— Tati Bernardi
Eu senti ele se
aproximando lentamente, um pouco mais, e, sem saber porque, me vi fechando os
olhos.
Aquilo era loucura, mas o
Luan Santana, o meu chefe, iria me
beijar?
Meu Deus, o que eu iria
fazer?
Senti a presença dele
ali, próxima de mim, o nariz tocando levemente no meu.
ACORDA
Mellissa, esse babaca está zoando com a sua cara.
Que droga, eu não podia
deixar ele fazer aquilo, se ele queria mesmo me beijar ou se ele estava só me
provocando, eu não podia deixar ele pensar que estava no controle, ou que me
amoleceria tão fácil assim, por isso, abri os olhos e ergui a palma da mão,
apoiando no peitoral dele e o empurrando para trás, fazendo ele me encarar,
agora com aquele sorriso sacana de novo nos lábios.
Que idiota, que babaca,
que otário.
Minha raiva voltou com
força total como um vulcão explodindo.
— Nem pense que eu sou
igual essas idiotas que é só você fazer assim... – Estalei os dedos na frente
da cara dele. - E elas estão no seu colo, porque eu não sou assim.
— E só eu fazer assim? –
Ele estalou os dedos, igualmente como eu tinha feito, e começou a rir, me
fazendo cerrar o cenho e ficar encarando ele, enquanto ele continuava. - Pensei
que você não conhecesse minhas músicas.
Mas que porra ele estava
falando?
— Hãm? – Eu disse,
confusa, e então bufei, irritada, me afastando dele e abrindo a porta do carro,
pisando na calçada com as pernas bambas, agora de raiva, com certeza.
— Te vejo segunda,
senhorita envocadinha. – Ele disse, com a voz um pouco mais alta para eu ouvir,
a porta do carro ainda aberta e eu me virei para olhar para ele e ver aquele
sorrisinho idiota nos lábios e um brilho nos olhos.
A minha vontade era de
mandar ele ir para o inferno.
Não respondi, e bati a
porta do carro na cara dele, me virei e sai pisando fundo pela calçada em
direção a portaria do meu prédio, ouvindo o barulho do motor do carro
acelerando e ele indo embora.
Parei em frente ao prédio
e olhei para trás, ele já tinha mesmo ido.
Soltei o ar, irritada e
fiquei olhando para a rua onde antes ele estivera.
O que estava acontecendo
com a minha vida?
Depois que eu deixei a
louca em frente ao prédio dela, segui direto para o meu apartamento, durante
todo o caminho fiquei me lembrando daquela tarde, que coisa louca o que eu
tinha feito, e se alguém me reconhecesse, gritasse e todo mundo viesse para cima
de mim, o que eu faria? Será que daria tempo de eu correr para o carro e me
esconder? Provavelmente não, mas ainda bem que aquilo tinha acabado bem ou a
Joana acabaria com a minha raça, eu podia ouvir a voz dela ecoando na minha
cabeça parecendo minha mãe: “Onde você
estava com a cabeça, Luan? Está louco? Você não pode sair andando pela rua
sozinho como uma pessoa normal, muito menos sentar numa mesa de um BAR, meu
Deus do céu, um BAR!”
E a voz dela na minha
cabeça estava certa, eu não era um sujeito normal, por isso não podia agir como
um, por isso, aquela cena do bar tinha sido uma loucura e tanto e era sorte ter
terminado bem ou eu seria um homem morto de várias formas.
Ri comigo mesmo da
loucura que eu tinha feito, mas tinha valido a pena, a louca parecia estar
amolecendo um pouco, lembrei dela no carro, tão próxima de mim, o rosto quase
colado ao meu e a vontade que senti de beijá-la, Caramba, o que foi aquilo? Será
que se ela não tivesse me afastado, eu a teria beijado? Ela era meio louca,
parecia realmente não gostar de mim, mas uma coisa era certa, ela era
extremamente linda e gostosa.
Cheguei ao meu
apartamento um pouco atrasado, a paradinha no bar tinha tomado bastante meu
tempo, entrei e coloquei a chave do carro sobre o balcão da cozinha, a dona
Maria ainda estava lá, mas parecia quase de saída, ela tinha feito um excelente
trabalho arrumando tudo para mim.
— Ôh meu filho, pensei
que ia chegar junto com as visitas. – Eu soltei uma risada olhando como ela
tinha deixado a cozinha já preparada. A churrasqueira já estava pronta para o
churrasco, uma panela de arroz branco estava quentinha em cima do fogão, a mesa
da cozinha estava com pratos, talheres e copos já postos, para ninguém precisar
ficar me perguntando onde tinha as coisas, e quando abri o freezer, estava
repleta de cerveja gelada. – A carne já está temperada e está na geladeira, a
maionese também.
Me aproximei dela, que
estava agora com a bolsinha debaixo do braço e dei um beijo carinhoso em seu
rosto, enquanto ela sorria, me abraçando como uma avó.
— O que seria de mim sem
a senhora, dona Maria? – Ela riu e deu um beijo no meu rosto.
— Juízo aí menino.
Depois que a Dona Maria
foi embora, resolvi tomar um banho e me arrumar, logo os caras estariam
chegando.
Ainda estava com o boné
na cabeça, por isso, adentrei o quarto tirando-o de cima dos cabelos e jogando
sobre a cama, a porta da sacada ainda estava aberta e eu podia ver o dia indo
embora e a noite chegando gradativamente e parei na porta observando a noite, a
calmaria que São Paulo parecia dali era inacreditável, só de pensar que lá em
baixo, naquele momento, devia estar uma loucura com milhares de carros indo
embora para casa, congestionamento, transito, uma doidera que só São Paulo
sabia ser, nem dava para acreditar que dali a paz reinava e era como se nada
daquilo estivesse acontecendo lá embaixo.
Voltei para dentro do
quarto tirando a camisa e deixando-a também em cima da cama, onde me sentei e
tirei os sapatos seguido das meias, deixando-as no cantinho para a dona Maria
guardar para mim no outro dia.
Segui para o banheiro
tirando a calça jeans pelo caminho, estava um pouco soado e podia sentir o
próprio cheiro do meu corpo daquele dia corrido, quente e louco, a pele estava
grudando um pouco, e quando finalmente me livrei da calça jeans e da cueca e
entrei debaixo do chuveiro senti a agua morna relaxando meu corpo e aliviando o
stress, levando com ela a sujeira e o suor do meu corpo.
Enquanto lavava meus
cabelos, distraído, fiquei pensando naquela tarde, eu sentado numa cadeira à
uma mesa de um bar, como um cara normal e como, apesar da louca e seu jeito
turrão, eu tinha me sentido bem, normal e como aquela sensação tinha sido
prazerosa, uma simples tarde tomando uma cerveja numa mesa de bar e parecia que
eu tinha passado uma tarde num spa de tão bom que tinha sido, a coisa mais
normal que eu tinha feito na minha vida há anos, e a louca tinha me
proporcionado isso sem eu mal conhece-la, porque sim, ela tinha me dado aquilo,
mesmo que não soubesse, porque se eu não a tivesse visto lá, jamais teria
parado e feito aquilo, era como se ela tivesse vindo para mudar algumas coisas
mesmo que mal tivesse chegado. Era estranho.
Me apressei no banho ou
ficaria ali a noite inteira.
Terminei de tomar banho,
coloquei uma bermuda jeans preta e uma camisa regata, estava uma noite quente e
por isso só dei uma batida nos cabelos, deixando-os secarem ao vento, espetados
para todos os lados.
Depois de pronto, segui
para a cozinha e dei uma ajeitada em algumas coisas, já deixando de fácil
acesso, coloquei alguns jogos bacanas na sala, de futebol, corrida e de tiros,
e deixei ligado o Play já no jeito. Quando estava abrindo uma cervejinha para
tomar o primeiro gole da noite, meu interfone tocou, era o William, um dos camaradas,
que tinha chego.
Os caras foram chegando
aos poucos, além do William que eu conhecia há uns seis anos, mas não era do
ramo artístico, um outro amigo meu também que não era conhecido, Marcelo, foi o
Michel Teló que era um grande amigo meu e curtia muito churrasco, o Luciano,
irmão do Zezé di Camargo e o Gustavo (Lima).
O Luciano era sempre o
mestre do churrasco, ele e o Michel, e apesar de termos jogado vídeo game um
pouco, jogando futebol e depois corrida, sempre disputando para ver quem vencia
mais, acabamos todos na cozinha e na varanda do apartamento, conversando,
rindo, bebendo e comendo carne para caramba.
— Vocês não imaginam a
loucura que foi. A Thais quase teve um treco depois quando soube. – O Michel
estava dizendo, contando um caso onde uma fã invadiu o quarto dele num hotel,
certa vez. Todo mundo estava rindo muito da cena, eu nem queria imaginar o que
eu faria se isso acontecesse comigo.
Será que podia aproveitar
o momento? Hahahaha.
— Mas você aproveitou o
momento ou não rolava? – Eu aproveitei e deixei meu pensamento escapar,
estávamos entre amigos, podíamos falar o que quiséssemos, era um momento para
sermos nós mesmo, sem mídia, sem mulheres, só homens e zoeira.
— Puts, Luan, não rolava,
a coitada.... – Quando ele disse “coitada” nós começamos a rir demais, minha
barriga doeu de lado de tanto que eu ria.
— Era feia? – Perguntou o
William, causando mais risos.
— Eu não trairia minha
mulher, mas olha, com aquela nem se eu fosse solteiro, não ia rolar mesmo.
Todo mundo gargalhou e o
Luciano emendou em seguida.
— Eu já passei por isso,
acho que o Zezé também, mas olha... eu aproveitei o momento. – Os caras riram,
eu me levantei para pegar mais cerveja para todo mundo na cozinha, e antes de
sair, resolvi zoar mais um pouco.
— Por isso que o Luciano
tem um filho não assumido em cada estado por aí. – Todo mundo gargalhou e ele
riu junto, nem levando a sério a zoeira, eu nem sabia se ele tinha mesmo filhos
não assumidos, mas estávamos só zoando um com a cara do outro.
— Fica esperto Luan,
porque se elas não fizeram isso ainda, uma hora vão conseguir.
— Tô ferrado. – Eu saí
rindo em direção a cozinha, peguei várias garrafinhas e coloquei num
engradadinho para ficar mais fácil para levar e voltei a sacada, os caras
estavam rindo mais ainda de alguma outra coisa.
— E se invadem e você tá
no banho? – O Marcelo estava dizendo e os caras riam mais ainda, pareciam um
monte de hiena, e eu estava incluso no bando.
— Se for bonita e
gostosa, você aproveita e dá um banho nela. – Esse Luciano, cara, acho que ele
já fez muito isso.
Todo mundo riu.
— Nossa, se for bonita e
gostosa, daí fechou heim, você tá feito. – Comentou o William e nós
concordamos.
— Mas é difícil uma
bonita e gostosa fazer isso, as vezes dá sorte, ou as vezes só é bonita, mas
não tão gostosa, mas dá para pegar...
— Falou a voz da
experiência. – E a zoeira estava boa. Todo mundo riu do Luciano e do comentário
do Michel.
— Eu já peguei uma fã,
mas ela não invadiu meu hotel não, ela foi lá porque eu convidei. – Parece que
eu era o único santo ali? Que isso.
— Eita, Gustavão, e sua
mulhé sabe disso? – Rimos todos juntos e o Gustavo sacudiu a cabeça.
— Que isso, Luciano,
quero manter meu casamento, então ela não precisa saber dessas coisas.
— Essa parte fica de
fora. – Disse o Michel e todo mundo riu.
— É mais ou menos assim:
que isso amor, elas são só fãs, elas não me amam assim, que isso, elas me
respeitam, elas sabem que sou casado, nenhuma delas dá em cima de mim. – Ficou
imitando o homem comportado, o Luciano, causando risos em todo mundo.
— Puta meda, Luciano, eu tenho
dó da sua mulher. – Todo mundo gargalhou e ele negou com a cabeça.
— Que isso, não traio
minha mulher não...
— Não mais.
— Ah sei.
Todo mundo riu
gostosamente, bebendo mais cerveja que eu tinha levado e comendo mais carne
depois que o Luciano foi tirar da churrasqueira as carnes boas.
— Mudando de assunto, pow
cara, você viu só a goleada que o Cruzeiro levou?
— Eu ri demais, uma
lavada do Santa Cruz.
— Porra o Grafite voltou
com tudo heim, ressurgiu das cinzas, e bem ainda.
— Ressurgiu das cinzas, e
cinzas é da cor de... Grafite.
Todo mundo gargalhou e
assim seguimos à noite, hora falando de mulher, hora de futebol, bebendo
cerveja, zoando uns com os outros, comendo carne, ninguém lembrou direito do
arroz e da maionese da Dona Maria.
Não tinha nada melhor que
aquilo, um churrasco com os amigos, cerveja, falando de mulher e futebol, uma
pessoa normal ou não, isso era uma coisa que eu não poderia me privar jamais.
Nem sei até que horas
ficamos ali, só sei que a noite era uma criança para aqueles brutamontes que
riam mais que hienas e só falavam bobeira e que no final, acabamos todos
parecendo mesmo uma criança como a noite.
Eu era a nova funcionária
do Luan Santana.
Essa frase não conseguiu
sair da minha mente aquela noite, depois que ele foi embora me deixando na
portaria do prédio. Eu subi, tomei um banho, fiz uma janta caprichada e jantei
assistindo o novo episódio de “The walking dead”, em grande estilo, mas ainda
assim, mesmo distraída com a minha vida normal, eu não conseguia parar de
pensar no quanto parecia que ela deixaria de ser normal, e tudo isso começando
pelo meu novo chefe e minha nova profissão e meu novo emprego.
Deus, eu ia trabalhar
direto com o Luan Santana. E o mais absurdo nem era isso, o mais absurdo era
que eu, ao contrário do Brasil inteiro
não amava o cara, eu tinha pego uma birra e uma raiva dele que era quase
humanamente impossível, ainda mais se tratando de alguém tão adorado.
Era a loucura do ano que
obviamente tinha que acontecer comigo. Parecia que o azar ainda estava andando
do meu lado.
Tentei não pensar mais
naquele cara que já tinha me dado dor de cabeça demais nos últimos dias, e eu
já estava dando credito demais para ele, afinal de contas, desde que ele me
atropelara no dia anterior, eu não conseguia pensar em outra coisa senão nele e
em tudo que estava acontecendo que aumentava cada vez mais.
As flores que ele me deu
ainda estavam no vazinho sobre o balcão da cozinha, mas eu as ignorei do mesmo
modo que ignorei o bilhete dele que ainda estava lá, estava com vontade de ir
lá e rasgar ele em mil pedacinhos, mas não fiz isso, ao contrário, para não
ficar olhando para ele e as flores, desliguei a televisão, peguei meu notebook
e fui para o quarto.
Deitei debaixo das
cobertas, já com meu shortinho curto de dormir e minha blusinha, liguei o
notebook no meu colo e fiquei lá, fazendo algumas pesquisas, lendo alguns
artigos ou simplesmente assistindo mais episódios online para que minha mente se
distraísse e eu parasse de pensar, sabe como é, quando uma coisa fica fixa na
sua mente, você precisa distraí-la para parar de pensar.
Enquanto estava mexendo
no notebook debaixo das cobertas minha mãe me ligou, que coisa, eu estava mesmo
pensando nela, pensando em passar o fim de semana visitando-os para tirar de
vez da minha cabeça toda aquela loucura de Luan Santana e tudo o que ele
envolvia, e ter uma vida normal ainda por pelo menos um fim de semana, ou o
último fim de semana.
— Oi mamãe. – Ouvi a voz
dela sorridente do outro lado da linha e sorri, eu quase podia ver ela na minha
frente, os cabelos fininhos, curtos, mas não tão curtos que ela amarrava com um
lacinho e deixava um rabicózinho atrás, pretos, mas agora mais brancos que
pretos, ela não gostava de pintá-los e por isso eu vivia a chamando de minha
velhinha, a blusa de crochê vermelha e aquele sorriso luminoso por trás de um par
de olhos castanhos sofridos, de uma pessoa que já passou o suficiente na vida.
A saudade veio como uma
adaga e penetrou fundo meu coração, me fazendo engolir a bola de lã que se
formava em minha garganta para que ela não notasse que eu estava emocionada e
começasse a chorar de saudade do outro lado da linha.
— Oi querida, que
saudade!
— Eu estava mesmo
pensando em você, leu meus pensamentos foi? – Ela riu do outro lado da linha
fazendo a voz dela ecoar no meu ouvido, me fazendo sorrir ainda mais e secar a
lagrima que escorria do canto do meu olho, sorrateira. Gente melosa é uma
coisa, viu.
— Estava pensando o que?
Nos meus bolos, eu aposto! – Eu soltei uma risada e emendei.
— No seu macarrão com
camarão, na sua lasanha e ah, nos seus bolinhos de chuva. Ai que saudade da sua
comida, mamãe! – Ela estava rindo ao me ouvir falar, aposto que estava pensando
que eu estava passando fome.
— Está passando fome aí,
né? Aposto que não cozinha nem um arroz. – Não disse? Conheço essa véinha.
— Claro que cozinho, mãe,
hoje eu fiz brócolis com queijo derretido e um arroz branco, com cenoura
ralada, Hmm ficou uma delícia!
— Minha nossa, quando foi
que você aprendeu a cozinhar? – Ela estava rindo, estava brincando, claro, eu
sabia cozinhar muito bem e ela sabia disso, mas claro que, eu não cozinhava
muito quando morava com ela, a comida da minha mãe supera qualquer comida no
mundo, sabe aquela coisa de comida de avó que você não come em lugar nenhum, a
comida da minha mãe era assim, a da minha avó então, minha nossa, me dava agua
na boca só de lembrar, e olha que eu tinha acabado de jantar.
— Hahaha. – Ela continuou
rindo, e eu decidi mudar de assunto, agora que o assunto “comida” tinha
passado. – Eu tenho uma novidade. – Esperei para dar um suspense e ouvi do
outro lado da linha um “que novidade?”, antes de dizer: - Consegui um emprego.
— Ah minha nossa, que bom!
Precisamos comemorar! Seu pai vai ficar tão feliz. – Eu sorri, sempre que algo
bom acontecia comigo tinha essas duas frases, uma em sequência da outra:
“Precisamos comemorar”, e “Seu pai vai ficar tão feliz”. Meu pai era daqueles
homens orgulhosos da cria que tem, sabe, que se infla de orgulho quando um
filho se forma, quando o filho consegue um emprego bom, ele era assim desde que
eu era pequena, se tirasse nota 10, ele ficava todo feliz e orgulhoso e minha
mãe dizia “seu pai vai ficar tão feliz”. Eles tinham me tido um pouco mais
velhos do que a grande maioria dos pais tem filhos, por isso, eles eram
bastante apegados a mim, amorosos e ficavam felizes com as minhas conquistas.
— Eu estava pensando em
ir para casa no fim de semana, e podemos fazer algo.
— Que ótima ideia, Mel.
Seu pai está aqui gesticulando que está com saudade, acho que é o que ele está
querendo dizer, só consigo ver a boca dele se mexendo. – Eu ri e neguei com a
cabeça de leve imaginando a cena e vendo-o bem na minha frente, meu véinho de
cabelos brancos, eu estava mesmo com saudade deles.
— Mande um beijo através
de mimica para ele, então. – Ela riu e eu ouvi o estalar de um beijo, sinal que
ela estava mesmo mandando meu beijo.
— Mas por que você não
vem amanhã? É aniversário da tia Hilda e
você aproveita e mata a saudade de todo mundo.
Ai, todo mundo.
Minha mãe sabia que eu
não era muito chegada em todo mundo
da minha família, não que eu fosse brigada com alguém ou fosse o tipo chatinha
que não se misturava, mas as pessoas da minha família não eram muito normais,
principalmente os filhos da minha tia Hilda, irmã da minha mãe; todos eram sem
parafusos, as meninas então, Jesus. Mas eu sabia que minha mãe ficaria feliz de
me ver lá no meio deles, dizendo que sua filhinha querida estava se dando bem
em São Paulo, mais ou menos como ela ficou e fez quando eu fui para Nova York,
não era todo dia que você tinha um filho que vai para os “States”, como dizia
minha mãe.
— Adoraria matar a saudade de todo mundo. – Ela riu, acho que ela nem
notou a minha ironia.
— A Paula e a Lucila não
vão na festa, parece que a Paula está com dengue e tem que ficar de repouso e a
Lucila está viajando, foi visitar o pai.
Uffa. As piores não
estariam lá, isso era um alivio e me fez começar a pensar realmente em ir no
dia seguinte, eu já tinha me formado, não estava trabalhando ainda, e não tinha
nenhum compromisso, então, por que não?
— Agora estou começando a
pensar de verdade na ideia.
— Mellissa. – Minha mãe me deu uma bronca por telefone e eu ri
gostosamente ao telefone.
— Ai mamãe, você sabe que
eu não aguento aquelas duas, parece que tem cinco anos de idade e não quase
vinte, pelo amor de deus. – Ah, eu já mencionei ainda que elas eram gêmeas?
Agora imagine duas pessoas feias, chatas, com mentalidade de cinco anos e GÊMEAS,
ainda por cima.
Coitada daquela mãe.
— É o jeito delas, mas
elas te adoram! – Para o meu total azar, elas me adoravam, me veneravam, me
idolatravam.
Suspirei.
Minha mãe queria mesmo
que eu fosse, eu percebia isso no seu tom de voz, eu não tinha mesmo nada para
fazer, então...
— Okay, vou pegar o
ônibus amanhã cedo.
— Oba! – Agora era ela
que parecia uma criança de cinco anos. Eu ri. – Antenor, a Mel vai vir amanhã!
– Ouvi ela gritando na linha para o meu pai e ri de novo, já imaginava a cara de
feliz do meu pai, mesmo sem vê-lo.
— Diga que vou dar aquele
beijo pessoalmente amanhã.
Ela parecia muito feliz
do outro lado da linha quando finalmente se despediu de mim, e eu me sentia
igualmente feliz, mesmo sabendo que ia ver algumas criaturas da minha família
que eu me reclinava a ver na grande maioria das vezes, mas não ia ter outro
jeito, família era família, e mesmo que nem todos me agradasse, não dava para
mudar, né. Infelizmente.
Desliguei o notebook e
liguei a televisão, não gostava de dormir no escuro, sozinha, sem algum som ou
alguma coisa ligada, não gostava da sensação de estar totalmente sozinha e o
barulho da TV me ajudava com isso,
parecia que a casa estava cheia, ou que tinha pelo menos mais uma pessoa ali me
fazendo companhia; me enfiei debaixo da coberta, me deitando de vez e comecei a
pensar em como minha mãe e meu pai ficariam quando soubessem com quem e para
quem eu ia trabalhar, só de pensar nisso e no dia seguinte, me dava um frio na
barriga.
Comecei a pensar em como
contaria isso, e enquanto bolava diálogos na minha cabeça, acabei adormecendo
com a teve ligada.
Acordei com meu celular
vibrando debaixo do meu travesseiro, nem me lembrava de o ter colocado ali, me
virei de lado puxando o aparelho de debaixo do travesseiro e olhando a tela
para observar que um número desconhecido me ligava, deslizei o dedo pela tela e
atendi com a voz meio rouca.
— Alou?
— Mel? É a Joana. Te
acordei, né? Desculpe. – Era a Joana, minha nova chefe, nossa tão cedo? Afastei
o celular do ouvido para ver as horas, eram oito da manhã.
— Oi Joana, acordou sim,
mas não se preocupe, já está na hora mesmo. – Dei uma risadinha, ainda bem
mesmo que ela tinha me acordado ou eu perderia a hora e acabaria indo tarde
para a casa dos meus pais, no interior de São Paulo.
— Me desculpe, é que eu
esqueci de te falar que preciso dos seus documentos ainda hoje para dar início
na contratação, a Marie, assistente da Ana, vai fazer a contratação hoje senão
não consegue te colocar na folha.
— Ah sim, claro, posso
fazer isso agora cedo mesmo. O que você vai precisar? – Ela me passou uma lista
de documentos que eu anotei na minha caderneta de anotações na cabeceira da
cama, e então nos despedimos.
Caramba, era melhor eu
correr, fazer tudo isso e depois ir para o Tiete, chegaria um pouco mais tarde
na casa dos meus pais, mas ainda teria o fim de semana inteiro, então não tinha
problema.
Me levantei e me arrumei,
aproveitei e fiz uma mala mediana, sem muitas coisas, mas com itens básicos
para um fim de semana, algumas blusas variadas, duas calças jeans, uma jaqueta,
meu pijaminha que se baseava num shortinho curto e uma blusinha justa, lingerie
e duas sapatilhas e um par de saltos, caso precisasse, parecia até coisa demais
para um fim de semana, mas eu não gostava de falta de roupa quando precisava,
gostava de ter opções, mesmo que fosse para ficar em casa.
A mala não estava pesada,
mas era de rodinha, o que ajudava bastante, juntei toda a documentação que a
Joana pediu, coloquei na minha bolsa de ombro e sai de casa por volta das nove
e meia, planejando entregar os documentos no escritório até as dez e meia e
chegar ao tiete para pegar o ônibus por volta do meio dia, uma da tarde,
chegaria na casa dos meus pais perto das três da tarde.
Naquele horário o metrô
estava tranquilo, todo mundo já estava trabalhando então não tinha muita
movimentação nas estações, cheguei antes do previsto na Paulista e logo estava
no prédio onde ficava o escritório onde eu provavelmente passaria bastante
tempo, não tanto quanto as pessoas que trabalhavam direto ali, mas eu já podia
me habituar com aquele caminho, com certeza.
Cumprimentei a menina da
recepção que disse que meu cadastro já estava liberado direto e disse que a
empresa me forneceria um crachá para a entrada e saída do prédio sem passar
pela recepção mais.
Subi até o decimo quinto
andar, quando sai do elevador, fui recebida pela recepcionista que, agora eu
via o nome no crachá dela, se chamava Michelle; ela me informou que a Joana já
estava indo me receber, não demorou nem cinco minutos e a Joana estava na
recepção pedindo desculpas e dizendo que de agora em diante eu não precisaria
mais esperar na recepção, poderia entrar direto. Aquela coisa de emprego novo,
primeiro dia no trabalho, todo mundo te olhando, sorrindo, vendo a novata, e
você totalmente meio perdido ainda no ambiente, sem conhecer ninguém, sempre me
deixava sem jeito, eu me sentia como uma criança no primeiro dia de aula numa
escola nova.
De praxe, a Joana me
levou de sala em sala, me apresentando todo mundo, eram nomes demais para eu
decorar, mas sabia que com o tempo eu começaria a conhecer mais as pessoas, de
pouco em pouco, até que um dia, tudo pareceria normal para mim como se
trabalhasse ali há séculos e conhecesse todo mundo há anos. O lugar era mais
grande do que eu pensava, pelo que eu notei, aquele prédio ia até o décimo
oitavo andar, e do décimo quinto até a cobertura, era tudo da empresa LS (Ahh,
aquele LS que eu vi no dia da entrevista, claro, LS de Luan Santana, que tonta
eu né), caramba, quatro andares só deles, e eu pensando que a empresa era só
aquele andar. No andar de cima, no décimo sexto ficava a área de copa e cozinha
que os funcionários também tinham acesso, todos eles recebiam vale refeição,
mas podiam levar alguma coisa para comer e deixar na geladeira da cozinha, como
frutas, Danone, sucos, de manhã sempre havia um horário de café da manhã ali, com
pães, bolos, frios, tudo dado pela empresa, a mesma coisa acontecia à tarde,
havia também uma área de descanso, com sofás, televisores, uma sala meio
escurecida com vários sofás de dois lugares onde as pessoas podiam dormir
durante o horário de almoço, a Joana me disse que algumas pessoas não gostavam
de sair para almoçar fora todo dia, então levavam um almocinho de casa e
aproveitavam o resto das horas do almoço para descansar ali, eles tinham uma
hora e meia de almoço, que mordomia heim.
Tinha uma academia
interna, onde os funcionários podiam malhar durante o horário de almoço se
quisessem, e claro, tinha um vestiário feminino e masculino, o feminino tinha
chuveiros, espelhos enormes e também armários para guardar suas coisas com
cadeado particular para cada um.
Aquilo ali nem parecia
uma empresa, caramba!
Os dois andares de cima,
segundo ela, eram para a “diretoria”, o décimo sétimo andar era onde ficava a
sala do pai do Luan, que era o empresário dele, pelo que eu entendi, uma para
ele mesmo, e algumas outras para pessoas importantes naquela empresa toda, ela
não mencionou o que havia na cobertura, mas se bobeasse tinha uma piscina, salão
de jogos ou sei lá mais o que.
Depois de me apresentar
todo mundo, me mostrar o lugar, ela me deu o meu crachá oficial, que eu usaria
para entrar em qualquer lugar onde o Luan estivesse, bastidores de programas de
televisão, rádio, camarim nos shows, ou seja, passe livre para qualquer lugar
onde ele fosse, com ou sem ele lá, eu podia entrar para tudo em qualquer lugar,
aquele mesmo crachá me dava entrada também no prédio, nas catracas de entrada,
como a menina da recepção do prédio havia me dito.
Ela me deu um cartão
ticket de vale refeição para poder almoçar ou comer alguma coisa quando não
estivesse com o Luan, segundo ela, tinha quinhentos reais por mês nesse
cartãozinho, e mais o cheque de mil reais que era de alimentação, nessa hora eu
franzi o cenho e perguntei:
— Ué Joana, mas não era
só mil reais para despesas de alimentação? Por que então o ticket refeição?
Ela riu e deu de ombros.
— O ticket é mais
prático, e os mil reais é de alimentação geral, serve tanto como um vale
alimentação para você fazer compras em casa se quiser, ou para almoçar durante
o trabalho, você usa ele como bem entender, ele faz parte do pacote de
benefícios, mas você decide como usá-lo.
Ou seja, eu tinha mil
reais de compras de casa, se quisesse, mais quinhentos no ticket, minha nossa
senhora, era tudo um exagero, não era, não?
— Eu sei que você deve
estar pensando que é demais, mas acredite, é um trabalho muito intenso, vai
exigir muito de você, vai ter horas que você vai se perguntar como vai ter uma
vida social decente, sendo que tem que viver pelo Luan, por isso ele paga tão
bem, para suprir o seu tempo livre que acaba hoje. – Ela riu nessa hora, como
uma piadinha, eu acho que não era bem uma piadinha, mas uma verdade por trás de
uma piadinha. – E a responsabilidade que você tem, você tá lidando com a vida
pública dele.
Era mesmo coisa demais,
pensando bem. Não disse nada, e ela continuou.
Me deu cinco camisetas P
onde tinha uma foto do Luan na frente, meio amarronzada, e na verdade eram três
Luan’s ali, e atrás estava escrito “assessoria”, ela disse que era bom usar
essas blusas em shows grandes, como eventos onde tinham muitos cantores, vários
camarins, as vezes programas de teve, tipo especiais, onde tinham vários artistas,
isso te diferenciava e também marcava o que você era e de quem era, e com o
crachá te poupava de ficar falando para quem trabalhava toda vez que entrava em
algum lugar, ou saia dele. Me deu também duas jaquetas de frio onde atrás
estava escrito em cima Luan Santana e embaixo “assessoria” novamente, na frente
na parte do bolso, estava bordado as letras LS.
Me deu um aparelho
celular muitooooo mais chique que o meu, era apenas um Galaxy note S6.
M-E-U-D-E-U-S.
Pausa para esse momento,
um Galaxy S6, putaquepariu.
— Você vai precisar disso
para trabalhar. A linha é livre Okay, pode ligar para qualquer número
livremente, já coloquei todos os contatos que você precisa ai, o meu número, o
número da Ana, pode ser que você precise, o número da Rose, a responsável por
fechar a agenda dele, o Cláudio, responsável do Marketing, o número de todos os
seguranças particulares do Luan, ou seja, os mais próximos que vão com ele para
programas de teve, rádio, festas, eventos, ou quando ele resolve sair por ai
para viver a vida dele, até mesmo nesse momento ele tem que ter um segurança
por perto, os demais de shows e tudo mais, são sempre responsabilidade do Jordan,
ele é o chefe de segurança, o número dele também está ai. Tem também o número
do Luan, e também no whatsapp, eu falo muito com ele no Whats, me poupa tempo.
Putamerda, agora eu ia
falar com aquele idiota também no Whatsapp?
A minha vida estava
feita, pai do céu. Fui irônica, Okay?
Mas pelo menos eu ia
falar com ele no whatsapp usando um Galaxy S6. HÁ!
Pago
por ele. ¬¬
Okay, ignore essa voz
idiota.
Ela me deu a caixinha do
celular com todos os acessórios.
— Nesse celular também
tem um aplicativo onde eu organizo e controlo a agenda dele, mas te mostro isso
melhor segunda, quando você começar a trabalhar.
Eu assenti, estávamos na
sala dela e na mesa a minha frente já estava cheio de coisas, um celular, a
caixinha do celular ao lado, um crachá, um ticket refeição, duas jaquetas,
cinco camisetas, e parecia que não parava por aí. Caramba, pelo jeito trabalhar
com ele envolvia mais coisas do que eu imaginava.
Ela me entregou um crachá
grande, para shows, festas, eventos, segundo ela, era obrigatório também para
eu entrar nos lugares onde ele estava.
Olhei para o crachá, já
tinha meu nome completo, a minha foto (onde eles conseguiram essa foto?) e embaixo
meu cargo “Assistente de assessoria”. Ela pareceu notar que eu estava lendo e
disse:
— Por enquanto vai ser
esse o cargo, quando você assumir de vez, passa para assessora pessoal.
Assenti mais uma vez e
ela me esticou um chaveiro, tinha uma caixinha quadrada, preta, pendurado num
chaveirinho da Nossa Senhora Aparecida, ao lado também tinha uma chavinha
pequena.
Eu estiquei a mão e o peguei,
segurando e esperando a explicação dela.
— A chave do carro, tem
um botãozinho do lado do chaveiro que abre a chave e mostra os botões de
alarme; a chave menor é para um compartimento secreto que tem dentro do carro,
onde você pode guardar algo de valor, caso queira; esse compartimento fica embaixo
do tapete do seu banco, eu te mostro depois, é bem fácil de mexer e serve para
o caso de você estar andando com muito dinheiro vivo ou algo do tipo e não
quiser ser roubada. – Arregalei os olhos quando ela disse a palavra “roubada” e
ela se apressou em dizer.
— Ah, não se preocupe, o
carro tem seguro, não será descontado de você caso seja roubado, você o bata ou
qualquer coisa assim, ele também é blindado, tem trava antirroubo, que faz o
carro não funcionar se você acionar e GPS, se roubarem, a polícia acha ele em
cinco minutos. A nossa própria equipe consegue rastrear e manda a localização
para a polícia, ah, e tem um botãozinho na porta que você aperta e aciona aqui
para gente que você está com problemas, e eles acionam a polícia, pode ser em
caso de assalto, sequestro, qualquer coisa, eu te mostro daqui a pouco, o carro
está na garagem, e você já pode levar ele hoje.
Fiquei meio boquiaberta
ouvindo ela e tentando processar tudo que ela dissera e... UAU. Caramba!
Ela disse assalto,
sequestro? Eu corria esse risco?
— Alguém aqui já foi
assaltado ou sequestrado? – Ela sorriu de um jeito amistoso, acho que meu
pânico estava bem visível.
— Não, graças a Deus, até
hoje não, mas é melhor prevenir do que remediar, não é mesmo? – Ufa! Caramba,
eu estava gelada de medo, meu coração estava batendo forte no peito só de
pensar em algo assim acontecendo comigo.
Assenti com a cabeça e
ela sorriu.
— Parece muita coisa
agora que estou te passando tudo isso, mas você vai ver que é bem tranquilo no
final das contas, só nos primeiros dias que parece uma loucura, mas sei que
você vai pegar o jeito rapidinho.
Sorri, aliviada e assenti
com a cabeça.
Ela disse que tinha uma
bolsa onde eu podia levar aquelas coisas e se levantou, caminhando até um
armário e pegando uma bolsa grande de ombro, obvio que era do tal cantor que
agora eu trabalhava para ele, né. Ela colocou as camisetas, as jaquetas, os
crachás, a caixinha do celular e tudo mais dentro dessa bolsa, a chave do carro
ainda estava na minha mão, mas ela não pediu para guardar.
Ela me entregou a bolsa e
pediu para eu acompanha-la até o estacionamento no subsolo para mostrar o
carro, depois disso eu estava livre.
E eu era oficialmente a
assistente de assessoria do cantor Luan Santana, eu oficialmente agora
trabalhava para aquele cretino, idiota, metido, filhinho de papai, babaca, com
aquele sorrisinho sacana que fez eu passar por tudo aquilo aquele dia, mas que
agora parecia estar me recompensando muito mais com tudo isso, eu nunca
ganharia tudo isso trabalhando na rádio onde eu perdi aquela entrevista.
Comecei a pensar no que a Ju tinha dito, destino, será mesmo que isso existia?
O que o destino queria me
colocando do lado desse babaca? Eu não fazia ideia, e honestamente, nem queria
saber.
Saímos na recepção e a
Joana disse a Michelle que a partir daquele momento eu tinha acesso livre para
entrada e saída, e a recepcionista me sorriu, simpática, e me dando as
boas-vindas.
Entramos no elevador e
ela olhou o celular, suspirando e em seguida se virando para mim.
— Ás vezes o Luan é meio
teimoso sabe. – Eu olhei para ela de lado, ainda estava com o celular na mão e
me mostrou rapidamente uma conversa no Whatsapp, eu só reparei que era com ele
porque tinha uma foto dele no alto do aplicativo, de óculos escuros e os cabelos
arrepiados. – Ele tinha que ir para o estúdio hoje cedo, mas deu um churrasco
no apartamento dele ontem à noite e nem saiu de casa ainda.
Ela estava negando com a
cabeça como uma mãe quando o filho não faz o que ela manda, eu dei uma
risadinha e ela suspirou, guardando o celular.
— Ah, eu sei o que você
está pensando? – Eu olhei para ela e ergui as sobrancelhas, ela estava rindo.
— Que você parece a mãe
dele e ele o filho levado que não faz o que a mãe pede? – Ela soltou uma
gargalhada e assentiu com a cabeça.
— Mas é exatamente isso
mesmo, ele as vezes parece uma criança que você tem que segurar na mão e levar
até lá ou não faz o que tem que fazer. – Eu ri, pelo jeito ele podia ser meio
teimoso ou não gostar tanto de tudo que fazia. Acabei perguntando isso.
— Ele não gosta muito de
tantos compromissos?
— Ah não, não é isso, ele
ama o trabalho dele, você vai notar isso, mas as vezes realmente é cansativo, e
as vezes marcam coisas demais num dia só, eu pedi para o pessoal da agenda dar
uma diminuída no ritmo, quando ele não tem shows tentamos marcar menos coisas,
assim ele descansa mais e tem mais tempo para ele.
Eu assenti com a cabeça,
o elevador estava descendo ainda.
— Ele também tem seus
dias de preguiça, rebeldia, cansaço, gripe, mal humor, como qualquer pessoa, e
nesses dias é sempre bom você virar mãe dele ou ele não faz nada. – Eu ri e
assenti com a cabeça.
Ótimo, agora eu ia ser
mãe também desse babaca? Isso estava ficando cada vez melhor.
A Julia mataria por esse
emprego, ela e a torcida feminina do Corinthians, pelo jeito. Eu não fazia
ideia de quantas fãs ele tinha no Brasil, mas eu apostava que era mais do que
eu poderia sequer imaginar, e todas elas matariam para estar no meu lugar
enquanto eu estava adorando tudo, menos o cantor ser ele.
Que coisa, né.
Será que eu odiaria tanto
assim se ele não tivesse me atropelado? Mas se ele não tivesse me atropelado eu
jamais teria conhecido a Joana e ela jamais teria me chamado para aquela
entrevista, e eu estaria agora trabalhando na rádio onde a Julia trabalhava.
A palavra que a Júlia
tanto adorava ecoou novamente na minha cabeça “destino”, mas eu a ignorei.
Saímos do elevador direto
no subsolo onde ficava o estacionamento. Seguimos por entre os carros
estacionados, reparei que a grande maioria eram carros chiques, do ano, eu não
fazia ideia de qual carro poderia ser, mas estava pensando num Palio meio
velhinho, ou num uno básico, por isso quando ela parou ao lado de um carro que
de longe não se parecia nada com um Palio meio velhinho, eu levei um minuto
inteiro para entender que aquele era o carro que ficaria comigo.
— Mel? A chave. – A Joana
disse e eu olhei para ela emitindo um sonoro “Han?”, ela riu e puxou a chave
que estava na minha mão, apertando o botãozinho na lateral da caixinha fazendo
uma chave aparecer e os botõeszinhos de alarme que ela apertou para destravar,
o carro fez um sonoro PI e destravou as portas, ela devolveu a chave na minha
mão e eu fiquei mais meia eternidade olhando o carro.
Era um Citroen C4, preto,
novinho, vidro fume, a coisa mais linda, e MEU! Quer dizer, temporariamente
meu, enquanto trabalhasse para aquele babaca.
Meu deus, ele estava
saindo melhor do que eu poderia sequer imaginar, talvez isso recompensasse
finalmente tudo que ele me fez passar? É, talvez, estava começando a
recompensar.
Quase ri com meus
pensamentos e me voltei para a Joana que estava falando. Ela estava apontando
para a frente do banco do motorista, estava falando sobre o compartimento
secreto cujo tinha comentado antes.
Eu caminhei até o carro e
entrei, me sentando no banco do motorista e me inclinando para a frente, o
rosto quase colando no volante, passei a mão pelo tapete e o puxei, olhei para
baixo e vi só o carpete do carro, ela apontou para o canto do carpete, próximo
do cambio, puxei ele e então vi, tinha mesmo uma espécie de caixinha, quase não
dava para perceber, parecia o fundo do carro, mas se você olhasse bem via que
tinha algo ali.
Não abri, coloquei o
carpete novamente por cima e ajeitei o tapete do carro, parecendo normal como
se eu nem tivesse mexido. Sai do carro, ficando do lado de fora, a porta estava
aberta e a Joana estava atrás da porta, recostada nela. Olhei para ela e dei
uma risadinha, incrédula.
— Sério que é um Citroen
C4? – Ela ergueu a sobrancelha confusa, mas então percebeu sobre o que eu
estava falando.
— Ah, você não faz ideia
de como o Luan é, ele já é generoso com todo mundo normalmente, quando você
trabalha muito mais próxima dele então, ele realmente quer ver você bem, ele
recompensa de verdade quem trabalha para ele, e isso é muito gratificante.
Eu sorri, pensando uma
coisa nada a ver, mas quase ri com meus pensamentos, então eu disse para ela.
— Ele compra um C4 para
todas as assessoras dele? – Ela não entendeu a pergunta e nem por que eu estava
rindo que nem louca agora. Então fiz a pergunta direito. – Ele compra um Audi
para todas as submissas dele?
Eu vi o ar de
entendimento na cara dela e ela começou a rir, ela riu tanto que se apoiou no
carro com uma mão e a outra colocou na barriga.
— Ai meu Deus, Christian
Grey? – Eu estava rindo junto com ela, quase sem folego.
— Desculpe, foi um
pensamento inevitável. – Ela foi recuperando o folego.
— Aí quem dera se fosse o
Christian Grey, quer dizer, não, não podia ser, meu marido me mataria. – Eu ri
novamente, a barriga estava dolorida de tanto rir.
— Estava brincando, mas o
lance do carro chique e tudo mais... – Eu disse e ela assentiu com a cabeça, o
sorriso no rosto ainda.
— Ah, não, ele não dá um
carro para todo mundo não, só para você.
Ergui as duas
sobrancelhas, surpresa. Não, não podia ser só comigo isso.
— Quando eu comecei a
trabalhar com ele, eu tinha acabado de comprar meu carro, e o salário foi
aumentando, daí eu fui trocando... ele não teve outra assessora além de mim...
e quando pensamos na vaga, pensamos em dar um carro para a pessoa direto da
empresa, assim ela não precisaria usar o dela, e se não tivesse o próprio, não teria
problema para se locomover.
Okay, agora estava
explicado, mas a piada tinha sido boa.
Se ele fosse o Christian
Grey, bom... daí eu podia perdoá-lo rapidinho.
— Vou dizer pras minhas
amigas que foi o Christian Grey brasileiro que me deu o C4. – Eu disse,
brincando e rindo e ela riu junto, fazendo cara de pensativa.
— Eu não sei se o Luan
curte um chicote, mas olha, fisicamente ele daria um bom Christian Grey, eu
sempre digo para ele que se eu fosse novinha... – Ela não completou a frase,
deixou ela no ar, e eu soltei uma gargalhada.
Ah danada, seu marido
sabe disso?
— Olha o exemplo para a
nova assistente, Joana, que isso. – Eu disse, entre risos e ela gargalhou
novamente.
— Meu Deus, é mesmo, nada
de se envolver com o chefe, heim... se você conseguir resistir. – Ela ainda
estava gargalhando, então não sei se foi piada ou se era para levar a sério.
— Ai, Deus, não diga que
ele dá em cima das novas assistentes? – Eu perguntei rindo, mas queria saber o
que ela ia dizer, só para o caso dela descobrir sobre o quase atropelamento,
ele no bar comigo e o “se estivesse me paquerando”, que ele mencionara enquanto
me levava para casa ontem, coisas que, até então, ela nem fazia ideia, para
ela, eu só tinha visto o Luan na entrevista e nunca mais.
Quem dera, eu seria mais
feliz se fosse isso.
— Que eu saiba não, mas ele
é homem, né, o danado é bonito e sabe disso, e tem uma carinha de quietinho,
mas olha... é só carinha mesmo, é safaaado... Eu já ouvi mais coisas do que
gostaria. – Ela soltou uma gargalhada. - Mas faz parte da profissão. Agora com
o novo Status de relacionamento dele, bom, não sei como ele vai agir.
Novo Status de
relacionamento? O que ela queria dizer com isso? Que ele namorava ou que ele
não namorava mais?
Queria perguntar, mas
achei melhor não, ela poderia achar que eu estava interessada demais nele e não
ia pegar bem, até porque, na moral, não me interessava mesmo o status de
relacionamento dele, desde que ele me deixasse trabalhar em paz sem aquele
sorriso sacana e aquelas cantadinhas idiotas, por mim ele podia até ser gay que
eu não ia ligar.
— Agora sou eu que vou
ouvir né? – Eu dei uma risadinha e ela assentiu, dando de ombros.
— Se prepara. – Ela riu e
eu fiz cara de ‘coitada de mim’, o que fez ela rir mais ainda, então ela parou
de rir e tocou meu ombro de leve com a mão. – Olha, quero que saiba que eu não
te contratei por causa da situação do banheiro aquele dia, o que foi realmente
muito triste com você e espero que tenha terminado tudo bem. – Eu sorri, ela
mal imaginava o que mais tinha acontecido naquele dia, mas eu não comentei
nada, deixei ela concluir. – Eu te contratei porque você é perfeita para o
cargo, você não pareceu se deixar intimidar pelo Luan, e eu tenho certeza que,
mesmo que ele dê em cima de você, você vai saber colocar ele no lugar dele;
além do mais, você é muito capacitada, eu tenho certeza que você vai se sair
muito bem!
Eu sorri afetuosamente,
aliviada por saber que ela me contratou porque confia na minha capacidade e
acha que eu sou a certa para o cargo, e não apenas por causa do babaca, e por
não ser fã dele.
Sussurrei um obrigado e
ela me sorriu de volta, gentilmente.
— Bom, vou deixar você ir
aproveitar seu fim de semana enquanto pode. – Ela riu, brincando. – Mas
mantenha o celular ligado, pode ser que o Luan te mande alguma coisa para
testar o celular.
Eu assenti.
Se tudo estava terminando
eu precisava pegar minha mala que tinha deixado no compartimento de guarda
volumes da recepção do prédio, por isso, fechei a porta do carro e apertei o
botão do alarme, a Joana me olhou surpresa, acho que ela pensou que eu ia
devolver a chave e emendou rapidamente.
— Pode ir com o carro,
ele é seu a partir desse momento, fica com você livremente enquanto for...
submissa dele. – Ela riu, brincando e eu ri junto.
O carro era meu? Meu
deus, eu tinha um carro e graças a aquele panaca.
Eu estava começando a
gostar disso, acho que conseguia aguentar ele com todos aqueles benefícios ao
meu favor.
— Ser submissa tem suas
vantagens. – Eu brinquei e ela riu, saímos andando em direção ao elevador e ela
me olhou, franzindo o cenho, confusa e eu disse. – Deixei minha mala no guarda
volumes da recepção.
— Ah, vai mesmo
aproveitar o fim de semana? – Ela riu e eu assenti com a cabeça.
— Mais ou menos. Vou
visitar meus pais no interior de São Paulo.
Entramos no elevador, ela
apertou o botão 15 e eu apertei o botão T, de térreo.
— Bom, faça boa viagem,
descanse bastante, divirta-se e se prepare para a loucura que vai ser sua vida
a partir de segunda-feira.
Eu sorri e ela me sorriu
de volta, dando de ombros.
— Infelizmente não estou
brincando. – Eu soltei uma risada mais alta.
— Tudo bem, estou
preparada para isso. – O elevador parou, o térreo era muito perto do subsolo
né, as portas se abriram e ela me abraçou. Eu gostava da Joana, ela era uma
pessoa muito boa, atenciosa e sincera, a gente ia se dar muito bem, eu sabia
disso. Sussurrei um: - Obrigado Joana.
Ela sorriu e disse:
— Pode me chamar de Jô. A
gente se vê segunda. Boa viagem.
Sai do elevador dando um
tchauzinho para ela, as portas se fecharam e eu me virei para seguir até a
recepção para pegar minha mala.
A moça da recepção me
olhou, curiosa, eu disse que iria embora de carro e ele estava no subsolo e ela
assentiu, me entregando a mala enquanto eu voltava em seguida para o elevador,
descendo para o estacionamento.
Que coisa né, entrei
naquele prédio a pé, sem nada e estava saindo com um carro, um celular
maravilhoso, um cheque de mil reais e uma bolsa cheia de coisas para meu novo
emprego.
Que evolução heim, isso
que eu chamo de emprego!
A chave do carro ainda
estava na minha mão quando o elevador abriu a porta, caminhei até o carro e
parei em frente a ele, de repente me ocorreu uma ideia que apesar de obvia, eu
não tinha pensado ainda.
Caramba, eu tinha um
carro! Eu tinha um carro!
Eu não ia mais precisar
ir para o Tiete e pegar um ônibus para ir para a casa dos meus pais, nem ligar
para meu pai me buscar na rodoviária quando eu chegasse na cidade, não, eu ia
poder ir dirigindo, dirigindo meu próprio
carro, meu próprio carro que era um Citroen C4.
MEU DEUS!
Okay, aquele babaca,
idiota, metido e filhinho de papai estava perdoado.
Mas ele não precisava
saber, não é mesmo?
Apertei o botão do
alarme, abri a porta de trás e coloquei no banco de trás a mala, minha bolsa de
ombro e a bolsa que tinha ganhado da Joana, com todos aqueles itens importantes
para o trabalho, e fechei a porta, indo para o banco da frente e me ajeitando
no banco. Fechei a porta, coloquei o cinto e fiquei ali, por uma eternidade,
olhando meu novo carro que era hiper, mega, ultra chique.
Eu odiava o Luan Santana,
mas tinha que confessar, estava adorando tudo aquilo que eu estava ganhando
para trabalhar com ele.
Meus pais moravam numa
cidadezinha que ficava há umas duas horas de viagem de São Paulo, era uma
cidade pequena e comparada a São Paulo então, era uma cidade minúscula, mas
ainda assim não era tão minúscula assim, tinha até um shopping lá, quer dizer,
um mini shopping, se também for comparar com São Paulo, mas era uma cidade
tranquila, muito bonita e sossegada, e eu passara uma adolescência inteira
louca para sumir de lá e meus pais loucos para ficarem lá até morrerem, por
isso, eu só ia para visita-los mesmo e nada mais.
A viagem de carro foi
mais rápida do que de ônibus, demorei uma hora e meia até a cidade e fui
aproveitando o caminho, a paisagem, ouvindo minhas músicas favoritas no rádio
do carro e aproveitando meu carro novo. Como era bom ter um carro!
Quando cheguei em frente
à casa dos meus pais e buzinei, minha mãe saiu até o portão e arregalou os
olhos ao me ver dentro do carro, e que carro, diga-se de passagem. Abri a porta
e sai, toda sorridente, já vendo meu pai ao lado da minha mãe e o espanto
deles, surpresa e felicidade, tudo ao mesmo tempo naqueles rostinhos que eu
adorava tanto.
— Meu Deus, minha filha,
que carro é esse? – Minha mãe veio, toda animada, admirando o carro, era mesmo
lindo!
— Gostou mamãe? – Eu vi
meu pai se aproximando, o olhar admirado, mas o rosto estava meio sério, meio
duvidoso, eu conhecia aquele olhar, ele estava com medo, do que será? – Papai?
Ele desviou os olhos do
carro e me olhou, abrindo o sorriso, mas o sorriso era aquele temeroso, não
totalmente sincero como o da minha mãe que estava se derretendo pelo carro.
— Que coisa mais linda,
Mel, minha nossa, quando foi que você comprou isso? Por que não nos contou
nada? – Eu ri, ela estava completamente entusiasmada. Percebi que alguns
vizinhos que estavam na calçada ficaram olhando, provavelmente tentando
entender o que estava acontecendo para espalhar para os outros vizinhos que não
estavam vendo a cena.
Olha
lá, a filha do Antenor e da Carmen comprou um carro, você viu só? Um carrão,
novinho, do ano. Fiquei sabendo que ela está trabalhando em São Paulo e
ganhando muito bem?
É
mesmo? Mas será que é um emprego decente? Ou será que ela virou garota de
programa?
Eu já podia imaginar as
conversas e eram mais ou menos assim mesmo.
— Mellissa, onde foi que
você arrumou dinheiro para comprar um carro desse, minha filha? Parece um carro
bem caro. – Eu sabia que a mente do meu pai estava trabalhando a todo vapor e
ele estava desconfiado.
— Na verdade, eu não
comprei, ganhei no meu chefe. – Os olhos do meu pai se arregalaram.
Ai meu deus, será que ele
também estava pensando que eu estava trabalhando de garota de programa?
— Do seu chefe? – Ele
perguntou, assustado, o pânico aumentando em sua voz, e eu comecei a rir,
nervosa. Quando fico muito nervosa assim começo a rir.
— Mellissa? – Perguntou
minha mãe, se aproximando de nós, e eu comecei a rir.
Meu
deus, eles estavam entendendo tudo errado.
—
Meu Deus, vocês estão pensando o que de mim? – Eu disse rindo, tentando
explicar para ver se eles entendiam direito. – Ganhei do meu serviço, para
trabalhar, não do meu chefe exatamente, mas foi ele que pagou, né. É para o
trabalho, é que eu vou precisar viajar bastante, andar para lá e para cá em São
Paulo, então preciso de um carro, não é meu. Podem ficar tranquilos, eu não
estou me prostituindo.
Disse
finalmente e dessa vez foi minha mãe que arregalou os olhos.
—
Mellissa! – Eu abracei meu pai pelo
ombro que agora parecia mais relaxado e dei-lhe um beijo na bochecha.
—
Não se preocupe papai, mas olha, eu posso aproveitar bastante do carro enquanto
é meu emprestado. – Meu pai sorriu e eu puxei ele em direção ao carro para ele
ver melhor. – É um carro e tanto não é, papai?
—
Ah sim, muito bonito, minha filha. Que bom que essa empresa te deu o carro
então, vai te ajudar bastante, não é?
Eu
sorri, aliviada por ver o olhar dele mais calmo e sereno novamente. Nossa, meus
pais deviam estar vendo muita novela ou o Datena, que isso gente.
—
Vamos entrar então, pega suas coisas, acabei de servir o almoço, demorei para
fazer só para dar tempo de você almoçar com a gente. – Minha mãe foi entrando
para dentro de casa e meu pai ficou para trás para me ajudar com as malas.
Peguei as duas bolsas de mão e entreguei para
ele, era melhor eu levar a mala mais pesada, não gostava de deixar ele fazer
esforço, afinal de contas, vivia tendo dores nas costas e na coluna.
Meu
pai tinha agora quase sessenta e cinco anos e minha mãe quase sessenta, tinha
cinquenta e oito, mas eu achava eles bem acabadinhos para a idade deles, talvez
fosse por terem trabalhado demais a vida toda, haviam tido uma vida bem dura e
difícil, e eu me orgulhava muito deles por isso, apesar de tudo, eles tinham
vencido na vida, me deram uma boa educação e fizeram de tudo para que eu
pudesse ir estudar em São Paulo e conquistar meus sonhos, o que, claro, nada
tinha sido de mão beijada, eu tinha trabalhado toda minha adolescência também
para juntar dinheiro e pagar a faculdade, um exemplo que peguei deles.
—
Sua mãe comentou que você conseguiu um ótimo emprego, vendo o carro agora vejo
que realmente é muito bom! – Meu pai ficou ao meu lado me esperando e começamos
a caminhar devagar para dentro de casa.
—
Ah, papai, é um emprego maravilhoso. O salário inicial já é excelente e depois
vai aumentar ainda mais. Vou poder ajudar vocês e ainda guardar um bom dinheiro
na poupança, eu jamais conseguiria gastar tudo o que vou ganhar. – Eu disse,
toda sorridente. Sim, o dinheiro do salário e dos benefícios me ajudariam
muito, eu poderia ajudar mais meus pais, talvez consertar o vazamento da
cozinha que vinha dando problemas há meses, talvez trocar o fusca velho que meu
pai tinha por um carrinho mais novo, nada muito caro, mas um uno 1996 já o
ajudaria bastante, aquele carro estava caindo aos pedaços já. E o que sobrasse,
eu poderia guardar na poupança para um futuro, dez mil por mês era coisa
demais, se eu conseguisse ficar trabalhando com ele por bastante tempo, poderia
juntar o suficiente para comprar um apartamento meu mesmo, uma vez que o que eu
morava era alugado.
Mas
eram sonhos demais e eu era uma garota realista, não gostava de sonhar tanto,
por isso, voltei a realidade, um passo de cada vez, eu nem tinha visto de fato
como era trabalhar na função da Joana, que parecia bastante responsabilidade, e
ainda por cima, aguentando aquele panaca.
—
Ah, minha filha, estou tão orgulhoso de te ver subindo na vida, continue assim,
degrau por degrau, e você vai chegar longe. – Eu parei e sorri, olhando para
ele, o homem que eu mais amava no mundo e senti meu coração se inflando como um
peixe boi.
—
Devo tudo isso a vocês, papai, sem vocês eu jamais chegaria onde estou indo. –
Ele sorriu, os olhos ficando vermelhos, ele iria chorar se eu continuasse
falando, eu conhecia ele muito bem.
Ele
riu.
—
Assim você vai fazer esse velho bobão chorar. – Eu ri e apertei o botão do
alarme do carro, seguindo para dentro de casa.
—
Vamos logo antes que a mamãe nos arraste pelos cabelos para o almoço. – Ele riu
e me acompanhou, me ajudando a levar minhas coisas para o meu quarto que
permanecia como sempre desde que eu tinha saído de casa.
Coloquei
as malas sobre a cama e segui o cheiro maravilhoso da comida até a cozinha. A
mesa estava posta, os pratos e talheres em cada lugar, copos de boca para
baixo, no centro da mesa uma travessa de arroz, uma de feijão, uma de salada de
maionese e uma de bife à parmegiana. Havia uma jarra de suco de laranja natural
também, meus pais não tomavam refrigerantes e eram adeptos a natureza,
incentivando todo mundo que ia em casa a tomar um delicioso suco natural,
laranja, abacaxi, goiaba, manga, e confesso, os sucos da minha mãe eram uma
delícia!
Ela
sabia como me agradar! Sou apaixonada por bife à parmegiana e salada de
maionese.
Segui
até meu lugar de sempre e puxei a cadeira me sentando. Na minha casa, desde que
me conheço por gente, os almoços e jantares são assim, na mesa, com ela posta,
pratos e talheres para cada pessoa, a comida no meio de modo que você pode se
servir sem sair da mesa e comer o quanto quiser, quando o almoço acaba, minha
mãe e eu recolhemos os pratos e a comida, e minha mãe vem com a sobremesa, sim,
sempre tem sobremesa, e essa é sempre a melhor parte, minha mãe é uma
cozinheira de mão cheia, assim como a comida, a sobremesa é sempre espetacular.
Fizemos
uma oração de agradecimento e mamãe pegou o prato do papai para servi-lo, ela
gostava de servir ele sempre, eu peguei meu prato e coloquei um pouco de salada
de maionese e um pedaço de bife à parmegiana, e assim nosso almoço seguiu,
tranquilo, calmo, em família, eu me sentindo em casa novamente, como se fosse
uma adolescente que ainda não tinha saído de casa, ainda não tinha arrumado um
trabalho e ainda não trabalhava para o Luan Santana, apenas uma adolescente
normal. E esse sentimento era um dos que eu mais gostava de sentir, como se eu
ainda fosse só uma adolescente normal.
Depois
do almoço ajudei mamãe na cozinha, lavando a louça enquanto ela secava e
guardava, ficamos conversando sobre os acontecimentos da cidade e da família, a
notícia mais importante e falado do momento era que a filha mais nova da minha
tia Ana tinha ficado gravida, que decadência, a menina só tinha treze anos, ela
sim deveria ter o quarto cheio de pôsteres do Luan Santana, sonhando em casar
com o cara ao invés de ficar por ai fazendo sexo e arrumando filho, pelo amor,
ela só tem treze anos, onde esse mundo chegou?
A outra notícia da
família que eu precisava saber era que a Carol, filha da Bernadete, tinha
assumido que era lésbica e a família toda estava com o pavio curto por isso,
como se isso fosse um bicho de sete cabeças e a menina tivesse assumido que na
verdade era homem, ou que tinha duas cabeças, ou dois pintos lá em baixo.
Francamente, eu sou mais contra a menina gravida com treze anos do que a outra
que virou lésbica. Tinha também a notícia de que descobriram que o padeiro da
comunidade era pedófilo, que filho da puta! E que a igreja batista da cidade
estava roubando dinheiro do povo com falsas obras que nunca aconteciam. Ah,
francamente, eu adorava morar em São Paulo por isso, você não ficava sabendo da
notícia de que a igreja do seu bairro roubava, nem que o padeiro da padaria
onde você comprava pão toda manhã gostava de menininha (isso se ele não for o
pai do filho da menina de treze anos né, nem sempre todo pedófilo é só de
criança, as vezes é dessas menininhas que querem ser abusadas. Só para constar).
São Paulo você só sabia das coisas se assistisse jornais sensacionalistas, se
você tivesse uma vida como eu, que se fixava em séries americanas, filmes e The
History Channel, podia ter uma vida muito mais saudável e tranquila.
Mas minha mãe adorava uma
fofoca, como toda mulher idosa de cidade pequena. Fazer o que. E eu fiquei lá
ouvindo as novidades.
— Hoje à noite vamos
fazer a festinha da Hilda, ela não sabe, vai ser surpresa. – Eu já imaginava
como essa surpresa iria acabar.
— Aposto que vai ser aqui
em casa. – Tudo era na casa dos meus pais, absolutamente tudo, e quando eu era
adolescente eu simplesmente ODIAVA
isso, aquele monte de gente fazendo bagunça, falatório, ninguém te deixando em
paz, aff, eu queria matar todo mundo colocando veneno na comida deles, mas não
podia, então tinha que aguentar calada. Agora estava eu ali de volta, naquelas
festas que sempre odiava.
É a tragédia de se morar
longe, você às vezes é obrigado também a aguentar festas que odeia, não tem
como escapar nem quando se mora longe.
— Claro, a Bernadete não
pode fazer, com essa coisa da Carol, ela está meio abalada demais. – Revirei os
olhos. – A Ana mora numa casa muito pequena, e eu nem sei onde vão colocar o
berço do bebe da Jussara. – Revirei os olhos mais uma vez. – O Paulinho não
gosta de festas na casa dele.
— Eu também nunca gostei
de festas em casa e elas nunca deixaram de acontecer.
— Ah, seu tio Paulo já
está velho caduco, deixe ele lá, aqui em casa temos mais liberdade.
— Claro. – Eu não ia
discutir né, eu nem morava mais ali de verdade.
— E temos que contar a
novidade do seu trabalho, todo mundo vai adorar.
Ai, esse era o momento
mais difícil, eu não queria ninguém colocando olho gordo no meu trabalho.
— Mamãe, sobre meu
trabalho... – Eu comecei, ela se virou e me olhou, eu ia começar a dizer que
não queria que ninguém soubesse sobre o carro, sobre o trabalho, e tinha ainda
o lance de eu trabalhar para o Luan Santana, que eu sequer tinha contado para
ela, mas ela me cortou antes que eu sequer falasse.
— Querida, eles são sua
família também. – Claro. Revirei os olhos.
— Mamãe, tem uma coisa
que eu preciso te contar... mas me promete que ninguém vai saber? Nem mesmo a minha família? Tem que ser sigiloso para
a segurança dele.
Ela franziu a testa e me
olhou, o pano de prato sobre o ombro, os cabelinhos pretos com fios brancos
presos atrás formando aquele rabicozinho, eu tinha que contar né, não podia
esconder dela.
— O que foi querida? Não
diga que está gravida! – Revirei os olhos, soltando o ar exasperada.
— Meu Deus, o que vocês
acham que eu fico fazendo em São Paulo? – Ela soltou o ar, aliviada e riu.
— Fala logo, vai me matar
de curiosidade.
— A empresa que eu estou
trabalhando... – Ela me olhou, os olhinhos curiosos, atentos, esperando eu
dizer. Respirei fundo e contei até três. Eu ia me arrepender de fazer isso
hoje. – É do cantor Luan Santana. Eu vou trabalhar direito para ele.
— Ah meu Deus!
— Mamãe, ninguém pode
saber.
— Claro, ahan, pode
deixar, Mel, ninguém vai ficar sabendo.
Quatro horas depois...
— Mel, é verdade que você
está trabalhando para o Luan Santana?
A casa estava cheia de
gente, a família toda até mais gente do que eu lembrava, será que a família
tinha crescido tanto assim na minha ausência?
Eu estava com uma taça de
vinho na mão, agora que não era mais criança eu podia beber como os adultos e
com os adultos, era a única parte boa, a prima que eu menos gostava, que me
idolatrava, me adorava e parecia uma criança de treze anos, mas não aquela que
ficou gravida que pensava ter a idade da Paula, estava me enchendo de
perguntas, parece que minha mãe amada não guardou a língua dentro da boca.
Novidade.
Sorri forçada para ela e
não respondi de imediato, na verdade, mudei de assunto, eu não queria confirmar
isso para ninguém, era melhor parecer que era loucura da minha mãe, né.
— Ué, Paula, minha mãe
disse que você estava com dengue. – Parece que não, não é mesmo?
— Ahan, fiquei bem
doentinha, mas já melhorei. – Não diga.
— E a Lucila? Fiquei
sabendo que ela está viajando. Você não quis ir junto?
— Ela foi visitar meu
pai, no Rio, ah, eu queria muito ter ido, mas minha mãe não deixou, era a vez
da Lu, não minha. – Soltei um “ah, sim”, a mãe tinha que deixar elas viajarem,
quase como crianças e meu Deus, elas iam fazer vinte anos.
Suspirei e disse um “já
volto, vou no banheiro”. Sai de fininho, caminhando entre aquele monte de
gente, pessoas que me cumprimentavam aqui e ali, coisas como, “ai que
saudade.”, “Como você cresceu”, eles me viram da última vez no ano novo, eu nem
cresci de lá para cá... “Você tá linda, emagreceu?”, ah, sim, obrigado, isso
foi meu tio Antônio, sempre tão gentil, adoro ele.
Caminhei até chegar perto
da minha prima que eu mais gostava, Cristiane, madura, mais velha que eu,
sempre tão centrada, inteligente, estava fazendo faculdade de enfermagem, pelo
menos alguém decente naquela família para conversar, né.
— Mel! – Ela exclamou
feliz quando me viu. – Como você tá linda!
Abracei ela e devolvi o
elogio, ela tinha engordado um pouquinho, mas continuava linda, era branca, os
cabelos negros caiam lisos e brilhantes pelos ombros, o sorriso era imenso,
daqueles sempre sinceros, bonitos de se ver, e o riso dela era sempre
contagioso.
— E como está São Paulo?
Aquela cidade é uma loucura, né? – Eu sorri e concordei com a cabeça.
— Nossa, bota loucura
nisso, Cris, mas eu adoro lá, não troco aquela cidade por nada no mundo! – Pura
e simples verdade, eu amava o caos de São Paulo, amava andar de metrô (agora
que tinha carro ia sentir falta disso), adorava ver as pessoas andando agitadas
para lá e para cá, sem nem prestarem atenção a você, e de saber que eu fazia
parte deles, que eu também era uma louca andando apressada para lá e para cá;
eu amava demais aquele lugar.
— Você está no seu lugar
certo então. – Eu assenti com a cabeça, e ela se inclinou para mim antes de
perguntar. – Estou ouvindo por aí que você vai trabalhar com o Luan Santana? É
verdade?
Eu soltei um risinho. E a
fofoca corre solta, pelo menos não vão mais dizer que eu virei garota de
programa em São Paulo, mas sim que eu estou namorando o Luan Santana às escondidas,
mas inventei que trabalho com ele, viu só, até um carro ele já me deu!
Rsrsrs.
— Vou ser assistente
pessoal dele. – Eu disse e ela me olhou surpresa por um segundo.
— Caramba, Mel! Que
bacana, nossa, que legal. Parabéns! – Ela me puxou para si e me deu um abraço
apertado, o resto da família envolta começaram a olhar curiosos, com certeza
pensando: Será que ela está gravida também?
Ela me soltou e eu sorri,
agradecendo, a Paula já estava no meu encalço, que droga, acho que ela ouviu,
veio toda eufórica.
— Você tá mesmo
trabalhando com o Luan Santana? AHHHHH, NÃO ACREDITO! – Quase tapei os ouvidos,
a Cris fez uma cara feia e eu ri, concordando com ela só com a cabeça. A Paula
continuava. – Por favor, pede um autografo para ele? Tira uma foto dele para
mim? Pede para ele um DVD autografado? Não, uma camiseta autografada! Tira uma
foto você com ele para eu mostrar pras minhas amigas?
Droga, droga, droga.
— Não posso, Paula.
Desculpe. – A Cris me fez um gesto de “boa sorte” e saiu de fininho, eu fiquei
ali, mais meia hora tentando me livrar da louca que só faltava me pedir a cueca
usada do cara, já bastava eu adorar ele, só que não, agora tinha que aguentar
uma prima que já é louca naturalmente, mais louca ainda por causa dele e
mostrando sua histeria no meu ouvido?
Já pode começar a se
acostumar, Mellissa.
E meu subconsciente
estava certo, eu tinha que começar a me acostumar, a minha prima louca era só o
começo do que eu ia ouvir, será que eu estava preparada?
Me livrei da Paula e sai
de fininho, dizendo que estava com dor de cabeça e cansada da viagem e que iria
descansar um pouco, e segui até o meu quarto, entrando e trancando a porta
atrás de mim.
Eu realmente estava
cansada, tinha acordado cedo, tinha dirigido por duas horas e tinha aguentado
aquele povo até demais, e não estava mentindo de todo, mas eu também queria
ficar sozinha, queria pensar mais sobre o meu novo emprego, a tietagem e
histerismo da Paula tinham me feito ficar pensando em como deveria ser as fãs
dele, como deveria ser um show, ou um evento, será que elas eram mesmo escandalosas?
Tentei me lembrar do dia da rádio, mas eu estava tão preocupada com outras
coisas que nem reparei nas meninas, agora eu estava curiosa para saber como
era, por isso, me troquei de roupa, colocando meu pijama, peguei meu notebook e
deitei na minha antiga caminha de solteiro, debaixo do meu antigo edredom, e me
recostei no travesseiro, começando a pesquisar no Youtube a palavra chave “Luan
Santana”. Se eu ia trabalhar com o cara, eu precisava de fato conhecer um pouco
mais sobre ele e a vida dele.
Tinha muitos vídeos de
clipes, músicas, shows, mas comecei a olhar os de bastidores, entrevistas que
mostravam a vida dele e ao ver sempre uma multidão de meninas gritando,
ensandecidas, em todo lugar que o cara ia, comecei a sentir um certo pânico
dentro de mim.
Eu odiava ele, Okay que o
carro, o salário e tudo aquilo valiam a pena, mas eu ainda sentia uma raiva,
uma aversão por ele dentro de mim, tudo resultado daquele acidente na rua há
alguns dias que já pareciam uma eternidade, mas agora eu ia aguentar milhares
de meninas gritando no meu ouvido o nome dele, chorando, berrando, coisas bem
piores do que a Paula, com toda certeza, e pensar nisso fazia meu estomago dar
uma volta completa.
Eu estava apavorada.
Além de aguentar ele, ia
aguentar um monte de louca que morriam de amores por ele.
Será que eu ia mesmo dar
conta daquilo?
A quinta-feira tinha
chego com mais pressa do que eu gostaria, mas era só porque eu queria mais uns
dias de folga em casa, no fundo eu sabia que estava com saudade já da correria,
dos shows, das minhas fãs ensandecidas enquanto eu ensandecia elas de cima do
palco, coisas que faziam parte da minha vida e eu amava isso profundamente.
Acordei por volta das
nove da manhã com meu celular vibrando em cima da mesa de cabeceira, me
estiquei e tateei a mesa até minha mão encontrar meu celular, fechando envolta
dele e olhando a tela com um dos olhos abertos e o outro fechado, o sono ainda
tomando conta do meu corpo noventa por cento.
Advinha quem era? Te dou
um beijo se descobrir.
Obvio que era a Joana,
dizendo que estava na hora de acordar, mas eu ainda estava com sono, por isso,
coloquei o celular do lado na cama, virei para o outro lado e voltei a dormir.
Parecia que eu tinha
dormido mais umas cinco horas quando acordei novamente, o celular vibrava
ensandecido sobre a cama, o barulho do vibra acordando todos os meus sentidos e
me fazendo espreguiçar na cama empurrando o lençol para o lado.
Que droga, Joana, você é
uma estraga sono alheio.
Peguei o celular e
deslizei o dedo na tela para atender a outra louca que me enlouquecia.
— Não me diga que eu
estou atrasado. – Eu dei uma risadinha e ouvi o suspiro da Jô do outro lado da
linha.
— Bom dia, belo
adormecido! Sabe que horas são?
— Você vai me dizer de
qualquer maneira.
— O jatinho vai sair de
São Paulo daqui duas horas. – Franzi o cenho e afastei o celular do ouvido para
olhar as horas. Eram dez da manhã, íamos sair meio dia então, achei meio
estranho, normalmente eu costumava ir para o local dos shows mais à tarde, as
vezes tinha entrevistas em rádio, mas nem sempre tinha, quando não tinha eu ia
um pouquinho mais tarde ainda.
— Ué, você marcou muita
coisa para mim, lá?
— É a festa do boiadeiro
paulista, quase um Barretos, mas bem menor, ainda assim vai ter outros shows
antes e depois de você, e vamos ter que dar entrevista na rádio local e também
no local do evento.
Agora sim estava
explicado, era um evento, uma festa de maior escala, envolvia mais coisas, mais
trabalho antes do show, sem tempo de passagem de som, um palco que não seria
somente o meu, então não envolvia o show de sempre, era uma coisa menor, eu não
ia conseguia colocar meu show inteiro ali porque outros artistas viriam antes e
depois de mim, então teria só alguns jogos de luz do cenário e minha banda.
— Vai minha banda e
dançarinos? Ou vamos fazer um show mais comum, sem as coisas de sempre?
— Sem dançarinos, só
nossa banda, luzes e cenário, só uma parte do cenário também, algo pequeno, é
tipo um festival, o pessoal vai para ver os cantores, não o show completo em
si.
Foi o que eu imaginei.
Assenti com a cabeça, mas
lembrei que estava no telefone.
— Foi o que pensei.
Beleza, vou tomar uma ducha e tomar o café da manhã, pode mandar o Caio ou o
Rodrigo me pegar as onze que já estarei esperando.
— O Rodrigo estará aí, o
Caio vai depois com o Jordan.
Nos despedimos e
desliguei, me ergui, colocando as pernas para fora da cama e ficando sentado na
beira da mesma. Respirei fundo e estiquei as mãos acima da cabeça, me espreguiçando,
as costelas estalando.
A claridade do dia
penetrava o quarto através das cortinas e eu fiquei um tempo assim, já me
preparando mentalmente para mais um dia louco que estava começando, adeus vida
normal, bem-vinda vida louca, vida, já que eu não posso te levar, quero que
você me leve.
Eita Cazuza, era um homem
sábio.
Me levantei e segui em
direção ao banheiro, estava sem camisa, apenas com uma cueca samba-canção e
tirei ela quando entrei no banheiro, seguindo para meu banho matinal. Era
melhor acordar logo porque o dia ia ser longo.
Sai do banho e me arrumei, eu sabia que tudo
mais que eu precisasse a Joana já estaria levando, então só me preocupei de
pegar os óculos de sol, uma touca para amassar meus cabelos mais tarde até o
horário do show e meu celular e fui tomar o café da manhã. A Dona Maria estava
cuidando da casa, mas tinha deixado a mesa do café posta, eu estava sentado à
mesa quando o Rodrigo chegou.
— Fala chefe! – Ele tinha
mania de me chamar de chefe só para zoar, apesar de eu ser basicamente o chefe
mesmo de todo mundo, mas eu não costumava ver desse jeito.
— Toma café ai, cara,
acho que temos alguns minutos ainda, não temos?
Ele puxou uma cadeira e
se sentou, estiquei para ele uma xicara e ele a pegou, servindo um pouco de
café enquanto eu comia um misto quente com pão de forma feito pela Dona Maria.
— Segundo a Joana, você
tem dez minutos para estar dentro do avião. – Ele disse e nós dois rimos em
seguida. A Joana era sempre exagerada, mas acho que o exagero dela era só para
eu não perder tanto a hora.
— Achei que eu tinha dez
minutos para chegar em Ribeirão. – O Rodrigo riu e pegou um pedaço de bolo de
cenoura com cobertura de chocolate.
— Acho que dá tempo de eu
tomar um cafézão aqui ainda, chefe. – Eu ri.
— Fica à vontade,
qualquer coisa, foi eu que enrolei.
— Ela nem vai duvidar. –
Nós rimos e tomamos o café da manhã tranquilamente enquanto a Joana devia estar
quase parindo o filho que acabou de fazer.
Cerca de vinte minutos
depois estávamos dentro do carro seguindo para o aeroporto onde meu avião
particular estava nos aguardando. Sempre viajava para os shows de avião, mesmo
sabendo que era um risco, era a maneira mais rápida de eu me locomover, ainda
mais com uma agenda tão cheia e tantos compromissos, pois, nunca era só o show,
tinha sempre outras coisas antes, entrevistas, promoções, por isso, não tinha
outro jeito.
A minha agenda de shows
normalmente sempre começava as quintas, exceto quando havia feriados nas
quintas, daí começava na quarta, véspera de feriado, havia também os casos de
feriados numa terça, onde o país inteiro emendava a segunda-feira, em casos
assim, as vezes eu também fazia show segunda, ou seja, minha agenda de shows
era baseada em feriados e finais de semana, por isso também, eu não podia ser
um cara normal que saia com a namorada nos finais de semana para aproveitar,
nesses dias, eu estava sempre de plantão.
Chegamos ao aeroporto
rapidamente, devido ao horário, a cidade estava tranquila ainda, e quando
chegamos a Jô já estava nos esperando, e parecia bem preocupada como se algo já
estivesse dando errado logo cedo.
— Ah, nossa, que bom que
chegou. – Ela me recebeu como se o show fosse daqui há meia hora e eu estivesse
mega atrasado.
Típico.
— Demorei um pouco mais
no banho me depilando. – Ela me olhou, erguendo a sobrancelha e eu ri, gostosamente,
fazendo ela fechar a cara e me empurrar em direção ao avião.
— Tive um problema e
vamos ter que fazer uma paradinha no caminho.
Entrei dentro do avião,
na verdade, era um jatinho com espaço para seis lugares, mais o piloto e
copiloto, ali ia sempre eu, a Jô, um ou dois seguranças, e alguma estagiaria
que a ajudava a cuidar de tudo, hoje ela estava sem a estagiaria. Me sentei no
meu lugarzinho de sempre, vendo ela entrando no avião depois do Rodrigo que
sentou-se no banco mais atrás, a Jô sentou atrás de mim, mas não tinha colocado
o cinto ainda, o piloto estava se preparando ainda para o voo, por isso, ainda
tínhamos um tempinho, cerca de cinco minutos antes de decolarmos.
— O que aconteceu? – Me
virei de lado e a observei, estava conversando com alguém no whatsapp, ela me
respondeu sem erguer os olhos.
— A menina, estagiaria,
ficou doente, parece que está com dengue, está no hospital, a outra que vai
comigo as vezes, o irmão parece que sofreu um acidente ontem à noite, e também
não vai conseguir vir... – Caramba, ela não estava mesmo com sorte.
— E você não consegue
nenhuma outra estagiária agora? – Ela suspirou e ergueu os olhos finalmente,
havia duas rugas envolta dos olhos dela, rugas de preocupação, eu já estava
acostumado a ver aquilo ali.
— Consegui uma pessoa,
meio em cima da hora, e ainda sem a experiência necessária, mas eu sei que vai
conseguir me ajudar.
Uffa, pelo menos ela ia
ficar menos histérica, imagine só se ela tivesse que enfrentar um festival
sozinha, sem ninguém para ajudar ela na assessoria, ela ia ficar louca e me
enlouquecer junto.
Sorri, aliviado.
O piloto entrou e
sentou-se no seu lugar, em seguida o copiloto assumiu seu posto e eu me virei,
colocando o cinto e esticando as pernas numa espécie de banquinho a minha
frente, e quase deitando no meu lugar, abaixando a aba do boné e me preparando
para um cochilo.
A Jô me cutucou e eu
virei o rosto de lado tentando vê-la enquanto ela dizia perto do meu ouvido.
— Vamos parar numa cidade
antes, para pegar minha ajudante, é no interior aqui perto, cerca de uns vinte
minutos estamos lá, não durma.
Revirei os olhos e
voltei-me para a frente, olhando pela janela do avião no momento em que ele
começava a deslizar pela pista, alçando voo em menos de cinco minutos,
alcançando os céus de São Paulo e seguindo para mais um fim de semana de shows,
correria, fãs e tudo aquilo que eu amava tanto, era cansativo, mas eu amava
tudo aquilo.
Sorri comigo mesmo e
ignorando qualquer ordem da Jô fechei os olhos e, como se estivesse deitado em
minha cama e não há vários pés do chão, cai num sono profundo.
Eu estava no meio de uma
multidão, milhares e milhares de meninas com pôsteres na mão e gritando,
ensandecidas, o nome dele ecoava em minha mente incessantemente, o barulho era
como um enxame de abelhas, mas eram só fãs, fãs enlouquecidas, histéricas, loucas
por ele, loucas para alcançar ele. Me virei e o vi, parado a frente, o sorriso
sacana nos lábios, ele estava me olhando, parecia preocupado, mas ao mesmo
tempo se divertindo, como se estivesse rindo da minha cara, ah com certeza ele
estava rindo da minha cara.
Olhei para mim mesma e vi
a camiseta, eu era a nova assessora dele e, meu Deus, as fãs, eu tinha que
protegê-lo, tirar ele dali, me virei e vi a multidão de meninas, agora muito
mais perto, correndo na direção dele, eu não podia deixar elas chegarem perto
dele, por isso, me virei e sai correndo na direção dele, mas ele não estava
mais lá, ele tinha sumido.
Comecei a me virar para
todo lado, procurando por ele, que droga, eu ia ser mandada embora, eu o tinha
perdido, as fãs deviam ter pego ele e agora eu estava ferrada, ia ser mandada
embora, ia perder meu cheque de mil reais e o meu carro lindo, novinho. Eu não
podia deixar isso acontecer, por isso comecei a correr no meio daquelas meninas
e a gritar o nome dele, eu tinha que achá-lo, eu precisava acha-lo,
urgentemente.
LUAN! LUAN!
Acordei no susto, o nome
dele ecoando pelo quarto e eu encarando o teto rosa do meu quarto, a respiração
ofegante, o coração batendo a mil por hora e o silencio do quarto, da casa e da
cidade do interior ressoando como um animal adormecido a minha volta.
Fechei os olhos e
respirei fundo.
Era só um sonho, ou um
pesadelo, eu não tinha certeza, mas não era real, era só minha mente preocupada
demais. Eu havia passado horas na noite anterior assistindo reportagens, shows,
vídeos de fãs enlouquecidas correndo atrás do carro dele, e por isso, ele e
elas tinham invadido meu sonho e quase me feito enfartar, além de me deixar com
uma ponta de medo do trabalho que eu mal tinha começado, será que eu ia mesmo
dar conta daquilo tudo?
Resolvi parar de pensar
naquilo tudo e me levantar, ia tomar um banho gostoso, depois tomar um café da
manhã tranquilo e depois pensar no que fazer com o resto da minha tarde. Agora
que tinha um carro e um cheque de mil reais na bolsa podia levar a mamãe até o
shopping para fazer umas comprinhas, quem sabe levar ela ao cabelereiro e pedir
que, por favor, corte esse rabicózinho e faça um corte decente no cabelo de
mamãe. E foi o que eu fiz, bom, pelo menos a primeira parte, me levantei e fui
direto para um banho longo e demorado, deixando o banheiro como nos velhos
tempos, como uma sauna enquanto eu ouvia música nas alturas e lavava os cabelos
como se fossemos donos da empresa de abastecimento de água, como meu pai
costumava me dizer quando eu era só uma adolescente, mas não tinha jeito, eu
sempre me sentia uma adolescente quando voltava a casa dos meus pais.
Meia hora depois, eu
adentrei a cozinha, minha mãe estava lavando a louça distraída, eu sabia que
todo mundo já tinha tomado café, mas ainda assim a mesa estava posta me
esperando. Puxei uma cadeira e me sentei, pegando um copo enquanto olhava a
volta: um bolo redondo, parecendo de fubá no meio da mesa, o saquinho de pães
de sal da padaria do pedófilo, margarina, requeijão, presunto e queijo nos
potinhos de frios, o vidro de achocolatado e a garrafa térmica com café. Mamãe
se virou e sorriu para mim, secando a mão no pano de prato.
— Tem leite gelado na
geladeira, eu sei que você gosta. – Ela caminhou até a geladeira, abrindo-a e
puxando a garrafinha de leite integral, colocando-o sobre a mesa.
— Obrigado, mamãe.
— Você dormiu bastante.
Eu pensei em te acordar mais cedo, mas seu pai insistiu em deixar você
descansar, disse que a viagem era longa e você podia dormir já que estava de
folga. – Eu sorri, agradecida, realmente eu estava cansada na noite passada e a
noite bem dormida, apesar do pesadelo, tinha me feito muito bem, estava me
sentindo novinha em folha.
— O papai tem razão, eu
estava bem cansada. – Eu peguei o leite e servi-me de um pouco de leite,
distraída, pensando que eu devia ter dormido muito então, mas nem sabia que
horas eram... falando em horas, onde será que deixei meu celular.
Me levantei, de repente,
e mamãe olhou para mim, preocupada.
— Algum problema, Mel?
— Esqueci meu celular. –
Ela franziu a testa, os mais velhos nunca vão entender nossa necessidade de ter
o celular junto conosco o tempo todo, por isso emendei. – Pode ser que minha
chefe me mande alguma coisa, é bom manter ele por perto.
Voltei até o quarto e
peguei meu celular, mas quando estava na porta voltei, que droga, agora eu
tinha dois aparelhos, como eu ia conseguir carregar dois celulares de uma vez
só? Eu tinha guardado as bolsas dentro do meu antigo guarda-roupa, o celular
que a Joana tinha me dado para trabalho ainda estava dentro da bolsa da empresa
que eu ganhara, com todos aqueles itens, por isso, abri a mesma e puxei o
aparelho, percebendo que estava desligado.
Voltei a cozinha com o
celular da empresa numa mão e o meu em outra, mamãe me olhou interrogativa
quando sentei a mesa novamente colocando os dois aparelhos sobre a mesa, e
finalmente me servindo de um pouco de leite num dos copos que ela colocara ali
para mim.
— Um é o meu, o outro é
da empresa, tenho que andar com os dois agora. – Ela assentiu com a cabeça, a
minha resposta por sua pergunta muda e voltou-se as suas atividades que agora
era limpar o fogão.
Eu coloquei o
achocolatado no meu leite e fiquei mexendo ele, distraída, enquanto ligava o
celular da empresa e começava a mexer nele para ver como era, inacreditavelmente,
já tinha algumas mensagens o whatsapp; abri o aplicativo e senti meu coração
acelerando.
Duas conversas.
Fiquei olhando para as
duas com o coração palpitando no peito.
Luan Santana.
Cliquei na conversa e ela
se abriu na tela do celular.
Ótima maneira de começar
o dia, engolindo a idiotice do meu novo chefe.
“-
Bem-vinda a família Luan Santana.
-
Hm, acho que eu já te disse isso.
-
A Jô me passou seu número, nova assistente.
-
Agora você vai ter que me aguentar kkkkk
-
A gente se vê segunda.
-
Beijo ;)
-
Envocadinha rsrs
-
Ps. E quanto ao jantar...
-
Pode ser terça à noite, o que acha?”
Fiquei olhando as
mensagens pensando mil vezes no fundo da minha mente: idiota, idiota, idiota,
idiota... babaca... idiota, idiota, idiota!
Bufei, irritada, e sai da
mensagem, indo olhar a mensagem da Joana, mas as palavras dele continuaram ecoando
em minha mente como se eu pudesse ouvir cada frase naquela voz dele, com o
sorrisinho sacana nos lábios. Meu Deus, como ele tinha o dom de me deixar
irritada, incrível isso.
Estava tão irritada que
acabei esquecendo, momentaneamente, da mensagem da Joana e virando um gole do
meu achocolatado, para depois colocar mais leite e fazer mais um pouco, pegando
um pedaço do bolo de fubá.
Era melhor eu esquecer
ele pelo menos esse final de semana, como a Joana dissera, pelo menos um fim de
semana de paz.
— Estava pensando em
irmos no shopping mais tarde, dar um passeio, o que acha, mamãe? – Ela estava terminando
de limpar o fogão, agora passava um pano sobre o vidro, esfregando-o para
deixa-lo limpinho, sem nenhuma manchinha.
— Claro, é uma ótima
ideia. Podemos ir de carro? – Ela parou de limpar e me olhou, os olhos
brilhando, e eu ri, concordando com a cabeça.
— É claro que vamos de
carro, mãe, é para isso que eu ganhei um. – Ela riu e disse.
— Pensei que fosse para
trabalhar. – Eu fiz uma careta e revirei os olhos.
O celular sobre a mesa
começou a vibrar, me distrai momentaneamente da conversa com mamãe e olhei o
aparelho, desbloqueando e vendo uma nova mensagem no Whatsapp. Tomara que não
seja aquele babaca outra vez.
Abri o aplicativo.
Era a Joana.
Que droga, tinha
esquecido de olhar a mensagem dela, por isso, abri rapidamente a conversa e
enquanto ia lendo, minha boca foi se abrindo gradativamente, até que eu estava
lendo a mensagem de boca aberta e com o coração quase saindo pela boca.
Mamãe pareceu notar e me
olhou, assustada.
— Mellissa, o que foi?
Aconteceu alguma coisa? – Voltei a mim, erguendo os olhos e vendo o olhar
preocupado da minha mãe.
Meu deus, que droga, quer
dizer, que bom, mas que droga, mas que bom, ai nem sei mais se é bom ou se é
que droga!
— É minha chefe... – Eu
disse, inicialmente com a voz meio rouca, por isso, pigarreei e disse, com a
voz mais alta e tentando mantê-la firme. Mamãe ainda me olhava, apreensiva. –
Ela precisa de mim hoje, disse que está vindo me buscar.
— Hoje? – Minha mãe disse
mais alguma coisa, mas eu não conseguia prestar atenção mais.
Ai meu Senhor, ao invés
de começar segunda, num dia de semana, um dia mais calmo segundo a própria
Joana dissera, não, eu ia começar o meu primeiro dia já num show daquele
idiota, cheio de fãs e aquela loucura toda.
O sonho veio na minha
mente como um the flash e eu senti o pânico subindo junto com a bile, mas os engoli
e respirei fundo.
Calma, Mellissa, como
diria o Chapolim Colorado: Não criemos pânico.
Voltei os olhos para a
mamãe, ela estava falando, mas eu não fazia ideia do que, mas eu simplesmente
disse:
— Parece que as estagiarias
que costumam ajudar ela, não podem ir, e vai ter um festival hoje e o Luan vai
cantar lá, então ela precisa de alguém para ajudá-la, como eu sou a nova assistente...
ela vai vir me pegar aqui.
— Ai, meu Deus, o Luan
Santana vai vir aqui em casa? – Os olhos da minha mãe brilharam, depois ficaram
preocupados, e eu comecei a negar com a cabeça energeticamente.
— Não, mãe, não, ele não
vai vir, só a minha chefe. Vai me pegar e vamos juntas para a cidade onde vai
ser o show. Ele já deve ter ido ou deve estar indo para lá, não sei.
Minha mãe esvaziou como
um balão, suspirou e disse:
— Ah, bom!
No fundo acho que ela
queria mesmo que ele fosse, mas ele não iria né, era capaz dele já ter ido de
manhã ou provavelmente fosse mais tarde, iria descansar aquela carinha linda e
idiota dele, para ficar bonito para aquelas histéricas.
Meu Deus, eu não podia
acreditar que já ia começar a trabalhar tão logo, e justo num show, quer dizer,
eu estava com medo, mas estava empolgada, mas ainda assim, começar o primeiro
dia no emprego já no meio do tiroteio, era uma maneira e tanto de começar, ou
eu saia correndo logo depois disso, ou então aguentaria pelo resto da vida.
Resolvi tomar meu café
mais rápido e deixar minhas coisas prontas para quando ela chegasse, talvez eu
fosse de carro atrás dela, não sei, ela não tinha me dito nada e eu tinha
perguntado pelo Whatsapp, mas ela não tinha respondido, talvez estivesse na
estrada, dirigindo.
Fiquei pensando se eu
deveria trocar de roupa já ou se ficava como estava, estava com uma saia
rodada, leve e uma blusinha justa, sem sutiã, mas então pensei que, com
certeza, quando chegássemos na cidade, iriamos para um hotel e eu poderia me
trocar, ainda era de manhã e o dia estava quente, por isso, só passei uma
maquiagem leve, penteei os cabelos fazendo uma trança em seguida para mantê-los
no lugar e coloquei uma sapatilha; estava verificando a mala, se tinha guardado
meu notebook, se as roupas que eu tirara na noite passada estavam lá, meu
shampoo, condicionador, toalha, se tudo estava na mala novamente quando ouvi
minha mãe vir correndo até meu quarto, meio eufórica.
— Mel, Mel! – Me virei e
a vi parada na porta, apontando para a frente da casa. – Acho que sua chefe
chegou, estacionou um carro ai na frente, vem ver só, é um carrão!
Voltei atrás dela em
passos apressados, o papai estava espiando o lado de fora pela janela, puxando
a cortina para o lado enquanto deixava à mostra para mim e para a mamãe o carro
preto parado a frente. Sim, era um carrão, como disse minha mãe, um carro
grande, preto, com vidros totalmente fumes, e a porta do passageiro da frente
estava se abrindo e um homem estava saindo, pelo porte alto, com certeza era um
dos seguranças que trabalhavam para o Luan.
Corri em direção a porta da sala e a abri,
saindo e descendo as escadinhas que me levariam ao portãozinho da frente.
Um rapaz alto, pele
morena clara, cabelos negros, olhos verdes e um porte físico de fazer qualquer
homem invejar e as mulheres babar, forte, musculoso, estava parado ao lado do
carro e me olhava, um sorriso tímido e profissional se formava em seu rosto,
antes dele perguntar.
— Senhorita Mellissa? –
Eu assenti e abri o portão, saindo e parando na calçada, olhando o carro, eu
não entendia nada de carro, mas sabia que, com certeza absoluta, era um carro
muito caro.
— Sim, sou eu. Veio me
buscar, né? – Ele sorriu, dessa vez um sorriso normal, os dentes brancos,
lindos, e um sorriso estonteante, pelo jeito os seguranças do Luan Santana eram
tão lindos quanto ele, mamamia, que isso.
— Sim, sim, viemos te
buscar. – Me virei quando percebi que minha mãe estava atrás de mim, olhei para
ela e voltei os olhos para ele, sorrindo, simpática.
Nem tinha percebido que
ele tinha dito “viemos”.
— Tudo bem, vou pegar
minha mala e minha bolsa, você espera ou... – Mamãe me interrompeu, já entrando
na conversa.
— Convida ele para um
café, Mellissa. – O rapaz sorriu, sem jeito e negou com a cabeça levemente,
voltando-se a minha mãe.
— Não, não precisa, muito
obrigado, senhora.
— Por favor, entra, vai
ficar aí parado esperando? – Ele estava ficando vermelho, sem jeito.
— Me desculpe, mas
estamos com pressa.
— É mãe, temos que ir,
ele tem que me levar até... – Olhei para ele, pedindo ajuda, e ele sorriu,
lindamente, antes de responder.
— Ribeirão Preto. Temos
bastante chão pela frente ainda.
— Minha nossa! – Mamãe
exclamou e eu me virei para ir buscar minhas malas, mas vi que meu pai já vinha
caminhando meio devagar com as minhas malas, a mala de rodinha fazendo barulho
atrás dele e nos dois ombros uma bolsa.
— Papai! – Exclamei, repreendendo-o e ele sorriu, gentil, descendo
as escadinhas e alcançando o portão, fiz menção de ir pegar as malas, mas o
segurança bonito se apressou e parou a frente do meu pai, pegando as duas
bolsas com uma mão e a alça da malinha de rodinhas com a outra.
Sorri para ele e
agradeci, no instante em que uma porta se abria e se fechava atrás de mim, me
virei para ver quem era, provavelmente a Joana vindo conhecer meus pais e falar
comigo.
Mas quando girei nos
calcanhares e olhei em direção ao carro, senti meu estomago afundando.
Que droga.
Era ele, o meu novo
chefe, o Luan Santana, parado ao lado do carro com os óculos escuros no rosto e
uma touca cor de vinho sobre os cabelos, meio diferente, mas sem sombra de
dúvidas, era ele.
Ouvi minha mãe arfar
surpresa e o encarei, o sorriso sacana estampado em seu rosto.
Mas que droga, o que ele
estava fazendo ali?
Acordei com a Joana me
cutucando, que soninho bom, parecia que eu tinha dormido uma noite inteira.
Me espreguicei e vi pela
janela do avião que estávamos em outro aeroporto, mas eu não fazia ideia de que
cidade era. Soltei o sinto e me levantei, me espreguiçando novamente, e em
seguida enfiei a touca na cabeça, amassando meus cabelos, assim eu evitava que
a Joana ficasse implicando com ele porque estava grande demais.
Desci do avião e olhei a
volta, franzindo o cenho.
— Estamos em Ribeirão?
A Jô me olhou, mordaz.
— Não, eu te disse que
precisávamos passar num lugar antes para buscar uma pessoa.
Segui caminhando atrás
dela em direção a um carro estacionado a frente, que nos esperava.
— Nossa, que pessoa
importante é essa que temos que pegar antes de ir para o show?
Ela não respondeu de
imediato, alcançamos o carro e o Rodrigo que já tinha chego no carro antes de
nós, abriu as duas portas do carro, a do passageiro da frente para a Jô e a de
trás para mim, que entrei no carro deixando ele fechar a porta em seguida.
— Eu não consegui ninguém
para me ajudar, e por ser um festival, não vou conseguir cuidar de tudo
sozinha, preciso de alguém, então pensei,
por que não?
Franzi a testa, não dava
para vê-la ali do banco de trás, por isso, fiquei com os olhos perdidos através
da janela do carro.
Por que não o que?
Ela finalmente continuou.
— Pedi para a Mellissa se
ela podia me ajudar, e ela disse que sim, então vamos pegar ela na casa dos
pais dela e vamos em seguida para Ribeirão.
Mellissa? A louca? Minha
nova assistente que me odiava e eu adorava atazanar?
Mas ela não ia começar
segunda?
— Mellissa? A
envocadinha? Mas ela não ia começar segunda? – Perguntei o que tinha pensado.
— Envocadinha? – Eu ri e
dei de ombros.
— Ela tem cara de
envocadinha. – A Jô negou com a cabeça de leve.
— Sim, ela ia começar
segunda, mas preciso dela Luan, tudo bem que ela ainda não tem experiência, mas
é bom que já vai pegar o negócio no ritmo acelerado.
Eu soltei uma gargalhada.
— Bota acelerado nisso,
se ela não sair correndo no final da noite, pode apostar que você acertou na
contratação.
Ela assentiu com a
cabeça.
— Ela não vai sair
correndo. – Ela estava bastante convicta disso, mas eu não comentei nada.
O carro estava seguindo
por uma rua larga e bastante arborizada, eu não fazia ideia de que cidade era
aquela, mas me parecia mesmo interior de São Paulo, uma cidade bem bonitinha e
cuidada pelo visto, será que eu já tinha feito show ali?
— Ela mora aqui? – Eu
perguntei, ainda com os olhos perdidos na paisagem na janela.
— Os pais dela. Ela me
disse que ia passar o fim de semana visitando os pais, no interior.
— E como você conseguiu o
endereço da casa dos pais dela? – Eu virei o rosto e olhei para a frente,
inclinando a cabeça de lado para olhá-la enquanto erguia as sobrancelhas, não
sabia que ela era tipo um detetive que descobria tudo.
Ela riu.
— Eu perguntei, ué. E eu
perguntei se ela aceitaria me ajudar hoje, ela não era obrigada, o trabalho
dela deveria começar segunda, então ela podia se negar a ir hoje, mas aceitou.
— Claro né, Jô, você é a
chefe, como ela ia dizer que não dava no primeiro dia de trabalho. – Ela deu de
ombros e disse.
— Você é o chefe, querido. – Eu gargalhei, nem de perto eu era chefe
naquela situação.
— Você manda em mim, eu
não mando em você, deduzindo... – Ela virou o rosto de lado e olhou para o
Rodrigo, que estava dirigindo o carro, então perguntou:
— Rodrigo, quem é o
chefe? – Eu vi um sorriso no canto dos lábios dele.
— Você é o chefe, Luan. –
Eu gargalhei e vi ele rindo no banco do motorista.
Isso era só porque ele
sempre me chamava de chefe.
Me virei para ela e
revirei os olhos enquanto ela sorria com cara de quem venceu a discussão.
— Vai ter volta. – Eu
disse e ela riu, dando de ombros.
Ficamos mais uns cinco
minutos dentro do carro quando finalmente percebi que estávamos parando, era
uma rua tranquila, alguns senhores caminhavam na rua, um deles segurava o
cãozinho na coleira, levando-o para passear, outro carregava um saquinho de
pão, parecia uma cidade de velhos, pelo jeito.
O Rodrigo estacionou o
carro no meio fio e, depois de desligar e soltar o cinto de segurança, ele
abriu a porta do carro, saindo. Olhei pelo vidro e vi uma casa simples, o
portão era baixo, de um lado um portão maior onde se via o carro preto, com
certeza o carro que a Jô tinha dado para a louca trabalhar, um Citroen C4,
notei que na frente dele tinha outro carro, um carro aparentemente velho,
parecia um fusca daqueles antigos. Do lado esquerdo ao portão onde os carros
ficavam havia um portãozinho pequeno, de gradinhas, uma escadinha que subia
para uma varandinha com muitas flores e plantas, provavelmente lá ficava a
porta de entrada da casa.
Percebi que eu queria
muito ver a louca, os pais dela, a família, e a cara dela quando nos visse ali,
mas ela já sabia que estávamos indo, não é, então não teria surpresas... a não
ser...
A Joana atendeu uma
ligação, eu não fazia ideia de quem, mas ela ficou entretida na linha falando
alguma coisa sobre hotel, carro, se estava tudo certo, ah todas aquelas coisas
que ela tinha que ver quando eu ia para alguma cidade fazer show, voltei os
olhos para a janela e vi a louca do lado de fora, uma mulher estava parada no
portão, parecia uma senhora, provavelmente a mãe da louca. Sorri comigo mesmo e
pensei rapidamente, eu ia ter que ser rápido, ou a Joana me mataria.
Será mesmo que eu devia
fazer aquilo? Notei que a louca estava de costas para o carro, um senhor vinha
trazendo as malas dela, era minha chance, eu queria muito ver a cara dela
quando me visse ali.
Respirei fundo e abri a
porta do carro e sai, fechando-a atrás de mim, e então parei a calçada,
observando a cena a seguir.
A mãe da louca pareceu
perder o ar, ficou branca e arfou quando me viu, levando as duas mãos a boca e
eu vi a louca se virar e me encarar, os olhos arregalados, surpresa e
assustada, e uma mescla de raiva nos olhos. Ah, será que ela nunca ia deixar de
me odiar?
Estava linda! Os cabelos
estavam numa trança bem-feita, caída sobre o ombro direito, usava uma blusa
preta, justíssima, colante que delineava sua cintura e seus seios medianos e
firmes, e estava com uma sainha rodada, de pano leve, caramba, ela parecia uma
adolescente, mas numa versão linda e gostosa, que isso!
Abri um sorriso, meio
sacana, e vi ela arfar, não como a mãe, mas de raiva, talvez.
— Ah, meu Deus, é o Luan
Santana! – A mãe dela exclamou e eu abri um sorriso mais decente agora, dando
alguns passos à frente, passando por ela e caminhando até a beira do portão,
onde a mãe dela estava e esticando a mão a frente.
A mulher, já meio idosa,
transpassou o portão e parou a minha frente, segurando minha mão e a apertando,
meio tremula, ela estava vermelha, e eu ri diante da cena, cumprimentando-a
para disfarçar.
— Prazer! Tudo bem com a
senhora? – Ela se derreteu, segurando minha mão com suas duas mãos, do jeito
que minha avó costumava fazer quando segurava minha mão, e gostei desse gesto.
— Tudo ótimo, nossa, nem
acredito que é você. A Mellissa disse que você não viria buscar ela, só a moça.
– Eu ri e me virei, pegando o olhar fixo em mim e na mãe, e sorri, sacana novamente
para ela.
— Essa é sua mãe, Mel?
Caramba, é tão nova, pensei que fosse sua irmã. – Ela revirou os olhos, se
aproximando de nós, com aquele jeito gentil
e educado dela de ser.
— O que você está fazendo
aqui? – Ela adorava me perguntar isso, como se eu não pudesse nunca ir ao mesmo
lugar onde ela estava. - Achei que fosse a Joana que viria me buscar!
Dei de ombros e indiquei
o carro com a cabeça.
— E veio, ela está no
carro. – Eu disse, simplesmente, assim ela pensaria que a Joana que me mandou
descer do carro.
Jogada de mestre né, ela
aliviou o olhar e respirou fundo, com certeza estava pensando que ia ter que se
comportar perto da Joana, ou seja, nada de me xingar como gostava de fazer.
— Vamos entrar, Luan,
tomar um cafezinho, eu fiz bolo de fubá! – A mãe dela soltou minha mão e eu me
virei vendo o Senhor parado próximo de nós, sorri para ele e estiquei a mão
para cumprimenta-lo.
— Prazer, tudo bem com o
Senhor? – Ele apertou firmemente minha mão e assentiu com a cabeça.
— Tudo certo, filho, quer
entrar, tomar um cafezinho? – Que família agradável, para quem será que a louca
tinha puxado esse jeito feroz de ser? Não tinha sido para os pais dela, com
certeza.
Me virei para a mãe dela,
parada próximo ao portão e disse.
— A senhora disse bolo de
fubá? Minha nossa, há quanto tempo não como um bolo de fubá!
— Ah, você vai adorar,
está uma delícia, fiz hoje cedo, fiz para Mellissa, ela adora meu bolo de fubá,
né filha. – Ela sorriu, carinhosa para a mãe, e eu sorri de volta, que linda a
mãe dela, parecia aquele tipo de mãe que gosta de agradar a filha, cuidar dela
e ela parecia ser uma boa filha, pelo menos a louca tinha um bom lado, afinal
de contas.
— Poxa, eu adoraria, mas
não podemos demorar.
— Vai ser rapidinho, vem
Luan, vem conhecer nossa casinha, é humilde, não repara não, mas... – A mãe dela
continuou falando, mas eu me distraí por um minuto, haviam pessoas parando do
outro lado da calçada, olhando a nossa cena, parecendo perceberem que o famoso
cantor Luan Santana está ali, olhei para o Rodrigo e o vi gesticulando para
mim, me dando sinal para entrar no carro e a Mellissa olhando ao redor,
parecendo perceber a movimentação. Ela até que já estava esperta para esse tipo
de coisa mesmo mal tendo começado a trabalhar comigo.
— Poxa, dona... – Olhei
para ela, esperando ela me dizer o nome, e ela abriu um sorriso imenso, antes
de responder.
— Carmen.
— Dona Carmen. – Eu continuei.
– Eu adoraria mesmo, mas preciso ir, temos que chegar em Ribeirão Preto ainda
hoje para um show.
Segurei a mão dela e a
beijei, carinhoso e ela me sorriu, se derretendo, coisa que a filha nunca fez
até hoje, bem ao contrário, ela vira uma pedra de gelo comigo, aqueles gelos
fatais ainda por cima, tipo o Iceberg que afundou o Titanic.
— Ah, poxa vida!
— Mas teremos outras
oportunidades, não é mesmo, Mel? – Ela me sorriu, torto, e segurou no braço da
mãe, intercedendo por mim.
— Mãe, temos que ir,
antes que notem ele e isso aqui vire um inferno cheio de gente. – Ela disse,
baixinho e olhou ao redor, fazendo a mãe também olhar e ver os velhos e velhas
que estavam se aproximando, eu não dava nem cinco minutos para estarmos
cercados.
O Rodrigo se aproximou de
mim, já me protegendo, mas eu continuei ali, segurando a mão da mãe dela, para
soltá-la em seguida.
Aproveitei a deixa.
— Foi um prazer conhecer
a Senhora, Dona Carmen. – Ela sorriu e voltou os olhos para mim, se derretendo
novamente.
— Mas volte, viu?
Mellissa, traga ele um dia, escondido – Ela disse, baixinho e riu. – Para ele
provar o meu bolo de fubá.
— Claro, mãe, pode
deixar. – Eu me virei e apertei novamente a mão do pai dela.
— Senhor. – Ele apertou
minha mão e acenou com a cabeça.
— Vão com Deus, filho.
Sorri e segui até o
carro, o Rodrigo me escoltando e abrindo a porta do carro para eu entrar, dei
um aceno de cabeça para o pai dela novamente e um tchauzinho para a mãe e entrei
no carro, vendo o Rodrigo fechando a porta em seguida.
Reparei que a Mellissa
ainda estava na calçada, abraçando a mãe e dando um beijo em seu rosto, se
despedindo, depois ela caminhou até o pai e lhe deu um abraço mais forte,
apertado, que durou quase um minuto, ele parecia estar dizendo algo ao ouvido
dela, eu não conseguia ver o rosto dela, ela estava de costas para mim, mas
percebi que o pai dela estava quase chorando. Eles se afastaram e vi ela beijar
o rosto do pai, se virando para o Rodrigo que estava parado ao lado do carro,
esperando por ela, ele já tinha guardado as malas no porta-malas do carro.
Ele a direcionou para o
outro lado do carro e abriu a porta do passageiro para ela, atrás do motorista,
ela deu um último adeus aos pais e finalmente entrou, deixando o Rodrigo fechar
a porta atrás dela e entrar no lado do motorista.
Ela olhou para mim e
então seguiu o olhar até o banco da frente, a Joana ainda estava no telefone e
deu um aceno de cabeça para a louca, mas continuou na linha, eu me virei para
ela no momento em que o Rodrigo engatava a primeira marcha e saia com o carro
pela rua, seguindo de volta para o aeroporto.
— Seus pais são muito
simpáticos. – Ela olhou para mim, os olhos estava meio avermelhados, e ela
levou o dedo indicador ao canto de um dos olhos, disfarçando uma lágrima
solitária que eu notei estar ali, escondidinha, mas não mencionei nada a
respeito. Pelo jeito ela era bastante apegada ao pai.
Ela me sorriu depois e
disse, baixinho.
— Ah, sim, coisa de gente
do interior. – Eu sorri, e brinquei.
— Você não puxou para
eles. – Ela franziu o cenho e me encarou, sem entender, e eu continuei. – Eles
são tão simpáticos!
Os olhos dela se
clarearam de entendimento e ela fez uma careta, mostrando a língua para mim em
seguida e eu ri, e lá estava ela novamente, a envocadinha.
— Até agora não entendi
por que você veio me buscar também? – Dei de ombros e indiquei a Joana a frente
com a cabeça.
— Não se ache demais, ela
que me arrastou para cá, por mim, estávamos já em Ribeirão. – Ela seguiu meu
olhar e olhou para a Joana que desligava o telefonema naquele minuto.
— Oi, Mellissa. Desculpa
ter acabado com seu fim de semana. – A Mellissa abriu um sorriso simpático, é,
pelo jeito ela só não era simpática comigo mesmo.
A amiga dela tinha razão, o problema era
comigo.
— Imagina, Jô, eu já fui
contratada, não fui, então vamos lá, para que adiar o inevitável? – A Joana
riu, com certeza gostando daquilo e eu deixei elas conversando.
— Ah, que bom que está
animada porque, olha, vai ser correria, você vai ficar um pouco assustada no
começo, mas faça como eu, respira fundo e vai com tudo. – As duas riram e eu
olhei para a Mellissa pelo canto dos olhos, vendo-a sentada quase ao meu lado.
O cinto de segurança a apertava e dividia os seios dela no meio, não pareciam
tão pequenos agora que eu via ela mais de perto, ela parecia o tipo de mulher
magra, mas boa, com seios grandes, coxas grandes, bunda grande, e só de pensar
isso imaginei ela numa calça legging, daquelas que as mulheres adoram e super
marca o corpo delas, deixando a gente ver tudo muitíssimo bem, quase como se
estivessem peladas, só que tem um pano preto atrapalhando tudo.
Ela me viu olhando para
as pernas dela e eu desviei os olhos, inventando algum assunto para despistar.
— Se você não sair
correndo no final da noite, daí sim, eu digo que está contratada. – A Joana riu
e olhou para o Rodrigo.
— E depois ele diz que
não é o chefe. – Eu soltei uma gargalhada e a Mellissa ficou nos olhando, sem
entender, e eu dei de ombros.
— Então, onde vai ser o
show? – A Mellissa perguntou e eu voltei os olhos para a janela, olhando a
paisagem de volta ao aeroporto. Parecíamos estar fazendo outro caminho, ou eu
não me liguei muito no caminho que fizemos para ir, mais provável a segunda
opção.
— Em Ribeirão, na verdade
é uma festa de boiadeiro Paulista, um festival, vai ter vários cantores e por
isso vou precisar de você para me ajudar, se fosse um show comum, eu dava
conta, mas um festival, eu sozinha, é mais complicado.
— Ribeirão Preto? – Ela
perguntou, e eu pensei: Tem outra cidade que começa com Ribeirão, no Brasil?
Ribeirão... Branco? Não.
A Joana assentiu com a
cabeça e eu voltei os olhos para a louca, vendo ela arregalar os olhos, antes
de perguntar.
— Mas vamos chegar lá a
tempo? Quer dizer, que horas é o show?
— Por volta das dez, se
não me engano. – Ela olhou para a Joana, e depois olhou para mim, franzindo a
testa, então disse, com a voz um pouco mais baixa, não sei se era só para eu
ouvir, ou se ela estava pensando alto.
— Eu fiz umas pesquisas
sobre você ontem à noite, quer dizer, para saber como é os shows, bastidores,
já que vou fazer parte disso agora. – Eu a olhei e ergui as sobrancelhas. Então
quer dizer que ela se interessou em mim em pleno dia de folga? Ou era só por
causa do trabalho mesmo?
— Ah, é mesmo? – Acho que
ela notou meu sorrisinho se formando no lábio e revirou os olhos, agora falando
mais firmemente.
— Para ter uma noção de
como ia ser quando eu começasse a trabalhar... – Eu assenti, e percebi que,
mesmo quieta, a Joana estava prestando atenção na nossa conversa.
Ergui uma das
sobrancelhas, notando que ela ia continuar a falar, mas estava travando.
— E o que achou? – Ela
deu de ombros e disse.
— Sonhei com um monte de
fãs tentando te agarrar e que eu não conseguia te esconder e fui mandada embora
no primeiro dia. – Soltei uma gargalhada e notei que a Jô também estava rindo.
— Meu Deus! Isso não foi
um sonho, foi um pesadelo. – Ela riu junto e concordou com a cabeça.
— Isso jamais
aconteceria, pode ficar tranquilo.
— Uffa. – Eu disse
brincando, e ela me olhou, risonha, mostrando a língua.
Hmm aquela linguinha, ah
se eu pudesse...
— Deve ser preocupação,
medo de não dar conta. – A Joana finalmente se pronunciou, e a Mellissa
assentiu com a cabeça.
— Sim, só um medinho
bobo, mas na hora nem vou lembrar disso.
Estávamos chegando ao
aeroporto, e a medida que fomos entrando, vi o rosto da Mellissa ir ficando
branco, ela finalmente olhou a volta e depois olhou para mim, parecendo agora
realmente preocupada.
— Então, acabei
esquecendo de perguntar o que eu ia perguntar. – Acenei com a cabeça, indicando
que ela podia continuar.
— Pode perguntar.
— Eu vi, em alguma
reportagem, que você tem um avião. – Assenti e olhei pela janela, apontando em
seguida o “Bicuço”, como eu chamava meu jatinho particular.
— Um jatinho particular,
sim. Ali ele ali. – Ela desviou os olhos de mim e olhou pela janela, o pânico
parecendo mais visível no rosto dela.
O Rodrigo parou o carro
perto do avião, desligou o carro e puxou o freio de mão, a Joana abriu a porta
e foi descendo, mas eu continuei dentro do carro, olhando para a cara assustada
da Mellissa.
— Você perguntou do
avião.... Por que? – Ela estava com os olhos perdidos, na direção do avião
ainda. Insisti na pergunta. – Tem alguma superstição de que não pode andar de
avião ou coisa assim?
— Você vai para os shows
sempre de avião? – Ela perguntou, a voz mais baixa que o normal. Assenti com a
cabeça, mas ainda assim, respondi em seguida:
— Sim, é mais rápido e
prático para mim. Por que? Você viu isso nas entrevistas?
Ela não me respondeu,
estava estática, olhando para o avião.
Caramba, o que ela tinha?
Coloquei a mão na coxa
dela, sentindo a pele macia e quente, e então chamei, com a voz mais baixa.
— Mel? – O Rodrigo tinha
saído do carro e bateu a porta, fazendo ela dar um pulo e me encarar, olhando
em pânico em seguida para a minha mão, na coxa dela, e depois para o avião.
Eu tirei a mão da perna
dela rapidamente e a encarei, interrogativo.
— Mel? Tá tudo bem? Algum
problema?
Ela negou com a cabeça e
se virou, soltando o cinto de segurança, meio tremula, e abrindo a porta do
carro para sair.
Abri a porta do meu lado
também e sai, vendo ela parada do outro lado, respirando fundo, como se
estivesse tomando coragem para alguma coisa.
Sei não, aquela menina ia
sair correndo antes mesmo de chegarmos ao show.
O Rodrigo estava tirando
as malas dela do carro e colocando no avião, a Joana estava novamente no
telefone e a louca estava parada, em frente ao avião esperando.
O piloto que tinha nos
levado até ali me acenou e entrou no avião, dando o Okay para entrarmos.
A Joana tinha voltado.
— Tudo certo, o hotel já
está reservado certinho e liberado, vai ter uma van já esperando por nós lá no
aeroporto. Você almoça, descansa um pouco, e no começo da noite vamos para o
local do evento. Vai ter muitas entrevistas, rádio local, televisão local e
programas nacionais que estão fazendo a cobertura da festa. Além das promoções
e tudo mais.
Eu já estava dentro do
avião, me sentando no meu lugar, a Joana estava entrando e eu finalmente
percebi que a Mellissa ainda não estava ali, o motor do avião já estava ligado.
Olhei para a porta aberta do jatinho e vi a menina lá, parada, verde, parecia
que estava se transformando no Hulck.
Caramba, o que ela tinha?
Me levantei e fui até
ela, parando ao lado dela e segurando seu braço, indeciso.
— Mel?
Ela virou o rosto e me
olhou, respirando fundo umas cinco vezes.
Segurei o braço dela e a
puxei, devagar, em direção ao avião.
— Vem, eu te ajudo a
subir. – Ela estava tremendo, completamente, tanto que seu corpo inteiro tremia
como se ela estivesse tremendo de frio, os dentes batiam um no outro e a mão
dela estava gelada quando a segurei para ajuda-la a entrar subindo as
escadinhas, deixando o copiloto fechar a porta do avião.
Eu já sabia o que era,
ela tinha medo de avião, eu apostava e ganhava.
Não podia deixar ela
viajar sozinha daquele jeito.
Olhei para o Rodrigo,
antes de falar, a mão da Mellissa estava grudada na minha de tal forma que
parecia que ela queria quebrar os ossos da minha mão.
— Por que você não senta
no meu lugar? Eu fico aí com a Mel.
O lugar onde o Rodrigo
estava sentado era no lado da janela e ao lado tinha outro banco vazio, o lugar
onde eu costumava sentar, era um banco só, no canto da aeronave; ele não
discutiu, se levantou e foi até lá, reparei que a Jô estava me olhando,
interrogativa, e eu dei de ombros, sem dizer nada.
Me virei para a Mellissa
e perguntei, baixinho e delicado.
— Quer sentar na janela?
– Que pergunta idiota.
Ela negou com a cabeça
firmemente, respirando fundo novamente.
Me sentei no canto, na
janela, ainda segurando a mão dela, e a puxei para sentar ao meu lado, me
inclinando sobre ela e puxando o cinto de segurança para prendê-la.
— Vou colocar o cinto em
você. – Eu disse, baixinho, avisando, enquanto prendia o cinto dela, me
certificando que estava realmente fechado.
Ela fechou os olhos e
disse algo baixinho.
Ouvi a voz da Joana e
percebi que não era para mim.
— Mel, você tem medo de
avião? – Ela abriu os olhos e assentiu com a cabeça, depois disse:
— Altura.
Ah sim, ela tinha medo de
altura, e andar de avião era o pânico para qualquer pessoa que tinha medo de altura,
tanto quanto alguém que tinha medo do avião em si.
A Jô sorriu, solidária.
— Vai ficar tudo bem,
você vai se acostumar. E é seguro, não se preocupe, é muito seguro. – A
Mellissa assentiu com a cabeça.
Eu estava com dó dela, de
verdade, ela não parecia mais aquela menina mordaz, voraz, feroz, que tinha uma
resposta ríspida na ponta da língua sempre, não, ela parecia uma menina frágil,
como porcelana, que precisava ser cuidada, protegida.
Apertei o meu cinto de
segurança e estiquei minha mão, segurando a mão dela, sentindo os dedos gelados
dela se cravarem com força contra os meus, a mão soando fria, tremula, e fiquei
olhando para ela.
O avião começou a andar
na pista e ela estremeceu, choramingando baixinho, quase chorando.
Inclinei a cabeça para
perto dela e sussurrei:
— Está tudo bem, calma,
calma, vai ficar tudo bem. – Ela apertou os olhos fechados e mordeu de leve o
lábio inferior, a mão apertando-se contra a minha, o corpo tremendo contra o
banco de couro branco do avião, o medo totalmente visível naquele rosto tão
lindo.
Ela estava totalmente em
pânico.
Eu puxei a cortininha da
janela, com a mão livre e a fechei, eu estava com o celular e meu fone de
ouvido no bolso, e me estiquei, enfiando a mão no bolso da calça jeans e
puxando os dois, desenrolei o fone e o conectei ao celular, selecionei uma
música que eu gostava muito do Ed Sheeran, e então peguei os dois foninhos e me
inclinei sobre ela, colocando um no ouvido dela, ela abriu os olhos e me olhou,
deixando eu colocar o outro do outro lado.
Antes de apertar o play,
eu sussurrei baixinho:
— Feche os olhos. – Ela
sequer questionou, e fechou os olhos novamente, confiando totalmente em mim. Me
aproximei dela e beijei-lhe a testa, carinhosamente, enquanto dizia, baixinho:
- Você está apenas passeando de carro.
Eu apertei o play no
momento em que o avião começava a decolar, ela se encolheu, colocou o rosto no
meu ombro e pressionou-o contra mim em seguida, grudando-se em mim de tal
forma, como uma criança com medo do palhaço, ou como a namorada no cinema com
medo da cena auge de suspense no filme de terror.
Eu deixei a música
começar a tocar enquanto ela ficava encolhida ao meu lado, o rosto afundado em
minha pele, no meu ombro, a mão apertando a minha, ainda gélida, enquanto aos
poucos ela ia relaxando.
Espiei pela janela da Jô,
estávamos já no céu, e a Mel continuava lá, com os olhos fechados, o rosto
contra meu ombro, a mão agora já não tão apertada contra a minha e sorri,
fracamente, recostando a cabeça no banco, de lado e olhando-a durante um bom
tempo, enquanto sobrevoávamos a cidade e deixávamos os pais dela para trás.
Ela abriu os olhos
lentamente e me encarou, e eu finalmente percebi que os olhos dela eram azuis,
não um azul qualquer, havia um círculo azul escuro envolta de toda a retina, e
no meio um azul piscina cintilava, lindamente, enquanto ela me encarava. O
nariz dela era cheio de sardas, leves, que desciam até as bochechas, de cada
lado do rosto, e era a coisa mais linda porque eu simplesmente amava sardas. Na
bochecha direita eu podia ver um furinho, ah sim, a covinha que ela tinha,
aquela covinha que era a coisa mais linda quando ela sorria, mas ela não estava
sorrindo agora, ela simplesmente estava me olhando. O rosto agora lateralmente
no meu ombro enquanto eu estava igualmente com o rosto de lado no banco, a
música soando em seu ouvido, a voz do Ed Sheeran a acalmando como só ele era capaz,
e ficamos ali, nos olhando, enquanto o avião sobrevoava as cidades, e eu me
afundava naquele mar azul que eram os olhos dela.