carro apontou na
saída do estacionamento da rádio, freei com tudo, a frente estava lotada de
meninas loucas, ensandecidas, gritando e agitando pôsteres com meu rosto
estampado nele.
Congelei por um segundo,
então comecei a rir.
Minhas fãs eram mesmo
loucas, cara, incrível isso.
Comecei a acelerar aos
pouquinhos enquanto alguns seguranças e policiais que faziam a guarda da
Paulista tentavam manter elas distantes e fui subindo a rampa de saída,
esperava não atropelar, ou quase atropelar, mais ninguém naquele dia.
Quando alcançamos o topo
da rampa algumas meninas conseguiram escapar dos seguranças e começaram a bater
no vidro do carro, pensei em abaixar um pouco o vidro, mas antes que pudesse
apertar o botão na lateral da porta, levei um susto com o grito da Joana.
— NÃO. Tá louco? Elas te
puxam pela janela e te levam embora.
— Exageraaada. – Eu
disse, rindo, e ela fez cara feia para mim, o que me fez rir mais ainda.
Abaixei um pouquinho o
vidro, o suficiente para eu colocar um pedaço da mão para fora, a menina que
estava na minha janela agarrou minha mão enlouquecida e por um segundo eu
imaginei a cena que a Jô dissera, eu sendo puxado pela janela pelos braços e
arrastado para fora a força.
Era loucura, mas era bem
possível se bobeasse, eu não duvidava.
— Luan, Luan, por favor,
por favor. – Ela estava com a capinha do meu novo CD e DVD na mão, entregando
para mim, peguei a capinha e virei o rosto de lado, já vendo a Joana com uma
caneta na mão, rápida que só ela, autografei a capinha enquanto sentia o
barulhinho das fotos que a menina tirava da minha cara com o celular, então me
voltei para ela, sorrindo e entreguei a capinha, ela segurou minha mão,
beijando-a algumas vezes e agradeceu, entre lagrimas, eu sorri, acenei para as
outras que estavam sendo seguras, o que causou mais euforia nelas, e então
fechei a janela do carro e acelerei, saindo na Avenida Paulista e deixando as
meninas para trás, gritando enlouquecidas, eu só ouvia os gritos enquanto
sorria, indo embora e deixando elas para trás:
LUAN! LUAN! LUAN! LUAN!
Os gritos foram ficando
para trás à medida que nos afastávamos. A Jô ligou o rádio baixinho,
sintonizando na mesma que havíamos acabado de sair e estava tocando uma das
minhas músicas, mas eu não estava prestando muita atenção, estava pensando na
coitada da louca que devia estar lá, agora, parada no andar onde eu estava, me
procurando, querendo o celular de volta, eu estava cada vez mais ficando com
pena dela.
A Jô estava falando e eu
demorei um tempo para voltar a atenção para o carro e ouvir o que ela estava
falando.
— ... e depois vamos rapidinho para as
entrevistas, eu marquei as quatro e meia e olha a hora, já são três e quinze.
— Não dá para marcar isso
para outro dia? – Ela me olhou de lado e eu completei. – Esse negócio dessas
entrevistas nem são tão urgentes assim, Jô.
— Nem pensar, eu já
liguei para as meninas e marquei, é falta de educação marcar uma coisa e depois
que as pessoas já foram, desmarcar. Ainda mais se tratando do seu nome
envolvido.
Virei o rosto de lado,
desviando a atenção do transito por alguns segundos e encarei ela, com as
sobrancelhas erguidas.
— Você falou que era para
trabalhar para mim?
— Não, Luan, mas quando
elas chegarem lá, elas vão perceber, não é mesmo?
— Você marcou onde? - Ela
deu um suspiro, ela já tinha me respondido aquilo antes, mas honestamente, eu
não conseguia me lembrar direito naquele momento. — No estúdio?
— No escritório,
obviamente. – Luan Santana não era apenas o meu nome, mas era o nome de uma empresa
inteira que cuidava de tudo meu, tudo que envolvia meu nome e o que eu fazia, elaboração
de promoções, agendas de shows, agendas de entrevistas de rádio, TV,
propagandas de televisão que eu participava, eventos que eu ia, a marca por
trás do meu nome, vendas de CD’s, DVD’s, dos produtos da marca Luan Santana, do
site Luan Santana, estatísticas de vendas, de frequência que as músicas eram
pedidas, tocadas, premiações, bandas, músicos, compositores, empregados para
montagem e desmontagem de palco, som, local de show, ou seja, tudo que envolvia
o meu trabalho, que era muita coisa, e precisava de muitas pessoas para ajudar
nisso tudo ou nada andava, eu sozinho não fazia nada, na verdade, só cantava, e
isso não bastava, tinha que ter tudo aquilo por trás, e tudo isso ficava
concentrado num escritório em São Paulo, onde provavelmente a Joana, com a
ajuda da Ana Paula, gerente do Recursos humanos da minha “empresa” Luan
Santana, tinha escolhido os currículos, preparado questões e tudo que
envolvesse esse processo para contratar uma substituta para o tempo que a Jô
ficasse ausente, como era um cargo de bastante responsabilidade, afinal de
contas, sem a Joana, eu também não fazia nada, elas tinham que encontrar a
pessoa certa e bem qualificada. Honestamente, eu não sabia onde iriam me
encaixar naquilo, talvez para ver se a menina não pirasse quando me visse, fora
isso, eu não servia para nada, era a Jô que entendia mais tudo o que ela fazia,
e só ela poderia dizer quem servia para o cargo, não eu, mas não adiantava
discutir isso pela milésima vez, ela me queria junto, então lá vou eu perder algumas
horas de sono e descanso ouvindo meninas falando sei lá o que, sobre sei lá o
que a Joana e a Ana Paula iriam perguntar.
Enquanto seguíamos para o
restaurante, pluguei meu celular no carro e através do painel central liguei
para a Rebecca, ela trabalhava no meu escritório e era a pessoa certa para me
ajudar no que eu precisava fazer.
— Fala Luanzinho. – Ela
me chamava assim desde que me conhecera há uns oito anos atrás, foi uma das
primeiras pessoas a trabalhar comigo, junto com a Jô.
— Re, preciso de uma
ajuda sua. Rápido. – Eu vi o olhar da Joana em mim, ligeiramente inclinado, mas
não disse nada. O transito estava um pouco lento em direção ao restaurante, por
isso desacelerei e parei, esperando o farol lá na frente abrir.
— Diga.
— Preciso saber se através
de um número de telefone você consegue localizar o endereço dessa pessoa para
mim.
Não tinha nada que o
pessoal do escritório não conseguisse fazer, mesmo que fosse me mandar comida
as quatro da manhã no meu apartamento se eu estivesse com preguiça de eu mesmo
ligar e pedir uma pizza, até porque, a última vez que eu liguei a menina da
pizzaria reconheceu minha voz e começou a gritar do outro lado da linha e eu
tive que esperar meia hora só para conseguir pedir a pizza, ultimamente eu
usava um aplicativo no celular para pedir qualquer coisa de madrugada, mas
enfim, o pessoal era prático e eficiente e demorou só uns cinco minutos para
ela me retornar a ligação com um endereço.
Eu tinha um plano,
esperava que a louca me perdoasse depois disso.
Pelo menos eu ficava com
a consciência tranquila.
Fiquei parada encarando a
foto que o Pascoal mostrava para mim sem ter reação alguma, eu estava em
choque, congelada, tremula, era como se o Pascoal estivesse mostrando uma arma
para mim, não uma foto num celularzinho simples e modesto.
Como ele tinha encontrado
o meu endereço? Como ele tinha conseguido ir até ali e entregar o celular para
o porteiro, assim, sem mais nem menos? Como, Diabos, ele sabia quem eu era, meu
nome, onde eu morava? Como ele tinha descoberto isso tão rápido?
Sai do meio da enxurrada
de perguntas que invadiam minha mente e voltei a mim com a voz do Pascoal
ecoando nos meus ouvidos.
— Ele foi muito educado,
Srta, e disse que era para eu entregar na sua mão, só na sua mão, diretamente
para senhorita, por isso eu tô aqui.
— Ah sim, que gentileza a
dele. – Eu fui irônica, mas o Pascoal nem reparou, esticou na minha frente uma
caixa branca e grande, ela era bem maior que o meu celular e eu franzi a testa,
olhando para a caixa, agora completamente confusa. O que ele estava aprontando?
Ali não podia estar meu celular, era grande demais aquela caixa, ou ele estava
só zoando com a minha cara, ah com certeza era isso.
Agradeci ao Pascoal que
saiu todo sorridente, dizendo a si mesmo que a filha dele iria adorar quando
visse a foto, eu entrei no apartamento e fechei a porta atrás de mim, encarando
a caixa nas minhas mãos enquanto caminhava lentamente para a sala.
A caixa era maior que uma
caixa de sapatos, não, bem maior, devia ter uns cinquenta centímetros de
comprimento por trinta de largura, e era meio alta como uma caixa de sapatos.
Ali dentro podia caber uns três pares de sapatos sossegados.
Coloquei a caixa sobre a mesinha
de centro da sala e sentei no sofá de frente para ela, a encarando, meio com dúvida,
medo e curiosidade.
O que ele estava
aprontando?
Ali não podia estar meu
celular, ou só o meu celular, podia?
E se ele tivesse me zoando
e tivesse mandado outra coisa no lugar do celular?
Mas e se ele tivesse
mandado o celular e a caixa grande era só para me fazer de boba achando que era
algo mais?
Okay,
Mellisa, abre logo essa porra e descobre o que tem dentro, e chega dessa
ladainha!
Sentei na beirada do
sofá, apoiando o cocs mais do que a bunda e tentei achar alguma ponta naquele
papel branco para puxar, então comecei a rasgar o papel, parecia um papel de
presente, mas era todo branco, não tinha nada, apenas o meu nome escrito em
cima com uma letra meio garranjosa, mas bonitinha ao mesmo tempo, fiquei
pensando se era a letra dele ou de alguma assistente.
Terminei de rasgar o
papel e joguei no chão aos meus pés encarando a caixa, era uma caixa de papelão
simples, sem emblema de nada, apenas uma caixa de papelão, estava lacrada, por
isso me levantei e fui até a cozinha, abrindo a gaveta dos talheres e pegando
uma faca de corte e voltei a sala.
Agora o meu coração fazia
uma batucada barulhenta dentro do peito, a ansiedade e curiosidade maior do que
o medo, mesmo que ele tivesse mandado alguma coisa para zoar com a minha cara,
eu queria saber o que era, e as perguntas de como ele conseguira meu endereço
continuavam na minha cabeça sem parar.
E por que ele mesmo tinha
vindo trazer o celular nessa caixa enorme? Ele não podia ter mandado alguém me
entregar? Por correio, sedex, motoboy, qualquer coisa, mas por que ele mesmo,
se era só para me zoar?
Terminei de cortar a fita
adesiva, que fechava a caixa, com a faca e a coloquei sobre a mesinha,
encarando a caixa semiaberta, então respirei fundo, e terminei de abrir a
caixa, encarando o conteúdo de cima.
O meu celular estava lá,
solto dentro da caixa, ao lado dele havia um buque de flores brancas e embaixo
delas, um cartãozinho.
Fiquei mais uma
eternidade encarando a caixa, as flores e o bilhete me chamaram mais a atenção
do que o celular, o meu precioso celular, pensei que pegaria ele primeiro, mas
não, minhas mãos me traíram e foram direto para o bilhete, puxando-o de debaixo
das flores e encarando ele por mais uma eternidade.
Mellisa
Como
um pedido de desculpas pelo quase atropelamento, e tudo que esse incidente
possa ter acarretado depois, estou te enviando essas flores (brancas, num
pedido de paz) e o seu celular.
Não
pude esperar você ir pegá-lo de volta, por isso resolvi deixar na sua casa.
Espero
que me perdoe. Não foi minha intenção prejudica-la.
Me
desculpe pela má impressão.
Um
Beijo
Luan
Santana.
Para você: ‘filhinho de papai’... né Louca rsrs
Brincadeirinha...
não bata de novo no capô do meu carro por isso... kkkk
Ps.
Acho que você arranhou ele... você vai pagar?
Um jantar juntos e está perdoada rsrsrs
Um jantar juntos e está perdoada rsrsrs
Fiquei encarando o cartãozinho,
estática, por mais uma hora inteira.
Ah que lindo, flores!
Foi o meu primeiro
pensamento; o segundo foi: Mas que filho da puta convencido, idiota e atrevido!
Só porque ele é o Luan Santana, ele acha que eu vou jantar com ele?
Bufei, irritada, e joguei
o cartão de volta na caixa, pegando o meu celular.
Atrás dele tinha um
post-it amarelo colado, escrito: Linda
foto!
Virei o celular e apertei
a tela, vendo a minha foto lá, sorrindo para mim mesma.
Bufei novamente e puxei o
post-it, amassando-o e o jogando com raiva dentro da caixa.
Tinha sido um gesto muito
bacana dele enviar o celular, as flores e o pedido de desculpas, mas aquela última
frase, ah não, aquilo tinha sido atrevimento demais.
Era obvio que ele estava
brincando, mas aquilo tinha me deixado possessa de raiva.
Que idiota.
É mesmo um filhinho de
papai rico, metido, idiota e que se acha. Também com todas aquelas meninas idiotas
gritando o nome dele, ele deve pensar que pode ter a mulher que ele quiser na
mão.
Deixei a caixa do jeito
que estava sobre a mesinha de centro da sala, sem tirar as flores de lá, nem
nada, e segui para o quarto, agora com meu celular seguro em minhas mãos,
destravando-o e verificando se ele continuava inteiro, intacto, sem nada
diferente ou modificado, se ele tinha conseguido meu endereço, era bem capaz de
descobrir a senha que destravava meu aparelho.
Me joguei novamente na
cama e fiquei olhando o teto, o coração martelando na veia do meu pescoço de
raiva enquanto eu tentava me acalmar.
Como ele tinha conseguido
meu endereço? Ah, ele devia ter uma equipe ou coisa assim, né, pessoas que
trabalhavam para ele que devem ter um jeito de descobrir as coisas, só podia
ser isso. Dai ele descobriu meu nome e meu endereço... Mas peraí, como ele iria
descobrir meu endereço ou meu nome, se ele não sabia nada sobre mim, se eu nem
sequer tinha dito meu nome para ele? Será que ele conseguia isso tudo só com
meu celular?
Eu precisava perguntar
para a Julia sobre isso, ela devia saber de algo, mas se eu contasse para ela
que o babaca me mandou o celular de volta, com flores e um bilhete de desculpas
que incluía um pedido zombeteiro de jantar, ela iria pirar.
Era melhor eu não contar
nada para ela, não hoje pelo menos.
Resolvi tomar um banho e
relaxar um pouco, aquele dia tinha sido uó, longo demais e ainda estava longe
de terminar, eu só queria agora um banho quente e demorado, depois uma bela
pizza e passar a noite toda enrolada nas cobertas assistindo um filme ou uma
das minhas séries favoritas.
Tirei a roupa e joguei
sobre a cama, ficando de calcinha e sutiã e segui até o banheiro quando ouvi
meu celular tocando enlouquecidamente.
Parei na porta do
banheiro e me virei, encarando o celular sobre a cama, sentindo o coração
batendo forte no peito.
Será que era ele?
Voltei correndo até a
cama, pegando o celular e encarando a tela onde um número desconhecido aparecia
e o celular continuava vibrando e o som do toque aumentando cada vez mais.
Deslizei o dedo pela tela
e atendi.
— Alo? – Meu coração
batia forte e rápido no peito imaginando a voz dele do outro lado, zombeteiro,
perguntando sobre o jantar.
Se fosse ele, eu o
mandaria para o inferno.
— Por favor, Mellissa
Surya?
— Sim, é ela.
Não era ele.
— Gostaria de saber se
você tem disponibilidade para uma entrevista amanhã...
Sem saber porque, me
senti murchando... Era só uma entrevista de emprego.
Aquela coisa de
entrevistas foi um saco.
Uma ou duas meninas deram
gritinhos quando me viram e depois começaram a chorar e foram descartadas
automaticamente da seleção, outras duas ficaram tremulas e mal conseguiram
responder as perguntas da Joana e da Ana Paula, e eu conclui que também foram descartadas,
uma das meninas não gritou, nem tremeu, mas ficou tentando tirar uma foto minha
enquanto respondia às perguntas e isso deixou a Jô irritada, mas as outras duas
últimas, depois de ver as outras fazendo tudo errado, ou não ligaram muito de
eu ser quem eu sou ou fingiram muito bem, eu até gostei delas, mas a Jô disse
que duas só era muito pouco para a seleção, por isso ela chamaria outras no
outro dia, e eu perderia mais algumas horas novamente naquela coisa chata.
Eu tinha razão, ela só
estava me usando para ver se as meninas iriam pirar quando me vissem.
Voltei para casa, a Dona
Maria ainda estava lá, tinha acabado de fazer o jantar apesar de não ser nem
seis horas da tarde, mas ela tentava me manter comendo bem quando não estava
viajando para shows, por isso, sempre fazia almoço ou jantar para mim, e
confesso, a comida dela era divina, não tinha como rejeitar.
Tomei um banho demorado,
coloquei uma calça de moletom e uma camisa regata branca, dei uma secada rápida
nos cabelos molhados e segui em direção a cozinha, aquele cheiro estava me
matando.
— Não me diga que isso é
bife à parmegiana? – A Dona Maria abriu um sorriso largo quando adentrei a
cozinha, uma travessa de bife com queijo e molho borbulhando por cima estava
sobre o balcão da cozinha e eu parei em frente a ele inalando aquele cheiro
maravilhoso. – Assim a Senhora me mata, dona Maria.
— Você precisa comer bem,
filho. – Ela sempre me chamava de filho, mas era porque ela tinha quase a idade
de ser minha avó, ela já tinha netos e netas, aliás, eu vivia dando coisas
minhas para as netas dela que tinham treze ou quatorze anos, e eram minhas fãs,
CDs, DVDs, revistas que me mandavam quando eu dava entrevistas, inclusive
algumas entradas para shows quando eram na Capital. Era o mínimo que eu podia fazer
pela Dona Maria, ela cuidava de mim como uma mãe, e eu tinha muitas mães
cuidando de mim, isso era um fato.
Peguei um prato e me
servi com um pouco de arroz branco e um pedaço enorme daquele bife com o queijo
derretendo em cima, só de olhar para aquilo já dava agua na boca, ela me serviu
um copo de Coca Cola e eu me sentei na sala, colocando o copo sobre a mesinha
de centro, ligando a televisão e sintonizando num canal de séries e saboreando
o meu jantar as sete horas da noite.
Dona Maria se despediu de
mim e foi para casa, ela sempre ficava mais do que devia quando eu estava por
ali, mas de quinta até domingo ela sempre tirava os dias de folga, eu achava
bobeira ela ficar trabalhando quando eu nem estava lá para fazer sujeira e não
tinha nada mais para ela fazer.
Depois do jantar comi um
pedaço enorme de pudim que a dona Maria tinha feito e deixado na geladeira e
perdi mais umas três horas assistindo uma sequência de episódios de uma série
americana que eu adorava.
Quando terminei os
episódios resolvi pegar o violão e ir para sacada tentar compor alguma coisa,
estava sem sono e cansado de ficar deitado no sofá, me espreguicei, me
esticando inteiro, as costas estalando e fui até o quarto, pegando o violão e
seguindo para a sacada.
A noite estava bonita, as
estrelas brilhavam no céu escuro da noite e lá embaixo as luzes de São Paulo
deixavam a vista ainda mais linda, eu adorava aquele lugar, era minha parte
favorita no apartamento; me sentei numa cadeira de descanso almofadada e
ajeitei o violão no colo, dando alguns acordes, então comecei a tocar alguma
coisa lenta, calma, enquanto meus olhos se perdiam nas luzes da cidade que
iluminavam a noite e meus pensamentos se perdiam em pensamentos, e por um
tempo, fiquei pensando na louca do celular. Será que ela gostara das flores?
Será que ficara feliz de ter o celular de volta? Será que dessa vez tinha
amansado um pouco? Será que ficou brava com a brincadeirinha do bilhete? Qual
é, ela não tinha motivo para ficar brava, eu mandei o celular de volta e um
buque de flores brancas num pedido de paz, o que mais ela queria?
Lembrei dela me olhando,
assustada de dentro do elevador, num misto de surpresa, raiva e susto, e me
peguei lembrando os pequenos detalhes nela que eu não tinha reparado antes, ela
era linda, mas extremamente irritante, nervosa e louca. Diante desses
pensamentos eu ri e voltei minha atenção ao violão, era melhor me concentrar e
ver se saia alguma coisa bacana dali, quem sabe uma música falando sobre uma
louca que me achava um filhinho de papai?
Depois do banho de quase
meia hora, sai me sentindo outra, renovada, com a alma leve, o corpo quase
derretendo de tanto tempo que fiquei embaixo do chuveiro quente e sentindo que
a sorte tinha voltado para o meu lado, seja bem-vinda e não saia daqui nunca mais,
obrigado.
Pensei em pedir uma
pizza, mas ia demorar demais e eu estava faminta, por isso, fui direto para a cozinha
e resolvi fazer uma macarronada com carne moída, rápido e gostoso.
Enquanto cozinhava o
macarrão, decidi colocar uma musiquinha no celular para tocar e me animar,
aquele dia tinha sido pesado demais, eu precisava de um pouco de distração para
minha alma enegrecida por toda aquela onda de azar que tinha batido em mim como
um Iceberg.
Refoguei a carne moída
com um pouco de tempero, depois acrescentei o molho e deixei fervendo um pouco
até engrossar, depois despejei o macarrão já cozinho dentro do molho e misturei
tudo.
Hummm! Que delícia!
Me servi, colocando
bastante macarrão no prato, peguei um copo de Coca Cola e segui para a sala,
quando cheguei lá, parei de repente, me deparando com a caixa do Luan.
Ainda estava sobre a
mesinha de centro, aberta, com as flores lá dentro.
Coloquei meu prato e o
copo ao lado da caixa e encarei-a novamente, vendo as flores, lindas, brancas,
cheirosas, se eu as deixasse ali mais algumas horas iriam murchar e morrer, e
mesmo sendo daquele babaca, era uma dó deixar as flores murchar.
Peguei elas e levei ao
nariz sentindo o cheiro gostoso, eu não entendia nada de flores por isso não
fazia ideia de quais eram, mas segui até a cozinha e peguei um jarro, que eu usava
como enfeite, no balcão da cozinha e o enchi de agua até a metade, então
coloquei as flores lá dentro.
Quem sabe no outro dia eu
arrumasse um vazinho de terra e as plantasse, será que elas cresceriam em vez
de morrer?
Odeio o cheiro de flores
mortas.
Deixei o vazo com as
flores no balcão da cozinha e voltei a sala, liguei a TV, sintonizei em um
filme de romance legal que estava passando, peguei meu prato de macarronada e
sentei no sofá, apoiando os pés sobre ele e fui saborear a minha especialidade.
Acabei assistindo o filme
inteiro, mesmo depois que terminei de jantar. Depois do filme lavei a louça e
voltei a sala vendo o celular apitando sobre a mesinha de centro.
Não tive coragem de
contar a Julia que o idiota me mandou flores, mas não tinha como negar que eu
estava com o celular de volta quando ela me mandou um Whatsupp e eu respondi,
ela me ligou trinta segundos depois, toda enlouquecida.
—
Você encontrou ele? – Ela nem disse oi, nem nada, só queria saber
do idiota pelo jeito.
— Não, não encontrei ele. – Eu disse com a voz
entediada. Um “Ai amiga, você conseguiu o celular de volta, que legal, estou
tão feliz por você.” Ia muito bem, sabia?
—
Mas você está falando comigo pelo Whatsupp.
— É, eu estou.
—
Então... como você encontrou o celular?
— Ele devolveu.
—
Então você encontrou com ele!
— Não, Julia, eu não
encontrei com ele, ele só me devolveu.
—
Devolveu como? – Agora vinha a parte mais difícil.
— Ele entregou no meu
prédio.
—
No seu prédio? Ai, Meu Deus, ele mesmo levou aí? Você viu ele? Viu só, era ou
não era o Luan Santana?
Revirei os olhos, mesmo
que ela não pudesse me ver.
— Respondendo as suas
perguntas em ordem cronológica. – Eu comecei e ela suspirou, eu sempre fazia
isso quando ela me enchia de perguntas. Dei uma risadinha e continuei. – Sim,
no meu prédio; sim, ele mesmo trouxe; não, eu não vi ele; e não, eu não vi que
ele era mesmo o Luan Santana.
—
Agora eu estou confusa, se você não viu ele, como sabe que foi ele mesmo que
deixou no seu prédio?
— Porque o Seu Pascoal
tirou uma foto com ele. – Ouvi a risada da Julia ecoando do outro lado,
histérica, parecendo uma hiena.
—
Então você viu sim que era o Luan Santana, o seu Pascoal não ia tirar uma foto
com um zé ruela qualquer.
Que seja. Tanto faz.
Mas eu respondi outra
coisa.
— Ele me mandou um cartão.
—
Um cartão?
— Tipo um bilhete. Junto
com o celular.
—
Ai meu Deus, tira uma foto e me manda. Agora!
— Agora não dá, né Ju, eu
tô falando com você no telefone.
—
Eu desligo e você me manda.
Revirei os olhos pela
segunda vez e suspirei.
TU TU TU...
Ela desligou MESMO, que
vaca!
Eu tinha colocado a caixa
na cozinha e deixado o bilhete do lado do vazo, por isso, fui até o balcão e
tirei uma foto do bilhete, enviando para ela.
Em seguida, por uma
burrice IMENSA, acabei não resistindo e tirando uma foto das flores, afinal de
contas, no bilhete falava das flores.
Eu sabia que iria me
arrepender daquilo.
Ela ligou trinta segundos
depois que viu as fotos.
—
AI MEU DEUS, ELE TE MANDOU FLORES! – Afastei o celular do
ouvido e ainda ouvia a voz dela ecoando do outro lado, mais histérica ainda.
— Dentro de uma caixa,
com o celular e o bilhete.
—
AI MEU DEUS, NÃO ACREDITO!
— Julia, você vai me
deixar surda.
—
Desculpa. – Ela riu, parecia que era ela que tinha ganhado as
flores. – Bom, agora você não pode dizer
que ele é um idiota babaca, viu só.
— Mas ele É um idiota babaca. Você leu o que ele
escreveu no final do bilhete?
—
Você vai, não vai?
Bufei. Ela só podia estar
ficando louca.
— Eu não vou jantar com
ele, tá louca?
—
Quem tá louca é você, Mellisa, o Luan Santana te convidou para jantar e você
não vai? Perdeu o juízo?
— Em primeiro lugar, ele
não me convidou, ele disse que um
jantar pagaria os danos do carro, em segundo lugar, eu não tenho que pagar nada
para ele, ele me atropelou, qualquer
arranhado naquela merda do carro dele é culpa dele, não minha. E em terceiro lugar, não, eu não estou louca e não
perdi o juízo, e se ele me convidasse, eu não iria mesmo. Ju, ele acabou com a
minha vida hoje, não vou perdoar ele só porque ele devolveu o que era meu,
junto com umas florzinhas idiotas.
Ela estava rindo do outro
lado da linha enquanto eu soltava através de palavras a raiva que borbulhava
nas minhas veias.
Não sei quem era mais
idiota.
—
Mellisa, você é mesmo inacreditável, amiga! Olha, passa o meu endereço para ele
e diz que eu aceito umas florzinhas idiotas e um jantar com ele.
— Com todo prazer. – Ela
soltou uma gargalhada.
—
Agora seja sincera e me diz... Você
gostou das flores, não gostou? – Bufei e ouvi a risada
dela ecoando do outro lado.
— Idiota! A gente se fala
amanhã. – Ela ainda estava rindo quando eu desliguei. Ela adorava me tirar do
sério, mas eu sabia que era só brincadeira, ela só estava tentando me fazer rir
e esquecer a raiva um pouco.
Olhei para as flores e
suspirei. O perfume delas ainda estava forte, e apesar de tudo, eram tão lindas!
Que droga, Mellissa, não
vai ficar se derretendo por umas florzinhas idiotas, ele ainda é um babaca
idiota que acabou com o seu dia.
Virei as costas para as
flores e segui em direção ao quarto. Era melhor ler um pouco e dormir, eu só
queria que aquele dia acabasse o quanto antes.
O outro dia tinha que ser
melhor.
Era terça-feira, e graças
a Deus, eu só tinha uma entrevista e uma sessão de fotos para uma revista e
depois as benditas entrevistas à tarde, mas isso ia ser rápido e depois eu
estava dispensado para poder relaxar e descansar, quinta-feira começavam os
shows novamente e era preciso todo descanso necessário para aguentar o pique e
correria de um show atrás do outro até domingo.
Acordei por volta das
nove da manhã, mesmo tendo ido dormir pouco mais da uma, consegui acordar,
tomar um banho e me arrumar. Quando desci para o café da manhã, a Jô já estava
na cozinha, comendo bolo e tomando café enquanto conversava com a Dona Maria.
— Bom dia, Ladies.
Me sentei à mesa e me
servi com um pouco de leite gelado, eu adorava tomar achocolatado com leite
gelado, por isso coloquei generosas colheres de achocolatado enquanto a dona
Maria já fatiava alguns pedaços de bolo e coloca num pratinho para mim.
— Ah, finalmente o dorminhoco
acordou. – Sorri e mandei um beijo para a Jô, virando um golinho do
achocolatado.
— Compus uma música ontem
à noite, se isso te deixa mais feliz. – Ela fez uma careta e negou com a cabeça
de leve.
— Você precisa aprender a
dormir mais cedo quando está de folga. – Isso era praticamente impossível.
— Quando eu estiver
aposentado, quem sabe. – Ela negou com a cabeça, mas não disse nada sobre isso
mais. Peguei um pedaço de bolo e dei uma mordida, saboreando-o, era um bolo
caseiro feito pela dona Maria, ela era uma cozinheira de mão cheia.
— Tivemos algumas
mudanças na agenda.
— Não brinca. – O bolo
estava uma delícia e eu dei quase duas mordidas ao mesmo tempo enquanto via a
Jô olhando o celular, com certeza, consultando o aplicativo onde ela marcava todos
os meus compromissos cronometrando todos os meus passos vinte e quatro horas
por dia, sete dias da semana.
— Temos, entrevista as
10, sessão de foto as 10 e meia, com previsão para terminar as 11 e meia, no
máximo. Almoçamos meio dia, a uma da tarde tem outra entrevista...
— Jô... – Eu disse, em tom de advertência, ela sabia que eu não
curtia muita coisa para fazer uma em cima da outra, porque se uma atrasasse,
todas as outras atrasavam. Ela não me deu bola e continuou.
— Vai ser rápida, para a
Capricho, já combinamos que vai ser no escritório mesmo, não vai ter sessão de
fotos, é só para falar um pouquinho da nova turnê e do seu novo Status de
relacionamento.
— Que status de
relacionamento? – Eu respondia, pelo menos, umas dez vezes por dia essa pergunta:
Se eu estava solteiro ou não. Todo mundo sempre sabia a resposta, porque eu
tinha que continuar respondendo ela?
— Aquele que você colocou
no seu facebook. – Ela brincou e eu revirei os olhos, ela sabia muito bem que
eu não atualizava nada no facebook, apenas fazia algumas postagens no
Instagram, compartilhando ao facebook, qualquer outra atualização era feito ou
por ela, ou pelo pessoal no escritório. – As três temos a entrevista, com
previsão para término as quatro. Depois disso...
— Eu estou livre, né? –
Ela ergueu os olhos do celular e me encarou. Que ela não diga que eu tenho mais
compromissos, por favor! – Néee? – Eu
insisti e ela assentiu com a cabeça, finalmente, vencida, me fazendo suspirar,
aliviado.
— Está livre, mas temos
que dar um jeito nesse cabelo, Luan. – Eu gargalhei e neguei com a cabeça. – E
nessa barba, já tá na hora de você tirar essa barba, pelo amor de Deus, ninguém
aguenta mais.
— As fãs adoram minha
barba e adoram meu cabelo assim, então vai ficar assim. – Eu gostava do cabelo daquele jeito e eu
queria continuar com a barba por mais tempo, mas se eu dissesse isso nessas
palavras, ela me arrastaria para o barbeiro, a única maneira de convence-la,
era dizer que as fãs gostavam daquele jeito, por isso, ela não disse nada e
negou com a cabeça de leve.
— Vamos logo com isso
então, ou vamos nos atrasar.
Terminei o café da manhã
às pressas depois dessa e seguimos em direção a editora onde faríamos a
entrevista e a sessão de fotos. O transito em São Paulo estava tranquilo e
chegamos na editora no tempo certinho, conforme o cronometro da Jô.
Dei uma entrevista mais
longa do que esperava, falando sobre a nova turnê, o novo CD, o novo DVD, e
claro, meu novo status de relacionamento. Não tinha como escapar dessa merda de
pergunta.
Mas teve algumas
perguntas a mais que eu curti, como por exemplo, o que eu fazia nos meus dias
de folga, o que eu gostava de assistir na TV, se eu tinha vontade de alguma
coisa que não podia, ah claro, passear no shopping, no Ibirapuera, na rua, no
supermercado, e a lista é grandinha.
Depois teve a sessão de
fotos, primeiro a maquiagem, o cabelereiro da editora arrumou meu cabelo, me
troquei de roupa e fui para a sessão de fotos.
Poses.
Poses.
Poses.
Mais poses.
Mais outra pose.
Só mais uma pose.
Agora uma sorrindo.
Com cara de galã de
novela.
Agora sério.
De ladinho.
Pose de fortão.
Chega né.
Só mais uma, Luan.
Sorrindo.
E pronto.
Eu já estava cansado de
tantas poses.
Depois da sessão de
fotos, me troquei e fomos almoçar, à tarde passou mais rápida do que eu
imaginava que passaria. Almoçamos num restaurante próximo ao escritório, e
depois da entrevista à revista Capricho, lá mesmo no escritório, fiquei
esperando as meninas para a entrevista da Jô e aproveitando para ver como
andavam as coisas.
— Lu, vem ver só como
ficou. – A Andressa, do Marketing, me arrastou para a salinha deles para me
mostrar um vídeo.
O pessoal de Marketing
estava criando um novo vídeo promocional para a nova turnê, iriamos mudar
várias coisas na nova turnê, que era ainda do mesmo CD/DVD que lancei tinha um
tempinho já, para mim nem era novo mais, e eles queriam atrais mais gente para
os shows, e um novo vídeo no Youtube ajudaria bastante; enquanto assistia eu fiquei
pensando quantas pessoas mais eles queriam que fossem nos meus shows uma vez
que todos eram sempre esgotados, mas não comentei isso, deixa eles trabalharem
do jeito que acham melhor, trazendo bons resultados é o que importa.
— Caramba! Vamos precisar
de dez campos de futebol para o próximo show depois desse vídeo. – Eu disse
brincando, o que causou risos em todo mundo.
Finalmente chegou o
momento das entrevistas chatas, e a Jô foi me puxar pelas orelhas para assistir
ao lado dela e da Ana Paula; eu só queria que aquilo acabasse logo para eu
poder ficar livre, na verdade, eu não estaria totalmente livre, tinha combinado
com uns amigos de irem no meu apartamento para jogarmos vídeo game, conversar e
tomar umas cervejinhas. Só relaxar um pouco.
A sala de reunião era
grande e tinha duas janelas de vidro que davam bastante claridade para a sala,
nós sentamos do lado da TV que ficava na parede usada só para reuniões, e
deixamos três cadeiras a frente, vazias, para as meninas irem sentando, mas
sempre entrevistavam uma de cada vez.
A primeira mocinha não
gritou, mas deu uma ofegada quando me olhou direito, eu sorri e ela sentou,
meio tremula, na cadeira a nossa frente e a Joana e a Ana Paula começaram a
imensa sessão de perguntas, além das obvias que eram as que estavam no
currículo da moça, que tinha que repetir novamente tudo que elas já estavam
lendo. Eu não dizia nada, praticamente, mas as vezes eu perguntava alguma coisa
quando achava interessante perguntar, mas o principal deixava para as duas.
A mocinha até que se saiu
bem, apesar de parecer meio nervosa, mas ela disse que sempre ficava nervosa em
entrevistas e deixou claro que não teria problemas em trabalhar comigo, quando
a Joana perguntou se ela era minha fã a moça sorriu e respondeu:
— É claro que eu conheço
as músicas dele. – E olhou para mim, sorrindo. – Quem não conhece, não é mesmo,
e sou fã, é claro, mas sou bastante profissional e saberei separar muito bem as
coisas.
Eu não sei o que a Joana
pensou disso, mas eu gostei da resposta dela.
Quando a mocinha saiu, me
virei para a Joana.
— Ela foi bem. – A cara
dela não me dizia isso, por isso emendei. – Em vista das outras, essa pelo
menos não gritou, nem desmaiou, ou tentou me agarrar. – Eu ri, estava brincando
nessa última parte e ela sabia disso, por isso ela sorriu e negou com a cabeça,
revirando os olhos.
— Eu não tomo decisões
até acabar todas entrevistas, você nunca sabe, pode ser que a última pessoa a
ser entrevistada te surpreenda totalmente.
Ótima resposta, era por
isso que ela era minha assistente pessoal, assessora e muito mais, era por isso
que eu confiava nela totalmente para qualquer coisa que ela fosse fazer se
tratando de mim e da minha carreira.
— Você é mesmo demais,
sabia? – Ela me olhou desconfiada, e eu soltei uma risada alta.
— Nem adianta me bajular,
amanhã você não está de folga.
— Droga. – Eu disse,
brincando, e ri em seguida, ela não disse nada e ficou anotando alguma coisa na
ficha da menina que tinha saído.
Quando eu ia abrir a boca
para perguntar o que ela estava anotando sobre a menina, a porta se abriu.
A Ana Paula estava segurando
a porta para a moça entrar, eu já fiquei meio sério esperando um gritinho de
reconhecimento, uma ofegada, um “Ai meu Deus”, ou qualquer coisa do gênero, mas
não ouvi nada.
A nova candidata era
loira, os cabelos eram lisos, grandes e escorridos do lado do rosto branco que
eu não consegui ver direito, estava usando um vestido preto, formal, mas que eu
achei bem justinho e a deixava bem magra, usava salto alto e uma bolsa preta
pendurada no ombro.
Parecia muito gata e eu
desviei o rosto para o lado, para a Joana não me pegar olhando as curvas da
menina e já desclassifica-la só por isso, o que era bem a cara da Joana fazer
isso.
Ela não olhou muito bem
para mim ou para a Joana quando entrou, esperou a Ana Paula indicar onde ela
deveria se sentar e puxou a cadeira do meio, bem de frente para a Jô, então
ergueu o rosto e a olhou.
Quando os olhos dela se
encontraram com os da Jô eu juro que vi um reconhecimento, mas quando ela virou
o rosto e me encarou, eu gelei por dentro.
Fiquei um tempão olhando
para a menina para ter certeza do que eu estava vendo.
Não era possível.
O rosto dela ficou
pálido, e ela pareceu ficar congelada onde estava.
Eu fiquei encarando-a sem
conseguir dizer uma palavra, mas eu tinha certeza:
Era ela.
Acordei cedo com medo de
perder a hora, tudo bem que a entrevistas estava agendada para as três da
tarde, mas depois de ontem, eu não iria arriscar, eu ia chegar lá a uma e ficar
sentadinha (com a calça inteira) até o horário da entrevista para garantir que
nada desse errado.
Tomei café e dei uma
ajeitada na casa antes de voltar para o quarto e decidir que roupa eu iria
colocar. Confesso que estava com medo de colocar calça novamente, eu tinha
outras calças sociais, mas depois de ter ficado com a bunda de fora, estava com
medo de colocar outra calça e ela rasgar quando eu fosse sentar, ou qualquer
coisa assim, por isso, decidi colocar um vestido social preto, meio justo que
ia até um pouco acima do joelho, por garantia, coloquei um shortinho cor de
pele por baixo e por mais garantia ainda coloquei na bolsa um outro vestido,
dessa vez eu iria bem prevenida.
Tomei um banho por volta
das onze e me arrumei, sequei os cabelos com secador, fiz chapinha, depois
caprichei na maquiagem, meio nude e ao mesmo tempo visível, nada muito
exagerado, me vesti e dei uma olhada no espelho. Estava perfeita.
Era meio dia e pouquinho,
para não passar fome, comi um pouquinho do macarrão que sobrara do dia anterior
e tomei um pouco de Coca, depois escovei os dentes, ajeitei minha bolsa com
tudo que podia ser útil, o estojo de maquiagem reserva, desodorante, perfume, o
sapato de salto enquanto eu estava de sapatilha, o vestido extra, a carteira e
o book curricular, então segui em direção a minha nova oportunidade, dessa vez,
rezando para nada dar errado.
O local da entrevista,
pelo que a moça me falou, ficava mais para o começo da Avenida Paulista, por
isso desci na estação Paulista, ainda na linha amarela e segui a pé pela
calçada larga da Avenida de olho na numeração e o tempo todo passando a mão no
bumbum para me certificar que não estava com nada de fora, estava meio
traumatizada, confesso.
Cheguei em frente ao
prédio ainda faltava meia hora para a entrevista, para não parecer desesperada
demais, me sentei numa lanchonete ao lado e tomei um suco, esperando o tempo passar.
O dia em São Paulo estava
ensolarado e meio seco, eu estava começando a soar dentro daquele vestidinho
preto, por isso, faltando pouco mais de quinze minutos para o horário, resolvi
entrar no prédio.
Fui recebida, como
sempre, por uma recepcionista que pediu meu documento e me cadastrou no sistema
dela, depois disso, ela me instruiu a subir até o decimo quinto andar. Segui
até o elevador e dei uma checada no espelho para verificar o cabelo e a
maquiagem, eu já tinha colocado o sapato de salto na estação e parecia tudo em
ordem.
O elevador abriu as
portas no décimo quinto andar e eu sai, dando de cara com outra recepcionista
que me sorriu, simpática.
A recepção era grande e
chique, havia um sofá de couro e um quadro de algum pintor famoso na parede.
— Você veio para a
entrevista, certo? – Assenti com a cabeça, fazendo menção de abrir minha bolsa
e pegar o book, mas ela me fez um gesto com a mão. – Pode esperar ali, por
favor, eles chamaram o seu nome.
Agradeci e me sentei no
sofá de couro, eu não sabia exatamente para o que era a vaga, na verdade,
estava tão tremula ainda por tudo o que acontecera ontem e pelo bilhete do
idiota que nem prestei muita atenção no que a mulher dissera na ligação, mas
sabia que era assistente de alguma coisa, eu esperava que dessa vez eu
estivesse para a vaga certa.
Fiquei uns dez minutos
esperando quando uma mulher apareceu ao lado de uma moça, agradecendo a
presença dela e dizendo que entrariam em contato, fiquei pensando se era uma
concorrente minha àquela vaga, mas não tinha como saber, eu fingi que não
estava prestando atenção a nada, peguei meu celular e dei uma olhadinha nele, a
mulher parou na recepção para falar com a mocinha e então voltou-se a mim.
— Srta. Mellisa Elliot? –
Sorri, simpática à moça e me levantei.
— Isso. – Ela esticou a
mão e eu a apertei com delicadeza, cumprimentando-a.
— Prazer, Ana. Vamos lá?
– Eu assenti e a segui, ela passou por uma porta de vidro e eu me vi num imenso
hall, do lado esquerdo eu vi uma área de vidro, fechada com várias pessoas lá
dentro em suas mesas trabalhando, na porta havia uma placa escrito MARKETING,
seguimos em linha reta, dos dois lados haviam salas como aquela que eu havia
reparado, cada uma variava de tamanho e tinha um nome diferente na porta, eu
reparei que em uma das salas havia um quadro enorme meio branco e amarronzado
de um homem, mas não consegui reparar direito quem era, seguimos até acabarem
as salas de vidro e darmos numa área aberta, grande o suficiente para caber o
meu apartamento lá dentro, do lado esquerdo eu pude ver alguns sofás pequenos,
em couro branco, uma mesinha com potes de biscoitos, havia duas letras pratas,
grandes, grudadas na parede, “LS”, fiquei me perguntando se era o nome da
empresa, que eu não lembrava se a moça tinha me dito ou não, havia também uma
máquina portátil de café expresso daquelas que também faziam cappuccino e
chocolate, pelo jeito o chocolate quente era livre.
A moça virou à direita e
eu me vi em um corredor longo e pequeno, andamos mais um pouquinho e ela parou
em frente uma porta grande de mogno do lado esquerdo, eu parei atrás dela e ela
se virou para mim sorrindo, então abriu a porta e a deixou aberta.
— Pode entrar, por favor.
– Eu sorri, agradecendo e entrei na sala.
A primeira coisa que
notei era que a sala era bem grande, no fundo havia algumas janelas grandes que
mostravam a claridade do dia ensolarado do lado de fora, as cortinas estavam
abertas deixando a claridade total entrar, por isso nenhuma lâmpada estava
acessa. Havia uma mesa grande no centro, de mogno com cadeiras de couro envolta
e uma TV de led na parede do lado direito onde havia duas pessoas sentadas, uma
cadeira vazia na ponta, onde eu imagino que era a Ana que estava sentada porque
ela fechou a porta atrás de mim e entrou na sala, na cadeira do meio havia uma
mulher e ao lado dela um homem, eu olhei rapidamente para eles e me virei,
vendo a Ana atrás de mim, ela me sorriu e indicou as cadeiras vazias na mesa de
frente para as pessoas já sentadas, tirei a bolsa do ombro e coloquei na
cadeira da ponta e puxei a cadeira do meio para me sentar.
O ar condicionado estava
ligado e um ventinho fresco batia em mim, o que eu agradeci mentalmente, me
ajeitei na cadeira e ergui o rosto, sorrindo, quando vi a mulher a minha frente
meu sorriso se abriu ainda mais, eu conhecia ela, só não sabia o nome dela, o
que era a coisa mais engraçada do mundo.
Meu Deus, que sorte.
Ela me sorriu de volta,
eu percebi que a Ana se sentou, mas eu estava desviando os olhos para o homem
ao lado, mas quando meus olhos se encontraram com os dele foi como se eu
estivesse batendo de frente com o Iceberg novamente, meu sorriso se desfez e eu
me senti congelando por dentro.
Meu Deus! Não era
possível.
Sentado ao lado da mulher
que eu conhecia, mas não conhecia de fato, estava... ele.
Luan Santana.
*Notas da Autora:
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