Aprenda que: Tem dias que estou hiper sensível e tem dias que estou bandida. Portanto, quando eu estiver sensível, cuide de mim. E quando estiver pra bandida, cuide muito bem de você!
               — Tati Bernardi




Eu senti ele se aproximando lentamente, um pouco mais, e, sem saber porque, me vi fechando os olhos.
Aquilo era loucura, mas o Luan Santana, o meu chefe, iria me beijar?
Meu Deus, o que eu iria fazer?

Senti a presença dele ali, próxima de mim, o nariz tocando levemente no meu.
ACORDA Mellissa, esse babaca está zoando com a sua cara.
Que droga, eu não podia deixar ele fazer aquilo, se ele queria mesmo me beijar ou se ele estava só me provocando, eu não podia deixar ele pensar que estava no controle, ou que me amoleceria tão fácil assim, por isso, abri os olhos e ergui a palma da mão, apoiando no peitoral dele e o empurrando para trás, fazendo ele me encarar, agora com aquele sorriso sacana de novo nos lábios.
Que idiota, que babaca, que otário.
Minha raiva voltou com força total como um vulcão explodindo.
— Nem pense que eu sou igual essas idiotas que é só você fazer assim... – Estalei os dedos na frente da cara dele. - E elas estão no seu colo, porque eu não sou assim.
— E só eu fazer assim? – Ele estalou os dedos, igualmente como eu tinha feito, e começou a rir, me fazendo cerrar o cenho e ficar encarando ele, enquanto ele continuava. - Pensei que você não conhecesse minhas músicas.
Mas que porra ele estava falando?
— Hãm? – Eu disse, confusa, e então bufei, irritada, me afastando dele e abrindo a porta do carro, pisando na calçada com as pernas bambas, agora de raiva, com certeza.
— Te vejo segunda, senhorita envocadinha. – Ele disse, com a voz um pouco mais alta para eu ouvir, a porta do carro ainda aberta e eu me virei para olhar para ele e ver aquele sorrisinho idiota nos lábios e um brilho nos olhos.
A minha vontade era de mandar ele ir para o inferno.
Não respondi, e bati a porta do carro na cara dele, me virei e sai pisando fundo pela calçada em direção a portaria do meu prédio, ouvindo o barulho do motor do carro acelerando e ele indo embora.
Parei em frente ao prédio e olhei para trás, ele já tinha mesmo ido.
Soltei o ar, irritada e fiquei olhando para a rua onde antes ele estivera.
O que estava acontecendo com a minha vida?


Depois que eu deixei a louca em frente ao prédio dela, segui direto para o meu apartamento, durante todo o caminho fiquei me lembrando daquela tarde, que coisa louca o que eu tinha feito, e se alguém me reconhecesse, gritasse e todo mundo viesse para cima de mim, o que eu faria? Será que daria tempo de eu correr para o carro e me esconder? Provavelmente não, mas ainda bem que aquilo tinha acabado bem ou a Joana acabaria com a minha raça, eu podia ouvir a voz dela ecoando na minha cabeça parecendo minha mãe: “Onde você estava com a cabeça, Luan? Está louco? Você não pode sair andando pela rua sozinho como uma pessoa normal, muito menos sentar numa mesa de um BAR, meu Deus do céu, um BAR!”
E a voz dela na minha cabeça estava certa, eu não era um sujeito normal, por isso não podia agir como um, por isso, aquela cena do bar tinha sido uma loucura e tanto e era sorte ter terminado bem ou eu seria um homem morto de várias formas.
Ri comigo mesmo da loucura que eu tinha feito, mas tinha valido a pena, a louca parecia estar amolecendo um pouco, lembrei dela no carro, tão próxima de mim, o rosto quase colado ao meu e a vontade que senti de beijá-la, Caramba, o que foi aquilo? Será que se ela não tivesse me afastado, eu a teria beijado? Ela era meio louca, parecia realmente não gostar de mim, mas uma coisa era certa, ela era extremamente linda e gostosa.
Cheguei ao meu apartamento um pouco atrasado, a paradinha no bar tinha tomado bastante meu tempo, entrei e coloquei a chave do carro sobre o balcão da cozinha, a dona Maria ainda estava lá, mas parecia quase de saída, ela tinha feito um excelente trabalho arrumando tudo para mim.
— Ôh meu filho, pensei que ia chegar junto com as visitas. – Eu soltei uma risada olhando como ela tinha deixado a cozinha já preparada. A churrasqueira já estava pronta para o churrasco, uma panela de arroz branco estava quentinha em cima do fogão, a mesa da cozinha estava com pratos, talheres e copos já postos, para ninguém precisar ficar me perguntando onde tinha as coisas, e quando abri o freezer, estava repleta de cerveja gelada. – A carne já está temperada e está na geladeira, a maionese também.
Me aproximei dela, que estava agora com a bolsinha debaixo do braço e dei um beijo carinhoso em seu rosto, enquanto ela sorria, me abraçando como uma avó.
— O que seria de mim sem a senhora, dona Maria? – Ela riu e deu um beijo no meu rosto.
— Juízo aí menino.
Depois que a Dona Maria foi embora, resolvi tomar um banho e me arrumar, logo os caras estariam chegando.
Ainda estava com o boné na cabeça, por isso, adentrei o quarto tirando-o de cima dos cabelos e jogando sobre a cama, a porta da sacada ainda estava aberta e eu podia ver o dia indo embora e a noite chegando gradativamente e parei na porta observando a noite, a calmaria que São Paulo parecia dali era inacreditável, só de pensar que lá em baixo, naquele momento, devia estar uma loucura com milhares de carros indo embora para casa, congestionamento, transito, uma doidera que só São Paulo sabia ser, nem dava para acreditar que dali a paz reinava e era como se nada daquilo estivesse acontecendo lá embaixo.
Voltei para dentro do quarto tirando a camisa e deixando-a também em cima da cama, onde me sentei e tirei os sapatos seguido das meias, deixando-as no cantinho para a dona Maria guardar para mim no outro dia.
Segui para o banheiro tirando a calça jeans pelo caminho, estava um pouco soado e podia sentir o próprio cheiro do meu corpo daquele dia corrido, quente e louco, a pele estava grudando um pouco, e quando finalmente me livrei da calça jeans e da cueca e entrei debaixo do chuveiro senti a agua morna relaxando meu corpo e aliviando o stress, levando com ela a sujeira e o suor do meu corpo.
Enquanto lavava meus cabelos, distraído, fiquei pensando naquela tarde, eu sentado numa cadeira à uma mesa de um bar, como um cara normal e como, apesar da louca e seu jeito turrão, eu tinha me sentido bem, normal e como aquela sensação tinha sido prazerosa, uma simples tarde tomando uma cerveja numa mesa de bar e parecia que eu tinha passado uma tarde num spa de tão bom que tinha sido, a coisa mais normal que eu tinha feito na minha vida há anos, e a louca tinha me proporcionado isso sem eu mal conhece-la, porque sim, ela tinha me dado aquilo, mesmo que não soubesse, porque se eu não a tivesse visto lá, jamais teria parado e feito aquilo, era como se ela tivesse vindo para mudar algumas coisas mesmo que mal tivesse chegado. Era estranho.
Me apressei no banho ou ficaria ali a noite inteira.
Terminei de tomar banho, coloquei uma bermuda jeans preta e uma camisa regata, estava uma noite quente e por isso só dei uma batida nos cabelos, deixando-os secarem ao vento, espetados para todos os lados.
Depois de pronto, segui para a cozinha e dei uma ajeitada em algumas coisas, já deixando de fácil acesso, coloquei alguns jogos bacanas na sala, de futebol, corrida e de tiros, e deixei ligado o Play já no jeito. Quando estava abrindo uma cervejinha para tomar o primeiro gole da noite, meu interfone tocou, era o William, um dos camaradas, que tinha chego.
Os caras foram chegando aos poucos, além do William que eu conhecia há uns seis anos, mas não era do ramo artístico, um outro amigo meu também que não era conhecido, Marcelo, foi o Michel Teló que era um grande amigo meu e curtia muito churrasco, o Luciano, irmão do Zezé di Camargo e o Gustavo (Lima).
O Luciano era sempre o mestre do churrasco, ele e o Michel, e apesar de termos jogado vídeo game um pouco, jogando futebol e depois corrida, sempre disputando para ver quem vencia mais, acabamos todos na cozinha e na varanda do apartamento, conversando, rindo, bebendo e comendo carne para caramba.
— Vocês não imaginam a loucura que foi. A Thais quase teve um treco depois quando soube. – O Michel estava dizendo, contando um caso onde uma fã invadiu o quarto dele num hotel, certa vez. Todo mundo estava rindo muito da cena, eu nem queria imaginar o que eu faria se isso acontecesse comigo.
Será que podia aproveitar o momento? Hahahaha.
— Mas você aproveitou o momento ou não rolava? – Eu aproveitei e deixei meu pensamento escapar, estávamos entre amigos, podíamos falar o que quiséssemos, era um momento para sermos nós mesmo, sem mídia, sem mulheres, só homens e zoeira.
— Puts, Luan, não rolava, a coitada.... – Quando ele disse “coitada” nós começamos a rir demais, minha barriga doeu de lado de tanto que eu ria.
— Era feia? – Perguntou o William, causando mais risos.
— Eu não trairia minha mulher, mas olha, com aquela nem se eu fosse solteiro, não ia rolar mesmo.
Todo mundo gargalhou e o Luciano emendou em seguida.
— Eu já passei por isso, acho que o Zezé também, mas olha... eu aproveitei o momento. – Os caras riram, eu me levantei para pegar mais cerveja para todo mundo na cozinha, e antes de sair, resolvi zoar mais um pouco.
— Por isso que o Luciano tem um filho não assumido em cada estado por aí. – Todo mundo gargalhou e ele riu junto, nem levando a sério a zoeira, eu nem sabia se ele tinha mesmo filhos não assumidos, mas estávamos só zoando um com a cara do outro.
— Fica esperto Luan, porque se elas não fizeram isso ainda, uma hora vão conseguir.
— Tô ferrado. – Eu saí rindo em direção a cozinha, peguei várias garrafinhas e coloquei num engradadinho para ficar mais fácil para levar e voltei a sacada, os caras estavam rindo mais ainda de alguma outra coisa.
— E se invadem e você tá no banho? – O Marcelo estava dizendo e os caras riam mais ainda, pareciam um monte de hiena, e eu estava incluso no bando.
— Se for bonita e gostosa, você aproveita e dá um banho nela. – Esse Luciano, cara, acho que ele já fez muito isso.
Todo mundo riu.
— Nossa, se for bonita e gostosa, daí fechou heim, você tá feito. – Comentou o William e nós concordamos.
— Mas é difícil uma bonita e gostosa fazer isso, as vezes dá sorte, ou as vezes só é bonita, mas não tão gostosa, mas dá para pegar...
— Falou a voz da experiência. – E a zoeira estava boa. Todo mundo riu do Luciano e do comentário do Michel.
— Eu já peguei uma fã, mas ela não invadiu meu hotel não, ela foi lá porque eu convidei. – Parece que eu era o único santo ali? Que isso.
— Eita, Gustavão, e sua mulhé sabe disso? – Rimos todos juntos e o Gustavo sacudiu a cabeça.
— Que isso, Luciano, quero manter meu casamento, então ela não precisa saber dessas coisas.
— Essa parte fica de fora. – Disse o Michel e todo mundo riu.
— É mais ou menos assim: que isso amor, elas são só fãs, elas não me amam assim, que isso, elas me respeitam, elas sabem que sou casado, nenhuma delas dá em cima de mim. – Ficou imitando o homem comportado, o Luciano, causando risos em todo mundo.
— Puta meda, Luciano, eu tenho dó da sua mulher. – Todo mundo gargalhou e ele negou com a cabeça.
— Que isso, não traio minha mulher não...
— Não mais.
— Ah sei.
Todo mundo riu gostosamente, bebendo mais cerveja que eu tinha levado e comendo mais carne depois que o Luciano foi tirar da churrasqueira as carnes boas.
— Mudando de assunto, pow cara, você viu só a goleada que o Cruzeiro levou?
— Eu ri demais, uma lavada do Santa Cruz.
— Porra o Grafite voltou com tudo heim, ressurgiu das cinzas, e bem ainda.
— Ressurgiu das cinzas, e cinzas é da cor de... Grafite.
Todo mundo gargalhou e assim seguimos à noite, hora falando de mulher, hora de futebol, bebendo cerveja, zoando uns com os outros, comendo carne, ninguém lembrou direito do arroz e da maionese da Dona Maria.
Não tinha nada melhor que aquilo, um churrasco com os amigos, cerveja, falando de mulher e futebol, uma pessoa normal ou não, isso era uma coisa que eu não poderia me privar jamais.
Nem sei até que horas ficamos ali, só sei que a noite era uma criança para aqueles brutamontes que riam mais que hienas e só falavam bobeira e que no final, acabamos todos parecendo mesmo uma criança como a noite.


Eu era a nova funcionária do Luan Santana.
Essa frase não conseguiu sair da minha mente aquela noite, depois que ele foi embora me deixando na portaria do prédio. Eu subi, tomei um banho, fiz uma janta caprichada e jantei assistindo o novo episódio de “The walking dead”, em grande estilo, mas ainda assim, mesmo distraída com a minha vida normal, eu não conseguia parar de pensar no quanto parecia que ela deixaria de ser normal, e tudo isso começando pelo meu novo chefe e minha nova profissão e meu novo emprego.
Deus, eu ia trabalhar direto com o Luan Santana. E o mais absurdo nem era isso, o mais absurdo era que eu, ao contrário do Brasil inteiro não amava o cara, eu tinha pego uma birra e uma raiva dele que era quase humanamente impossível, ainda mais se tratando de alguém tão adorado.
Era a loucura do ano que obviamente tinha que acontecer comigo. Parecia que o azar ainda estava andando do meu lado.
Tentei não pensar mais naquele cara que já tinha me dado dor de cabeça demais nos últimos dias, e eu já estava dando credito demais para ele, afinal de contas, desde que ele me atropelara no dia anterior, eu não conseguia pensar em outra coisa senão nele e em tudo que estava acontecendo que aumentava cada vez mais.
As flores que ele me deu ainda estavam no vazinho sobre o balcão da cozinha, mas eu as ignorei do mesmo modo que ignorei o bilhete dele que ainda estava lá, estava com vontade de ir lá e rasgar ele em mil pedacinhos, mas não fiz isso, ao contrário, para não ficar olhando para ele e as flores, desliguei a televisão, peguei meu notebook e fui para o quarto.
Deitei debaixo das cobertas, já com meu shortinho curto de dormir e minha blusinha, liguei o notebook no meu colo e fiquei lá, fazendo algumas pesquisas, lendo alguns artigos ou simplesmente assistindo mais episódios online para que minha mente se distraísse e eu parasse de pensar, sabe como é, quando uma coisa fica fixa na sua mente, você precisa distraí-la para parar de pensar.
Enquanto estava mexendo no notebook debaixo das cobertas minha mãe me ligou, que coisa, eu estava mesmo pensando nela, pensando em passar o fim de semana visitando-os para tirar de vez da minha cabeça toda aquela loucura de Luan Santana e tudo o que ele envolvia, e ter uma vida normal ainda por pelo menos um fim de semana, ou o último fim de semana.
— Oi mamãe. – Ouvi a voz dela sorridente do outro lado da linha e sorri, eu quase podia ver ela na minha frente, os cabelos fininhos, curtos, mas não tão curtos que ela amarrava com um lacinho e deixava um rabicózinho atrás, pretos, mas agora mais brancos que pretos, ela não gostava de pintá-los e por isso eu vivia a chamando de minha velhinha, a blusa de crochê vermelha e aquele sorriso luminoso por trás de um par de olhos castanhos sofridos, de uma pessoa que já passou o suficiente na vida.
A saudade veio como uma adaga e penetrou fundo meu coração, me fazendo engolir a bola de lã que se formava em minha garganta para que ela não notasse que eu estava emocionada e começasse a chorar de saudade do outro lado da linha.
— Oi querida, que saudade!
— Eu estava mesmo pensando em você, leu meus pensamentos foi? – Ela riu do outro lado da linha fazendo a voz dela ecoar no meu ouvido, me fazendo sorrir ainda mais e secar a lagrima que escorria do canto do meu olho, sorrateira. Gente melosa é uma coisa, viu.
— Estava pensando o que? Nos meus bolos, eu aposto! – Eu soltei uma risada e emendei.
— No seu macarrão com camarão, na sua lasanha e ah, nos seus bolinhos de chuva. Ai que saudade da sua comida, mamãe! – Ela estava rindo ao me ouvir falar, aposto que estava pensando que eu estava passando fome.
— Está passando fome aí, né? Aposto que não cozinha nem um arroz. – Não disse? Conheço essa véinha.
— Claro que cozinho, mãe, hoje eu fiz brócolis com queijo derretido e um arroz branco, com cenoura ralada, Hmm ficou uma delícia!
— Minha nossa, quando foi que você aprendeu a cozinhar? – Ela estava rindo, estava brincando, claro, eu sabia cozinhar muito bem e ela sabia disso, mas claro que, eu não cozinhava muito quando morava com ela, a comida da minha mãe supera qualquer comida no mundo, sabe aquela coisa de comida de avó que você não come em lugar nenhum, a comida da minha mãe era assim, a da minha avó então, minha nossa, me dava agua na boca só de lembrar, e olha que eu tinha acabado de jantar.
— Hahaha. – Ela continuou rindo, e eu decidi mudar de assunto, agora que o assunto “comida” tinha passado. – Eu tenho uma novidade. – Esperei para dar um suspense e ouvi do outro lado da linha um “que novidade?”, antes de dizer: - Consegui um emprego.
— Ah minha nossa, que bom! Precisamos comemorar! Seu pai vai ficar tão feliz. – Eu sorri, sempre que algo bom acontecia comigo tinha essas duas frases, uma em sequência da outra: “Precisamos comemorar”, e “Seu pai vai ficar tão feliz”. Meu pai era daqueles homens orgulhosos da cria que tem, sabe, que se infla de orgulho quando um filho se forma, quando o filho consegue um emprego bom, ele era assim desde que eu era pequena, se tirasse nota 10, ele ficava todo feliz e orgulhoso e minha mãe dizia “seu pai vai ficar tão feliz”. Eles tinham me tido um pouco mais velhos do que a grande maioria dos pais tem filhos, por isso, eles eram bastante apegados a mim, amorosos e ficavam felizes com as minhas conquistas.
— Eu estava pensando em ir para casa no fim de semana, e podemos fazer algo.
— Que ótima ideia, Mel. Seu pai está aqui gesticulando que está com saudade, acho que é o que ele está querendo dizer, só consigo ver a boca dele se mexendo. – Eu ri e neguei com a cabeça de leve imaginando a cena e vendo-o bem na minha frente, meu véinho de cabelos brancos, eu estava mesmo com saudade deles.
— Mande um beijo através de mimica para ele, então. – Ela riu e eu ouvi o estalar de um beijo, sinal que ela estava mesmo mandando meu beijo.
— Mas por que você não vem amanhã?  É aniversário da tia Hilda e você aproveita e mata a saudade de todo mundo.
Ai, todo mundo.
Minha mãe sabia que eu não era muito chegada em todo mundo da minha família, não que eu fosse brigada com alguém ou fosse o tipo chatinha que não se misturava, mas as pessoas da minha família não eram muito normais, principalmente os filhos da minha tia Hilda, irmã da minha mãe; todos eram sem parafusos, as meninas então, Jesus. Mas eu sabia que minha mãe ficaria feliz de me ver lá no meio deles, dizendo que sua filhinha querida estava se dando bem em São Paulo, mais ou menos como ela ficou e fez quando eu fui para Nova York, não era todo dia que você tinha um filho que vai para os “States”, como dizia minha mãe.
Adoraria matar a saudade de todo mundo. – Ela riu, acho que ela nem notou a minha ironia.
— A Paula e a Lucila não vão na festa, parece que a Paula está com dengue e tem que ficar de repouso e a Lucila está viajando, foi visitar o pai.
Uffa. As piores não estariam lá, isso era um alivio e me fez começar a pensar realmente em ir no dia seguinte, eu já tinha me formado, não estava trabalhando ainda, e não tinha nenhum compromisso, então, por que não?
— Agora estou começando a pensar de verdade na ideia.
Mellissa. ­– Minha mãe me deu uma bronca por telefone e eu ri gostosamente ao telefone.
— Ai mamãe, você sabe que eu não aguento aquelas duas, parece que tem cinco anos de idade e não quase vinte, pelo amor de deus. – Ah, eu já mencionei ainda que elas eram gêmeas? Agora imagine duas pessoas feias, chatas, com mentalidade de cinco anos e GÊMEAS, ainda por cima.
Coitada daquela mãe.
— É o jeito delas, mas elas te adoram! – Para o meu total azar, elas me adoravam, me veneravam, me idolatravam.
Suspirei.
Minha mãe queria mesmo que eu fosse, eu percebia isso no seu tom de voz, eu não tinha mesmo nada para fazer, então...
— Okay, vou pegar o ônibus amanhã cedo.
— Oba! – Agora era ela que parecia uma criança de cinco anos. Eu ri. – Antenor, a Mel vai vir amanhã! – Ouvi ela gritando na linha para o meu pai e ri de novo, já imaginava a cara de feliz do meu pai, mesmo sem vê-lo.
— Diga que vou dar aquele beijo pessoalmente amanhã.
Ela parecia muito feliz do outro lado da linha quando finalmente se despediu de mim, e eu me sentia igualmente feliz, mesmo sabendo que ia ver algumas criaturas da minha família que eu me reclinava a ver na grande maioria das vezes, mas não ia ter outro jeito, família era família, e mesmo que nem todos me agradasse, não dava para mudar, né. Infelizmente.
Desliguei o notebook e liguei a televisão, não gostava de dormir no escuro, sozinha, sem algum som ou alguma coisa ligada, não gostava da sensação de estar totalmente sozinha e o barulho da TV me ajudava  com isso, parecia que a casa estava cheia, ou que tinha pelo menos mais uma pessoa ali me fazendo companhia; me enfiei debaixo da coberta, me deitando de vez e comecei a pensar em como minha mãe e meu pai ficariam quando soubessem com quem e para quem eu ia trabalhar, só de pensar nisso e no dia seguinte, me dava um frio na barriga.
Comecei a pensar em como contaria isso, e enquanto bolava diálogos na minha cabeça, acabei adormecendo com a teve ligada.
Acordei com meu celular vibrando debaixo do meu travesseiro, nem me lembrava de o ter colocado ali, me virei de lado puxando o aparelho de debaixo do travesseiro e olhando a tela para observar que um número desconhecido me ligava, deslizei o dedo pela tela e atendi com a voz meio rouca.
— Alou?
— Mel? É a Joana. Te acordei, né? Desculpe. – Era a Joana, minha nova chefe, nossa tão cedo? Afastei o celular do ouvido para ver as horas, eram oito da manhã.
— Oi Joana, acordou sim, mas não se preocupe, já está na hora mesmo. – Dei uma risadinha, ainda bem mesmo que ela tinha me acordado ou eu perderia a hora e acabaria indo tarde para a casa dos meus pais, no interior de São Paulo.
— Me desculpe, é que eu esqueci de te falar que preciso dos seus documentos ainda hoje para dar início na contratação, a Marie, assistente da Ana, vai fazer a contratação hoje senão não consegue te colocar na folha.
— Ah sim, claro, posso fazer isso agora cedo mesmo. O que você vai precisar? – Ela me passou uma lista de documentos que eu anotei na minha caderneta de anotações na cabeceira da cama, e então nos despedimos.
Caramba, era melhor eu correr, fazer tudo isso e depois ir para o Tiete, chegaria um pouco mais tarde na casa dos meus pais, mas ainda teria o fim de semana inteiro, então não tinha problema.
Me levantei e me arrumei, aproveitei e fiz uma mala mediana, sem muitas coisas, mas com itens básicos para um fim de semana, algumas blusas variadas, duas calças jeans, uma jaqueta, meu pijaminha que se baseava num shortinho curto e uma blusinha justa, lingerie e duas sapatilhas e um par de saltos, caso precisasse, parecia até coisa demais para um fim de semana, mas eu não gostava de falta de roupa quando precisava, gostava de ter opções, mesmo que fosse para ficar em casa.
A mala não estava pesada, mas era de rodinha, o que ajudava bastante, juntei toda a documentação que a Joana pediu, coloquei na minha bolsa de ombro e sai de casa por volta das nove e meia, planejando entregar os documentos no escritório até as dez e meia e chegar ao tiete para pegar o ônibus por volta do meio dia, uma da tarde, chegaria na casa dos meus pais perto das três da tarde.
Naquele horário o metrô estava tranquilo, todo mundo já estava trabalhando então não tinha muita movimentação nas estações, cheguei antes do previsto na Paulista e logo estava no prédio onde ficava o escritório onde eu provavelmente passaria bastante tempo, não tanto quanto as pessoas que trabalhavam direto ali, mas eu já podia me habituar com aquele caminho, com certeza.
Cumprimentei a menina da recepção que disse que meu cadastro já estava liberado direto e disse que a empresa me forneceria um crachá para a entrada e saída do prédio sem passar pela recepção mais.
Subi até o decimo quinto andar, quando sai do elevador, fui recebida pela recepcionista que, agora eu via o nome no crachá dela, se chamava Michelle; ela me informou que a Joana já estava indo me receber, não demorou nem cinco minutos e a Joana estava na recepção pedindo desculpas e dizendo que de agora em diante eu não precisaria mais esperar na recepção, poderia entrar direto. Aquela coisa de emprego novo, primeiro dia no trabalho, todo mundo te olhando, sorrindo, vendo a novata, e você totalmente meio perdido ainda no ambiente, sem conhecer ninguém, sempre me deixava sem jeito, eu me sentia como uma criança no primeiro dia de aula numa escola nova.
De praxe, a Joana me levou de sala em sala, me apresentando todo mundo, eram nomes demais para eu decorar, mas sabia que com o tempo eu começaria a conhecer mais as pessoas, de pouco em pouco, até que um dia, tudo pareceria normal para mim como se trabalhasse ali há séculos e conhecesse todo mundo há anos. O lugar era mais grande do que eu pensava, pelo que eu notei, aquele prédio ia até o décimo oitavo andar, e do décimo quinto até a cobertura, era tudo da empresa LS (Ahh, aquele LS que eu vi no dia da entrevista, claro, LS de Luan Santana, que tonta eu né), caramba, quatro andares só deles, e eu pensando que a empresa era só aquele andar. No andar de cima, no décimo sexto ficava a área de copa e cozinha que os funcionários também tinham acesso, todos eles recebiam vale refeição, mas podiam levar alguma coisa para comer e deixar na geladeira da cozinha, como frutas, Danone, sucos, de manhã sempre havia um horário de café da manhã ali, com pães, bolos, frios, tudo dado pela empresa, a mesma coisa acontecia à tarde, havia também uma área de descanso, com sofás, televisores, uma sala meio escurecida com vários sofás de dois lugares onde as pessoas podiam dormir durante o horário de almoço, a Joana me disse que algumas pessoas não gostavam de sair para almoçar fora todo dia, então levavam um almocinho de casa e aproveitavam o resto das horas do almoço para descansar ali, eles tinham uma hora e meia de almoço, que mordomia heim.
Tinha uma academia interna, onde os funcionários podiam malhar durante o horário de almoço se quisessem, e claro, tinha um vestiário feminino e masculino, o feminino tinha chuveiros, espelhos enormes e também armários para guardar suas coisas com cadeado particular para cada um.
Aquilo ali nem parecia uma empresa, caramba!
Os dois andares de cima, segundo ela, eram para a “diretoria”, o décimo sétimo andar era onde ficava a sala do pai do Luan, que era o empresário dele, pelo que eu entendi, uma para ele mesmo, e algumas outras para pessoas importantes naquela empresa toda, ela não mencionou o que havia na cobertura, mas se bobeasse tinha uma piscina, salão de jogos ou sei lá mais o que.
Depois de me apresentar todo mundo, me mostrar o lugar, ela me deu o meu crachá oficial, que eu usaria para entrar em qualquer lugar onde o Luan estivesse, bastidores de programas de televisão, rádio, camarim nos shows, ou seja, passe livre para qualquer lugar onde ele fosse, com ou sem ele lá, eu podia entrar para tudo em qualquer lugar, aquele mesmo crachá me dava entrada também no prédio, nas catracas de entrada, como a menina da recepção do prédio havia me dito.
Ela me deu um cartão ticket de vale refeição para poder almoçar ou comer alguma coisa quando não estivesse com o Luan, segundo ela, tinha quinhentos reais por mês nesse cartãozinho, e mais o cheque de mil reais que era de alimentação, nessa hora eu franzi o cenho e perguntei:
— Ué Joana, mas não era só mil reais para despesas de alimentação? Por que então o ticket refeição?
Ela riu e deu de ombros.
— O ticket é mais prático, e os mil reais é de alimentação geral, serve tanto como um vale alimentação para você fazer compras em casa se quiser, ou para almoçar durante o trabalho, você usa ele como bem entender, ele faz parte do pacote de benefícios, mas você decide como usá-lo.
Ou seja, eu tinha mil reais de compras de casa, se quisesse, mais quinhentos no ticket, minha nossa senhora, era tudo um exagero, não era, não?
— Eu sei que você deve estar pensando que é demais, mas acredite, é um trabalho muito intenso, vai exigir muito de você, vai ter horas que você vai se perguntar como vai ter uma vida social decente, sendo que tem que viver pelo Luan, por isso ele paga tão bem, para suprir o seu tempo livre que acaba hoje. – Ela riu nessa hora, como uma piadinha, eu acho que não era bem uma piadinha, mas uma verdade por trás de uma piadinha. – E a responsabilidade que você tem, você tá lidando com a vida pública dele.
Era mesmo coisa demais, pensando bem. Não disse nada, e ela continuou.
Me deu cinco camisetas P onde tinha uma foto do Luan na frente, meio amarronzada, e na verdade eram três Luan’s ali, e atrás estava escrito “assessoria”, ela disse que era bom usar essas blusas em shows grandes, como eventos onde tinham muitos cantores, vários camarins, as vezes programas de teve, tipo especiais, onde tinham vários artistas, isso te diferenciava e também marcava o que você era e de quem era, e com o crachá te poupava de ficar falando para quem trabalhava toda vez que entrava em algum lugar, ou saia dele. Me deu também duas jaquetas de frio onde atrás estava escrito em cima Luan Santana e embaixo “assessoria” novamente, na frente na parte do bolso, estava bordado as letras LS.
Me deu um aparelho celular muitooooo mais chique que o meu, era apenas um Galaxy note S6.
M-E-U-D-E-U-S.
Pausa para esse momento, um Galaxy S6, putaquepariu.
— Você vai precisar disso para trabalhar. A linha é livre Okay, pode ligar para qualquer número livremente, já coloquei todos os contatos que você precisa ai, o meu número, o número da Ana, pode ser que você precise, o número da Rose, a responsável por fechar a agenda dele, o Cláudio, responsável do Marketing, o número de todos os seguranças particulares do Luan, ou seja, os mais próximos que vão com ele para programas de teve, rádio, festas, eventos, ou quando ele resolve sair por ai para viver a vida dele, até mesmo nesse momento ele tem que ter um segurança por perto, os demais de shows e tudo mais, são sempre responsabilidade do Jordan, ele é o chefe de segurança, o número dele também está ai. Tem também o número do Luan, e também no whatsapp, eu falo muito com ele no Whats, me poupa tempo.
Putamerda, agora eu ia falar com aquele idiota também no Whatsapp?
A minha vida estava feita, pai do céu. Fui irônica, Okay?
Mas pelo menos eu ia falar com ele no whatsapp usando um Galaxy S6. HÁ!
Pago por ele. ¬¬
Okay, ignore essa voz idiota.
Ela me deu a caixinha do celular com todos os acessórios.
— Nesse celular também tem um aplicativo onde eu organizo e controlo a agenda dele, mas te mostro isso melhor segunda, quando você começar a trabalhar.
Eu assenti, estávamos na sala dela e na mesa a minha frente já estava cheio de coisas, um celular, a caixinha do celular ao lado, um crachá, um ticket refeição, duas jaquetas, cinco camisetas, e parecia que não parava por aí. Caramba, pelo jeito trabalhar com ele envolvia mais coisas do que eu imaginava.
Ela me entregou um crachá grande, para shows, festas, eventos, segundo ela, era obrigatório também para eu entrar nos lugares onde ele estava.
Olhei para o crachá, já tinha meu nome completo, a minha foto (onde eles conseguiram essa foto?) e embaixo meu cargo “Assistente de assessoria”. Ela pareceu notar que eu estava lendo e disse:
— Por enquanto vai ser esse o cargo, quando você assumir de vez, passa para assessora pessoal.
Assenti mais uma vez e ela me esticou um chaveiro, tinha uma caixinha quadrada, preta, pendurado num chaveirinho da Nossa Senhora Aparecida, ao lado também tinha uma chavinha pequena.
Eu estiquei a mão e o peguei, segurando e esperando a explicação dela.
— A chave do carro, tem um botãozinho do lado do chaveiro que abre a chave e mostra os botões de alarme; a chave menor é para um compartimento secreto que tem dentro do carro, onde você pode guardar algo de valor, caso queira; esse compartimento fica embaixo do tapete do seu banco, eu te mostro depois, é bem fácil de mexer e serve para o caso de você estar andando com muito dinheiro vivo ou algo do tipo e não quiser ser roubada. – Arregalei os olhos quando ela disse a palavra “roubada” e ela se apressou em dizer.
— Ah, não se preocupe, o carro tem seguro, não será descontado de você caso seja roubado, você o bata ou qualquer coisa assim, ele também é blindado, tem trava antirroubo, que faz o carro não funcionar se você acionar e GPS, se roubarem, a polícia acha ele em cinco minutos. A nossa própria equipe consegue rastrear e manda a localização para a polícia, ah, e tem um botãozinho na porta que você aperta e aciona aqui para gente que você está com problemas, e eles acionam a polícia, pode ser em caso de assalto, sequestro, qualquer coisa, eu te mostro daqui a pouco, o carro está na garagem, e você já pode levar ele hoje.
Fiquei meio boquiaberta ouvindo ela e tentando processar tudo que ela dissera e... UAU. Caramba!
Ela disse assalto, sequestro? Eu corria esse risco?
— Alguém aqui já foi assaltado ou sequestrado? – Ela sorriu de um jeito amistoso, acho que meu pânico estava bem visível.
— Não, graças a Deus, até hoje não, mas é melhor prevenir do que remediar, não é mesmo? – Ufa! Caramba, eu estava gelada de medo, meu coração estava batendo forte no peito só de pensar em algo assim acontecendo comigo.
Assenti com a cabeça e ela sorriu.
— Parece muita coisa agora que estou te passando tudo isso, mas você vai ver que é bem tranquilo no final das contas, só nos primeiros dias que parece uma loucura, mas sei que você vai pegar o jeito rapidinho.
Sorri, aliviada e assenti com a cabeça.
Ela disse que tinha uma bolsa onde eu podia levar aquelas coisas e se levantou, caminhando até um armário e pegando uma bolsa grande de ombro, obvio que era do tal cantor que agora eu trabalhava para ele, né. Ela colocou as camisetas, as jaquetas, os crachás, a caixinha do celular e tudo mais dentro dessa bolsa, a chave do carro ainda estava na minha mão, mas ela não pediu para guardar.
Ela me entregou a bolsa e pediu para eu acompanha-la até o estacionamento no subsolo para mostrar o carro, depois disso eu estava livre.
E eu era oficialmente a assistente de assessoria do cantor Luan Santana, eu oficialmente agora trabalhava para aquele cretino, idiota, metido, filhinho de papai, babaca, com aquele sorrisinho sacana que fez eu passar por tudo aquilo aquele dia, mas que agora parecia estar me recompensando muito mais com tudo isso, eu nunca ganharia tudo isso trabalhando na rádio onde eu perdi aquela entrevista. Comecei a pensar no que a Ju tinha dito, destino, será mesmo que isso existia?
O que o destino queria me colocando do lado desse babaca? Eu não fazia ideia, e honestamente, nem queria saber.
Saímos na recepção e a Joana disse a Michelle que a partir daquele momento eu tinha acesso livre para entrada e saída, e a recepcionista me sorriu, simpática, e me dando as boas-vindas.
Entramos no elevador e ela olhou o celular, suspirando e em seguida se virando para mim.
— Ás vezes o Luan é meio teimoso sabe. – Eu olhei para ela de lado, ainda estava com o celular na mão e me mostrou rapidamente uma conversa no Whatsapp, eu só reparei que era com ele porque tinha uma foto dele no alto do aplicativo, de óculos escuros e os cabelos arrepiados. – Ele tinha que ir para o estúdio hoje cedo, mas deu um churrasco no apartamento dele ontem à noite e nem saiu de casa ainda.
Ela estava negando com a cabeça como uma mãe quando o filho não faz o que ela manda, eu dei uma risadinha e ela suspirou, guardando o celular.
— Ah, eu sei o que você está pensando? – Eu olhei para ela e ergui as sobrancelhas, ela estava rindo.
— Que você parece a mãe dele e ele o filho levado que não faz o que a mãe pede? – Ela soltou uma gargalhada e assentiu com a cabeça.
— Mas é exatamente isso mesmo, ele as vezes parece uma criança que você tem que segurar na mão e levar até lá ou não faz o que tem que fazer. – Eu ri, pelo jeito ele podia ser meio teimoso ou não gostar tanto de tudo que fazia. Acabei perguntando isso.
— Ele não gosta muito de tantos compromissos?
— Ah não, não é isso, ele ama o trabalho dele, você vai notar isso, mas as vezes realmente é cansativo, e as vezes marcam coisas demais num dia só, eu pedi para o pessoal da agenda dar uma diminuída no ritmo, quando ele não tem shows tentamos marcar menos coisas, assim ele descansa mais e tem mais tempo para ele.
Eu assenti com a cabeça, o elevador estava descendo ainda.
— Ele também tem seus dias de preguiça, rebeldia, cansaço, gripe, mal humor, como qualquer pessoa, e nesses dias é sempre bom você virar mãe dele ou ele não faz nada. – Eu ri e assenti com a cabeça.
Ótimo, agora eu ia ser mãe também desse babaca? Isso estava ficando cada vez melhor.
A Julia mataria por esse emprego, ela e a torcida feminina do Corinthians, pelo jeito. Eu não fazia ideia de quantas fãs ele tinha no Brasil, mas eu apostava que era mais do que eu poderia sequer imaginar, e todas elas matariam para estar no meu lugar enquanto eu estava adorando tudo, menos o cantor ser ele.
Que coisa, né.
Será que eu odiaria tanto assim se ele não tivesse me atropelado? Mas se ele não tivesse me atropelado eu jamais teria conhecido a Joana e ela jamais teria me chamado para aquela entrevista, e eu estaria agora trabalhando na rádio onde a Julia trabalhava.
A palavra que a Júlia tanto adorava ecoou novamente na minha cabeça “destino”, mas eu a ignorei.
Saímos do elevador direto no subsolo onde ficava o estacionamento. Seguimos por entre os carros estacionados, reparei que a grande maioria eram carros chiques, do ano, eu não fazia ideia de qual carro poderia ser, mas estava pensando num Palio meio velhinho, ou num uno básico, por isso quando ela parou ao lado de um carro que de longe não se parecia nada com um Palio meio velhinho, eu levei um minuto inteiro para entender que aquele era o carro que ficaria comigo.
— Mel? A chave. – A Joana disse e eu olhei para ela emitindo um sonoro “Han?”, ela riu e puxou a chave que estava na minha mão, apertando o botãozinho na lateral da caixinha fazendo uma chave aparecer e os botõeszinhos de alarme que ela apertou para destravar, o carro fez um sonoro PI e destravou as portas, ela devolveu a chave na minha mão e eu fiquei mais meia eternidade olhando o carro.
Era um Citroen C4, preto, novinho, vidro fume, a coisa mais linda, e MEU! Quer dizer, temporariamente meu, enquanto trabalhasse para aquele babaca.
Meu deus, ele estava saindo melhor do que eu poderia sequer imaginar, talvez isso recompensasse finalmente tudo que ele me fez passar? É, talvez, estava começando a recompensar.
Quase ri com meus pensamentos e me voltei para a Joana que estava falando. Ela estava apontando para a frente do banco do motorista, estava falando sobre o compartimento secreto cujo tinha comentado antes.
Eu caminhei até o carro e entrei, me sentando no banco do motorista e me inclinando para a frente, o rosto quase colando no volante, passei a mão pelo tapete e o puxei, olhei para baixo e vi só o carpete do carro, ela apontou para o canto do carpete, próximo do cambio, puxei ele e então vi, tinha mesmo uma espécie de caixinha, quase não dava para perceber, parecia o fundo do carro, mas se você olhasse bem via que tinha algo ali.
Não abri, coloquei o carpete novamente por cima e ajeitei o tapete do carro, parecendo normal como se eu nem tivesse mexido. Sai do carro, ficando do lado de fora, a porta estava aberta e a Joana estava atrás da porta, recostada nela. Olhei para ela e dei uma risadinha, incrédula.
— Sério que é um Citroen C4? – Ela ergueu a sobrancelha confusa, mas então percebeu sobre o que eu estava falando.
— Ah, você não faz ideia de como o Luan é, ele já é generoso com todo mundo normalmente, quando você trabalha muito mais próxima dele então, ele realmente quer ver você bem, ele recompensa de verdade quem trabalha para ele, e isso é muito gratificante.
Eu sorri, pensando uma coisa nada a ver, mas quase ri com meus pensamentos, então eu disse para ela.
— Ele compra um C4 para todas as assessoras dele? – Ela não entendeu a pergunta e nem por que eu estava rindo que nem louca agora. Então fiz a pergunta direito. – Ele compra um Audi para todas as submissas dele?
Eu vi o ar de entendimento na cara dela e ela começou a rir, ela riu tanto que se apoiou no carro com uma mão e a outra colocou na barriga.
— Ai meu Deus, Christian Grey? – Eu estava rindo junto com ela, quase sem folego.
— Desculpe, foi um pensamento inevitável. – Ela foi recuperando o folego.
— Aí quem dera se fosse o Christian Grey, quer dizer, não, não podia ser, meu marido me mataria. – Eu ri novamente, a barriga estava dolorida de tanto rir.
— Estava brincando, mas o lance do carro chique e tudo mais... – Eu disse e ela assentiu com a cabeça, o sorriso no rosto ainda.
— Ah, não, ele não dá um carro para todo mundo não, só para você.
Ergui as duas sobrancelhas, surpresa. Não, não podia ser só comigo isso.
— Quando eu comecei a trabalhar com ele, eu tinha acabado de comprar meu carro, e o salário foi aumentando, daí eu fui trocando... ele não teve outra assessora além de mim... e quando pensamos na vaga, pensamos em dar um carro para a pessoa direto da empresa, assim ela não precisaria usar o dela, e se não tivesse o próprio, não teria problema para se locomover.
Okay, agora estava explicado, mas a piada tinha sido boa.
Se ele fosse o Christian Grey, bom... daí eu podia perdoá-lo rapidinho.
— Vou dizer pras minhas amigas que foi o Christian Grey brasileiro que me deu o C4. – Eu disse, brincando e rindo e ela riu junto, fazendo cara de pensativa.
— Eu não sei se o Luan curte um chicote, mas olha, fisicamente ele daria um bom Christian Grey, eu sempre digo para ele que se eu fosse novinha... – Ela não completou a frase, deixou ela no ar, e eu soltei uma gargalhada.
Ah danada, seu marido sabe disso?
— Olha o exemplo para a nova assistente, Joana, que isso. – Eu disse, entre risos e ela gargalhou novamente.
— Meu Deus, é mesmo, nada de se envolver com o chefe, heim... se você conseguir resistir. – Ela ainda estava gargalhando, então não sei se foi piada ou se era para levar a sério.
— Ai, Deus, não diga que ele dá em cima das novas assistentes? – Eu perguntei rindo, mas queria saber o que ela ia dizer, só para o caso dela descobrir sobre o quase atropelamento, ele no bar comigo e o “se estivesse me paquerando”, que ele mencionara enquanto me levava para casa ontem, coisas que, até então, ela nem fazia ideia, para ela, eu só tinha visto o Luan na entrevista e nunca mais.
Quem dera, eu seria mais feliz se fosse isso.
— Que eu saiba não, mas ele é homem, né, o danado é bonito e sabe disso, e tem uma carinha de quietinho, mas olha... é só carinha mesmo, é safaaado... Eu já ouvi mais coisas do que gostaria. – Ela soltou uma gargalhada. - Mas faz parte da profissão. Agora com o novo Status de relacionamento dele, bom, não sei como ele vai agir.
Novo Status de relacionamento? O que ela queria dizer com isso? Que ele namorava ou que ele não namorava mais?
Queria perguntar, mas achei melhor não, ela poderia achar que eu estava interessada demais nele e não ia pegar bem, até porque, na moral, não me interessava mesmo o status de relacionamento dele, desde que ele me deixasse trabalhar em paz sem aquele sorriso sacana e aquelas cantadinhas idiotas, por mim ele podia até ser gay que eu não ia ligar.
— Agora sou eu que vou ouvir né? – Eu dei uma risadinha e ela assentiu, dando de ombros.
— Se prepara. – Ela riu e eu fiz cara de ‘coitada de mim’, o que fez ela rir mais ainda, então ela parou de rir e tocou meu ombro de leve com a mão. – Olha, quero que saiba que eu não te contratei por causa da situação do banheiro aquele dia, o que foi realmente muito triste com você e espero que tenha terminado tudo bem. – Eu sorri, ela mal imaginava o que mais tinha acontecido naquele dia, mas eu não comentei nada, deixei ela concluir. – Eu te contratei porque você é perfeita para o cargo, você não pareceu se deixar intimidar pelo Luan, e eu tenho certeza que, mesmo que ele dê em cima de você, você vai saber colocar ele no lugar dele; além do mais, você é muito capacitada, eu tenho certeza que você vai se sair muito bem!
Eu sorri afetuosamente, aliviada por saber que ela me contratou porque confia na minha capacidade e acha que eu sou a certa para o cargo, e não apenas por causa do babaca, e por não ser fã dele.
Sussurrei um obrigado e ela me sorriu de volta, gentilmente.
— Bom, vou deixar você ir aproveitar seu fim de semana enquanto pode. – Ela riu, brincando. – Mas mantenha o celular ligado, pode ser que o Luan te mande alguma coisa para testar o celular.
Eu assenti.
Se tudo estava terminando eu precisava pegar minha mala que tinha deixado no compartimento de guarda volumes da recepção do prédio, por isso, fechei a porta do carro e apertei o botão do alarme, a Joana me olhou surpresa, acho que ela pensou que eu ia devolver a chave e emendou rapidamente.
— Pode ir com o carro, ele é seu a partir desse momento, fica com você livremente enquanto for... submissa dele. – Ela riu, brincando e eu ri junto.
O carro era meu? Meu deus, eu tinha um carro e graças a aquele panaca.
Eu estava começando a gostar disso, acho que conseguia aguentar ele com todos aqueles benefícios ao meu favor.
— Ser submissa tem suas vantagens. – Eu brinquei e ela riu, saímos andando em direção ao elevador e ela me olhou, franzindo o cenho, confusa e eu disse. – Deixei minha mala no guarda volumes da recepção.
— Ah, vai mesmo aproveitar o fim de semana? – Ela riu e eu assenti com a cabeça.
— Mais ou menos. Vou visitar meus pais no interior de São Paulo.
Entramos no elevador, ela apertou o botão 15 e eu apertei o botão T, de térreo.
— Bom, faça boa viagem, descanse bastante, divirta-se e se prepare para a loucura que vai ser sua vida a partir de segunda-feira.
Eu sorri e ela me sorriu de volta, dando de ombros.
— Infelizmente não estou brincando. – Eu soltei uma risada mais alta.
— Tudo bem, estou preparada para isso. – O elevador parou, o térreo era muito perto do subsolo né, as portas se abriram e ela me abraçou. Eu gostava da Joana, ela era uma pessoa muito boa, atenciosa e sincera, a gente ia se dar muito bem, eu sabia disso. Sussurrei um: - Obrigado Joana.
Ela sorriu e disse:
— Pode me chamar de Jô. A gente se vê segunda. Boa viagem.
Sai do elevador dando um tchauzinho para ela, as portas se fecharam e eu me virei para seguir até a recepção para pegar minha mala.
A moça da recepção me olhou, curiosa, eu disse que iria embora de carro e ele estava no subsolo e ela assentiu, me entregando a mala enquanto eu voltava em seguida para o elevador, descendo para o estacionamento.
Que coisa né, entrei naquele prédio a pé, sem nada e estava saindo com um carro, um celular maravilhoso, um cheque de mil reais e uma bolsa cheia de coisas para meu novo emprego.
Que evolução heim, isso que eu chamo de emprego!
A chave do carro ainda estava na minha mão quando o elevador abriu a porta, caminhei até o carro e parei em frente a ele, de repente me ocorreu uma ideia que apesar de obvia, eu não tinha pensado ainda.
Caramba, eu tinha um carro! Eu tinha um carro!
Eu não ia mais precisar ir para o Tiete e pegar um ônibus para ir para a casa dos meus pais, nem ligar para meu pai me buscar na rodoviária quando eu chegasse na cidade, não, eu ia poder ir dirigindo, dirigindo meu próprio carro, meu próprio carro que era um Citroen C4.
MEU DEUS!
Okay, aquele babaca, idiota, metido e filhinho de papai estava perdoado.
Mas ele não precisava saber, não é mesmo?
Apertei o botão do alarme, abri a porta de trás e coloquei no banco de trás a mala, minha bolsa de ombro e a bolsa que tinha ganhado da Joana, com todos aqueles itens importantes para o trabalho, e fechei a porta, indo para o banco da frente e me ajeitando no banco. Fechei a porta, coloquei o cinto e fiquei ali, por uma eternidade, olhando meu novo carro que era hiper, mega, ultra chique.
Eu odiava o Luan Santana, mas tinha que confessar, estava adorando tudo aquilo que eu estava ganhando para trabalhar com ele.

Meus pais moravam numa cidadezinha que ficava há umas duas horas de viagem de São Paulo, era uma cidade pequena e comparada a São Paulo então, era uma cidade minúscula, mas ainda assim não era tão minúscula assim, tinha até um shopping lá, quer dizer, um mini shopping, se também for comparar com São Paulo, mas era uma cidade tranquila, muito bonita e sossegada, e eu passara uma adolescência inteira louca para sumir de lá e meus pais loucos para ficarem lá até morrerem, por isso, eu só ia para visita-los mesmo e nada mais.
A viagem de carro foi mais rápida do que de ônibus, demorei uma hora e meia até a cidade e fui aproveitando o caminho, a paisagem, ouvindo minhas músicas favoritas no rádio do carro e aproveitando meu carro novo. Como era bom ter um carro!
Quando cheguei em frente à casa dos meus pais e buzinei, minha mãe saiu até o portão e arregalou os olhos ao me ver dentro do carro, e que carro, diga-se de passagem. Abri a porta e sai, toda sorridente, já vendo meu pai ao lado da minha mãe e o espanto deles, surpresa e felicidade, tudo ao mesmo tempo naqueles rostinhos que eu adorava tanto.
— Meu Deus, minha filha, que carro é esse? – Minha mãe veio, toda animada, admirando o carro, era mesmo lindo!
— Gostou mamãe? – Eu vi meu pai se aproximando, o olhar admirado, mas o rosto estava meio sério, meio duvidoso, eu conhecia aquele olhar, ele estava com medo, do que será? – Papai?
Ele desviou os olhos do carro e me olhou, abrindo o sorriso, mas o sorriso era aquele temeroso, não totalmente sincero como o da minha mãe que estava se derretendo pelo carro.
— Que coisa mais linda, Mel, minha nossa, quando foi que você comprou isso? Por que não nos contou nada? – Eu ri, ela estava completamente entusiasmada. Percebi que alguns vizinhos que estavam na calçada ficaram olhando, provavelmente tentando entender o que estava acontecendo para espalhar para os outros vizinhos que não estavam vendo a cena.
Olha lá, a filha do Antenor e da Carmen comprou um carro, você viu só? Um carrão, novinho, do ano. Fiquei sabendo que ela está trabalhando em São Paulo e ganhando muito bem?
É mesmo? Mas será que é um emprego decente? Ou será que ela virou garota de programa?
Eu já podia imaginar as conversas e eram mais ou menos assim mesmo.
— Mellissa, onde foi que você arrumou dinheiro para comprar um carro desse, minha filha? Parece um carro bem caro. – Eu sabia que a mente do meu pai estava trabalhando a todo vapor e ele estava desconfiado.
— Na verdade, eu não comprei, ganhei no meu chefe. – Os olhos do meu pai se arregalaram.
Ai meu deus, será que ele também estava pensando que eu estava trabalhando de garota de programa?
— Do seu chefe? – Ele perguntou, assustado, o pânico aumentando em sua voz, e eu comecei a rir, nervosa. Quando fico muito nervosa assim começo a rir.
— Mellissa? – Perguntou minha mãe, se aproximando de nós, e eu comecei a rir.
Meu deus, eles estavam entendendo tudo errado.
— Meu Deus, vocês estão pensando o que de mim? – Eu disse rindo, tentando explicar para ver se eles entendiam direito. – Ganhei do meu serviço, para trabalhar, não do meu chefe exatamente, mas foi ele que pagou, né. É para o trabalho, é que eu vou precisar viajar bastante, andar para lá e para cá em São Paulo, então preciso de um carro, não é meu. Podem ficar tranquilos, eu não estou me prostituindo.
Disse finalmente e dessa vez foi minha mãe que arregalou os olhos.
Mellissa! – Eu abracei meu pai pelo ombro que agora parecia mais relaxado e dei-lhe um beijo na bochecha.
— Não se preocupe papai, mas olha, eu posso aproveitar bastante do carro enquanto é meu emprestado. – Meu pai sorriu e eu puxei ele em direção ao carro para ele ver melhor. – É um carro e tanto não é, papai?
— Ah sim, muito bonito, minha filha. Que bom que essa empresa te deu o carro então, vai te ajudar bastante, não é?
Eu sorri, aliviada por ver o olhar dele mais calmo e sereno novamente. Nossa, meus pais deviam estar vendo muita novela ou o Datena, que isso gente.
— Vamos entrar então, pega suas coisas, acabei de servir o almoço, demorei para fazer só para dar tempo de você almoçar com a gente. – Minha mãe foi entrando para dentro de casa e meu pai ficou para trás para me ajudar com as malas.
 Peguei as duas bolsas de mão e entreguei para ele, era melhor eu levar a mala mais pesada, não gostava de deixar ele fazer esforço, afinal de contas, vivia tendo dores nas costas e na coluna.
Meu pai tinha agora quase sessenta e cinco anos e minha mãe quase sessenta, tinha cinquenta e oito, mas eu achava eles bem acabadinhos para a idade deles, talvez fosse por terem trabalhado demais a vida toda, haviam tido uma vida bem dura e difícil, e eu me orgulhava muito deles por isso, apesar de tudo, eles tinham vencido na vida, me deram uma boa educação e fizeram de tudo para que eu pudesse ir estudar em São Paulo e conquistar meus sonhos, o que, claro, nada tinha sido de mão beijada, eu tinha trabalhado toda minha adolescência também para juntar dinheiro e pagar a faculdade, um exemplo que peguei deles.
— Sua mãe comentou que você conseguiu um ótimo emprego, vendo o carro agora vejo que realmente é muito bom! – Meu pai ficou ao meu lado me esperando e começamos a caminhar devagar para dentro de casa.
— Ah, papai, é um emprego maravilhoso. O salário inicial já é excelente e depois vai aumentar ainda mais. Vou poder ajudar vocês e ainda guardar um bom dinheiro na poupança, eu jamais conseguiria gastar tudo o que vou ganhar. – Eu disse, toda sorridente. Sim, o dinheiro do salário e dos benefícios me ajudariam muito, eu poderia ajudar mais meus pais, talvez consertar o vazamento da cozinha que vinha dando problemas há meses, talvez trocar o fusca velho que meu pai tinha por um carrinho mais novo, nada muito caro, mas um uno 1996 já o ajudaria bastante, aquele carro estava caindo aos pedaços já. E o que sobrasse, eu poderia guardar na poupança para um futuro, dez mil por mês era coisa demais, se eu conseguisse ficar trabalhando com ele por bastante tempo, poderia juntar o suficiente para comprar um apartamento meu mesmo, uma vez que o que eu morava era alugado.
Mas eram sonhos demais e eu era uma garota realista, não gostava de sonhar tanto, por isso, voltei a realidade, um passo de cada vez, eu nem tinha visto de fato como era trabalhar na função da Joana, que parecia bastante responsabilidade, e ainda por cima, aguentando aquele panaca.
— Ah, minha filha, estou tão orgulhoso de te ver subindo na vida, continue assim, degrau por degrau, e você vai chegar longe. – Eu parei e sorri, olhando para ele, o homem que eu mais amava no mundo e senti meu coração se inflando como um peixe boi.
— Devo tudo isso a vocês, papai, sem vocês eu jamais chegaria onde estou indo. – Ele sorriu, os olhos ficando vermelhos, ele iria chorar se eu continuasse falando, eu conhecia ele muito bem.
Ele riu.
— Assim você vai fazer esse velho bobão chorar. – Eu ri e apertei o botão do alarme do carro, seguindo para dentro de casa.
— Vamos logo antes que a mamãe nos arraste pelos cabelos para o almoço. – Ele riu e me acompanhou, me ajudando a levar minhas coisas para o meu quarto que permanecia como sempre desde que eu tinha saído de casa.
Coloquei as malas sobre a cama e segui o cheiro maravilhoso da comida até a cozinha. A mesa estava posta, os pratos e talheres em cada lugar, copos de boca para baixo, no centro da mesa uma travessa de arroz, uma de feijão, uma de salada de maionese e uma de bife à parmegiana. Havia uma jarra de suco de laranja natural também, meus pais não tomavam refrigerantes e eram adeptos a natureza, incentivando todo mundo que ia em casa a tomar um delicioso suco natural, laranja, abacaxi, goiaba, manga, e confesso, os sucos da minha mãe eram uma delícia!
Ela sabia como me agradar! Sou apaixonada por bife à parmegiana e salada de maionese.
Segui até meu lugar de sempre e puxei a cadeira me sentando. Na minha casa, desde que me conheço por gente, os almoços e jantares são assim, na mesa, com ela posta, pratos e talheres para cada pessoa, a comida no meio de modo que você pode se servir sem sair da mesa e comer o quanto quiser, quando o almoço acaba, minha mãe e eu recolhemos os pratos e a comida, e minha mãe vem com a sobremesa, sim, sempre tem sobremesa, e essa é sempre a melhor parte, minha mãe é uma cozinheira de mão cheia, assim como a comida, a sobremesa é sempre espetacular.
Fizemos uma oração de agradecimento e mamãe pegou o prato do papai para servi-lo, ela gostava de servir ele sempre, eu peguei meu prato e coloquei um pouco de salada de maionese e um pedaço de bife à parmegiana, e assim nosso almoço seguiu, tranquilo, calmo, em família, eu me sentindo em casa novamente, como se fosse uma adolescente que ainda não tinha saído de casa, ainda não tinha arrumado um trabalho e ainda não trabalhava para o Luan Santana, apenas uma adolescente normal. E esse sentimento era um dos que eu mais gostava de sentir, como se eu ainda fosse só uma adolescente normal.
Depois do almoço ajudei mamãe na cozinha, lavando a louça enquanto ela secava e guardava, ficamos conversando sobre os acontecimentos da cidade e da família, a notícia mais importante e falado do momento era que a filha mais nova da minha tia Ana tinha ficado gravida, que decadência, a menina só tinha treze anos, ela sim deveria ter o quarto cheio de pôsteres do Luan Santana, sonhando em casar com o cara ao invés de ficar por ai fazendo sexo e arrumando filho, pelo amor, ela só tem treze anos, onde esse mundo chegou?
A outra notícia da família que eu precisava saber era que a Carol, filha da Bernadete, tinha assumido que era lésbica e a família toda estava com o pavio curto por isso, como se isso fosse um bicho de sete cabeças e a menina tivesse assumido que na verdade era homem, ou que tinha duas cabeças, ou dois pintos lá em baixo. Francamente, eu sou mais contra a menina gravida com treze anos do que a outra que virou lésbica. Tinha também a notícia de que descobriram que o padeiro da comunidade era pedófilo, que filho da puta! E que a igreja batista da cidade estava roubando dinheiro do povo com falsas obras que nunca aconteciam. Ah, francamente, eu adorava morar em São Paulo por isso, você não ficava sabendo da notícia de que a igreja do seu bairro roubava, nem que o padeiro da padaria onde você comprava pão toda manhã gostava de menininha (isso se ele não for o pai do filho da menina de treze anos né, nem sempre todo pedófilo é só de criança, as vezes é dessas menininhas que querem ser abusadas. Só para constar). São Paulo você só sabia das coisas se assistisse jornais sensacionalistas, se você tivesse uma vida como eu, que se fixava em séries americanas, filmes e The History Channel, podia ter uma vida muito mais saudável e tranquila.
Mas minha mãe adorava uma fofoca, como toda mulher idosa de cidade pequena. Fazer o que. E eu fiquei lá ouvindo as novidades.
— Hoje à noite vamos fazer a festinha da Hilda, ela não sabe, vai ser surpresa. – Eu já imaginava como essa surpresa iria acabar.
— Aposto que vai ser aqui em casa. – Tudo era na casa dos meus pais, absolutamente tudo, e quando eu era adolescente eu simplesmente ODIAVA isso, aquele monte de gente fazendo bagunça, falatório, ninguém te deixando em paz, aff, eu queria matar todo mundo colocando veneno na comida deles, mas não podia, então tinha que aguentar calada. Agora estava eu ali de volta, naquelas festas que sempre odiava.
É a tragédia de se morar longe, você às vezes é obrigado também a aguentar festas que odeia, não tem como escapar nem quando se mora longe.
— Claro, a Bernadete não pode fazer, com essa coisa da Carol, ela está meio abalada demais. – Revirei os olhos. – A Ana mora numa casa muito pequena, e eu nem sei onde vão colocar o berço do bebe da Jussara. – Revirei os olhos mais uma vez. – O Paulinho não gosta de festas na casa dele.
— Eu também nunca gostei de festas em casa e elas nunca deixaram de acontecer.
— Ah, seu tio Paulo já está velho caduco, deixe ele lá, aqui em casa temos mais liberdade.
— Claro. – Eu não ia discutir né, eu nem morava mais ali de verdade.
— E temos que contar a novidade do seu trabalho, todo mundo vai adorar.
Ai, esse era o momento mais difícil, eu não queria ninguém colocando olho gordo no meu trabalho.
— Mamãe, sobre meu trabalho... – Eu comecei, ela se virou e me olhou, eu ia começar a dizer que não queria que ninguém soubesse sobre o carro, sobre o trabalho, e tinha ainda o lance de eu trabalhar para o Luan Santana, que eu sequer tinha contado para ela, mas ela me cortou antes que eu sequer falasse.
— Querida, eles são sua família também. – Claro. Revirei os olhos.
— Mamãe, tem uma coisa que eu preciso te contar... mas me promete que ninguém vai saber? Nem mesmo a minha família? Tem que ser sigiloso para a segurança dele.
Ela franziu a testa e me olhou, o pano de prato sobre o ombro, os cabelinhos pretos com fios brancos presos atrás formando aquele rabicozinho, eu tinha que contar né, não podia esconder dela.
— O que foi querida? Não diga que está gravida! – Revirei os olhos, soltando o ar exasperada.
— Meu Deus, o que vocês acham que eu fico fazendo em São Paulo? – Ela soltou o ar, aliviada e riu.
— Fala logo, vai me matar de curiosidade.
— A empresa que eu estou trabalhando... – Ela me olhou, os olhinhos curiosos, atentos, esperando eu dizer. Respirei fundo e contei até três. Eu ia me arrepender de fazer isso hoje. – É do cantor Luan Santana. Eu vou trabalhar direito para ele.
— Ah meu Deus!
— Mamãe, ninguém pode saber.
— Claro, ahan, pode deixar, Mel, ninguém vai ficar sabendo.
Quatro horas depois...
— Mel, é verdade que você está trabalhando para o Luan Santana?
A casa estava cheia de gente, a família toda até mais gente do que eu lembrava, será que a família tinha crescido tanto assim na minha ausência?
Eu estava com uma taça de vinho na mão, agora que não era mais criança eu podia beber como os adultos e com os adultos, era a única parte boa, a prima que eu menos gostava, que me idolatrava, me adorava e parecia uma criança de treze anos, mas não aquela que ficou gravida que pensava ter a idade da Paula, estava me enchendo de perguntas, parece que minha mãe amada não guardou a língua dentro da boca.
Novidade.
Sorri forçada para ela e não respondi de imediato, na verdade, mudei de assunto, eu não queria confirmar isso para ninguém, era melhor parecer que era loucura da minha mãe, né.
— Ué, Paula, minha mãe disse que você estava com dengue. – Parece que não, não é mesmo?
— Ahan, fiquei bem doentinha, mas já melhorei. – Não diga.
— E a Lucila? Fiquei sabendo que ela está viajando. Você não quis ir junto?
— Ela foi visitar meu pai, no Rio, ah, eu queria muito ter ido, mas minha mãe não deixou, era a vez da Lu, não minha. – Soltei um “ah, sim”, a mãe tinha que deixar elas viajarem, quase como crianças e meu Deus, elas iam fazer vinte anos.
Suspirei e disse um “já volto, vou no banheiro”. Sai de fininho, caminhando entre aquele monte de gente, pessoas que me cumprimentavam aqui e ali, coisas como, “ai que saudade.”, “Como você cresceu”, eles me viram da última vez no ano novo, eu nem cresci de lá para cá... “Você tá linda, emagreceu?”, ah, sim, obrigado, isso foi meu tio Antônio, sempre tão gentil, adoro ele.
Caminhei até chegar perto da minha prima que eu mais gostava, Cristiane, madura, mais velha que eu, sempre tão centrada, inteligente, estava fazendo faculdade de enfermagem, pelo menos alguém decente naquela família para conversar, né.
— Mel! – Ela exclamou feliz quando me viu. – Como você tá linda!
Abracei ela e devolvi o elogio, ela tinha engordado um pouquinho, mas continuava linda, era branca, os cabelos negros caiam lisos e brilhantes pelos ombros, o sorriso era imenso, daqueles sempre sinceros, bonitos de se ver, e o riso dela era sempre contagioso.
— E como está São Paulo? Aquela cidade é uma loucura, né? – Eu sorri e concordei com a cabeça.
— Nossa, bota loucura nisso, Cris, mas eu adoro lá, não troco aquela cidade por nada no mundo! – Pura e simples verdade, eu amava o caos de São Paulo, amava andar de metrô (agora que tinha carro ia sentir falta disso), adorava ver as pessoas andando agitadas para lá e para cá, sem nem prestarem atenção a você, e de saber que eu fazia parte deles, que eu também era uma louca andando apressada para lá e para cá; eu amava demais aquele lugar.
— Você está no seu lugar certo então. – Eu assenti com a cabeça, e ela se inclinou para mim antes de perguntar. – Estou ouvindo por aí que você vai trabalhar com o Luan Santana? É verdade?
Eu soltei um risinho. E a fofoca corre solta, pelo menos não vão mais dizer que eu virei garota de programa em São Paulo, mas sim que eu estou namorando o Luan Santana às escondidas, mas inventei que trabalho com ele, viu só, até um carro ele já me deu!
Rsrsrs.
— Vou ser assistente pessoal dele. – Eu disse e ela me olhou surpresa por um segundo.
— Caramba, Mel! Que bacana, nossa, que legal. Parabéns! – Ela me puxou para si e me deu um abraço apertado, o resto da família envolta começaram a olhar curiosos, com certeza pensando: Será que ela está gravida também?
Ela me soltou e eu sorri, agradecendo, a Paula já estava no meu encalço, que droga, acho que ela ouviu, veio toda eufórica.
— Você tá mesmo trabalhando com o Luan Santana? AHHHHH, NÃO ACREDITO! – Quase tapei os ouvidos, a Cris fez uma cara feia e eu ri, concordando com ela só com a cabeça. A Paula continuava. – Por favor, pede um autografo para ele? Tira uma foto dele para mim? Pede para ele um DVD autografado? Não, uma camiseta autografada! Tira uma foto você com ele para eu mostrar pras minhas amigas?
Droga, droga, droga.
— Não posso, Paula. Desculpe. – A Cris me fez um gesto de “boa sorte” e saiu de fininho, eu fiquei ali, mais meia hora tentando me livrar da louca que só faltava me pedir a cueca usada do cara, já bastava eu adorar ele, só que não, agora tinha que aguentar uma prima que já é louca naturalmente, mais louca ainda por causa dele e mostrando sua histeria no meu ouvido?
Já pode começar a se acostumar, Mellissa.
E meu subconsciente estava certo, eu tinha que começar a me acostumar, a minha prima louca era só o começo do que eu ia ouvir, será que eu estava preparada?
Me livrei da Paula e sai de fininho, dizendo que estava com dor de cabeça e cansada da viagem e que iria descansar um pouco, e segui até o meu quarto, entrando e trancando a porta atrás de mim.
Eu realmente estava cansada, tinha acordado cedo, tinha dirigido por duas horas e tinha aguentado aquele povo até demais, e não estava mentindo de todo, mas eu também queria ficar sozinha, queria pensar mais sobre o meu novo emprego, a tietagem e histerismo da Paula tinham me feito ficar pensando em como deveria ser as fãs dele, como deveria ser um show, ou um evento, será que elas eram mesmo escandalosas? Tentei me lembrar do dia da rádio, mas eu estava tão preocupada com outras coisas que nem reparei nas meninas, agora eu estava curiosa para saber como era, por isso, me troquei de roupa, colocando meu pijama, peguei meu notebook e deitei na minha antiga caminha de solteiro, debaixo do meu antigo edredom, e me recostei no travesseiro, começando a pesquisar no Youtube a palavra chave “Luan Santana”. Se eu ia trabalhar com o cara, eu precisava de fato conhecer um pouco mais sobre ele e a vida dele.
Tinha muitos vídeos de clipes, músicas, shows, mas comecei a olhar os de bastidores, entrevistas que mostravam a vida dele e ao ver sempre uma multidão de meninas gritando, ensandecidas, em todo lugar que o cara ia, comecei a sentir um certo pânico dentro de mim.
Eu odiava ele, Okay que o carro, o salário e tudo aquilo valiam a pena, mas eu ainda sentia uma raiva, uma aversão por ele dentro de mim, tudo resultado daquele acidente na rua há alguns dias que já pareciam uma eternidade, mas agora eu ia aguentar milhares de meninas gritando no meu ouvido o nome dele, chorando, berrando, coisas bem piores do que a Paula, com toda certeza, e pensar nisso fazia meu estomago dar uma volta completa.
Eu estava apavorada.
Além de aguentar ele, ia aguentar um monte de louca que morriam de amores por ele.
Será que eu ia mesmo dar conta daquilo?


A quinta-feira tinha chego com mais pressa do que eu gostaria, mas era só porque eu queria mais uns dias de folga em casa, no fundo eu sabia que estava com saudade já da correria, dos shows, das minhas fãs ensandecidas enquanto eu ensandecia elas de cima do palco, coisas que faziam parte da minha vida e eu amava isso profundamente.
Acordei por volta das nove da manhã com meu celular vibrando em cima da mesa de cabeceira, me estiquei e tateei a mesa até minha mão encontrar meu celular, fechando envolta dele e olhando a tela com um dos olhos abertos e o outro fechado, o sono ainda tomando conta do meu corpo noventa por cento.
Advinha quem era? Te dou um beijo se descobrir.
Obvio que era a Joana, dizendo que estava na hora de acordar, mas eu ainda estava com sono, por isso, coloquei o celular do lado na cama, virei para o outro lado e voltei a dormir.
Parecia que eu tinha dormido mais umas cinco horas quando acordei novamente, o celular vibrava ensandecido sobre a cama, o barulho do vibra acordando todos os meus sentidos e me fazendo espreguiçar na cama empurrando o lençol para o lado.
Que droga, Joana, você é uma estraga sono alheio.
Peguei o celular e deslizei o dedo na tela para atender a outra louca que me enlouquecia.
— Não me diga que eu estou atrasado. – Eu dei uma risadinha e ouvi o suspiro da Jô do outro lado da linha.
— Bom dia, belo adormecido! Sabe que horas são?
— Você vai me dizer de qualquer maneira.
— O jatinho vai sair de São Paulo daqui duas horas. – Franzi o cenho e afastei o celular do ouvido para olhar as horas. Eram dez da manhã, íamos sair meio dia então, achei meio estranho, normalmente eu costumava ir para o local dos shows mais à tarde, as vezes tinha entrevistas em rádio, mas nem sempre tinha, quando não tinha eu ia um pouquinho mais tarde ainda.
— Ué, você marcou muita coisa para mim, lá?
— É a festa do boiadeiro paulista, quase um Barretos, mas bem menor, ainda assim vai ter outros shows antes e depois de você, e vamos ter que dar entrevista na rádio local e também no local do evento.
Agora sim estava explicado, era um evento, uma festa de maior escala, envolvia mais coisas, mais trabalho antes do show, sem tempo de passagem de som, um palco que não seria somente o meu, então não envolvia o show de sempre, era uma coisa menor, eu não ia conseguia colocar meu show inteiro ali porque outros artistas viriam antes e depois de mim, então teria só alguns jogos de luz do cenário e minha banda.
— Vai minha banda e dançarinos? Ou vamos fazer um show mais comum, sem as coisas de sempre?
— Sem dançarinos, só nossa banda, luzes e cenário, só uma parte do cenário também, algo pequeno, é tipo um festival, o pessoal vai para ver os cantores, não o show completo em si.
Foi o que eu imaginei.
Assenti com a cabeça, mas lembrei que estava no telefone.
— Foi o que pensei. Beleza, vou tomar uma ducha e tomar o café da manhã, pode mandar o Caio ou o Rodrigo me pegar as onze que já estarei esperando.
— O Rodrigo estará aí, o Caio vai depois com o Jordan.
Nos despedimos e desliguei, me ergui, colocando as pernas para fora da cama e ficando sentado na beira da mesma. Respirei fundo e estiquei as mãos acima da cabeça, me espreguiçando, as costelas estalando.
A claridade do dia penetrava o quarto através das cortinas e eu fiquei um tempo assim, já me preparando mentalmente para mais um dia louco que estava começando, adeus vida normal, bem-vinda vida louca, vida, já que eu não posso te levar, quero que você me leve.
Eita Cazuza, era um homem sábio.
Me levantei e segui em direção ao banheiro, estava sem camisa, apenas com uma cueca samba-canção e tirei ela quando entrei no banheiro, seguindo para meu banho matinal. Era melhor acordar logo porque o dia ia ser longo.
 Sai do banho e me arrumei, eu sabia que tudo mais que eu precisasse a Joana já estaria levando, então só me preocupei de pegar os óculos de sol, uma touca para amassar meus cabelos mais tarde até o horário do show e meu celular e fui tomar o café da manhã. A Dona Maria estava cuidando da casa, mas tinha deixado a mesa do café posta, eu estava sentado à mesa quando o Rodrigo chegou.
— Fala chefe! – Ele tinha mania de me chamar de chefe só para zoar, apesar de eu ser basicamente o chefe mesmo de todo mundo, mas eu não costumava ver desse jeito.
— Toma café ai, cara, acho que temos alguns minutos ainda, não temos?
Ele puxou uma cadeira e se sentou, estiquei para ele uma xicara e ele a pegou, servindo um pouco de café enquanto eu comia um misto quente com pão de forma feito pela Dona Maria.
— Segundo a Joana, você tem dez minutos para estar dentro do avião. – Ele disse e nós dois rimos em seguida. A Joana era sempre exagerada, mas acho que o exagero dela era só para eu não perder tanto a hora.
— Achei que eu tinha dez minutos para chegar em Ribeirão. – O Rodrigo riu e pegou um pedaço de bolo de cenoura com cobertura de chocolate.
— Acho que dá tempo de eu tomar um cafézão aqui ainda, chefe. – Eu ri.
— Fica à vontade, qualquer coisa, foi eu que enrolei.
— Ela nem vai duvidar. – Nós rimos e tomamos o café da manhã tranquilamente enquanto a Joana devia estar quase parindo o filho que acabou de fazer.
Cerca de vinte minutos depois estávamos dentro do carro seguindo para o aeroporto onde meu avião particular estava nos aguardando. Sempre viajava para os shows de avião, mesmo sabendo que era um risco, era a maneira mais rápida de eu me locomover, ainda mais com uma agenda tão cheia e tantos compromissos, pois, nunca era só o show, tinha sempre outras coisas antes, entrevistas, promoções, por isso, não tinha outro jeito.
A minha agenda de shows normalmente sempre começava as quintas, exceto quando havia feriados nas quintas, daí começava na quarta, véspera de feriado, havia também os casos de feriados numa terça, onde o país inteiro emendava a segunda-feira, em casos assim, as vezes eu também fazia show segunda, ou seja, minha agenda de shows era baseada em feriados e finais de semana, por isso também, eu não podia ser um cara normal que saia com a namorada nos finais de semana para aproveitar, nesses dias, eu estava sempre de plantão.
Chegamos ao aeroporto rapidamente, devido ao horário, a cidade estava tranquila ainda, e quando chegamos a Jô já estava nos esperando, e parecia bem preocupada como se algo já estivesse dando errado logo cedo.
— Ah, nossa, que bom que chegou. – Ela me recebeu como se o show fosse daqui há meia hora e eu estivesse mega atrasado.
Típico.
— Demorei um pouco mais no banho me depilando. – Ela me olhou, erguendo a sobrancelha e eu ri, gostosamente, fazendo ela fechar a cara e me empurrar em direção ao avião.
— Tive um problema e vamos ter que fazer uma paradinha no caminho.
Entrei dentro do avião, na verdade, era um jatinho com espaço para seis lugares, mais o piloto e copiloto, ali ia sempre eu, a Jô, um ou dois seguranças, e alguma estagiaria que a ajudava a cuidar de tudo, hoje ela estava sem a estagiaria. Me sentei no meu lugarzinho de sempre, vendo ela entrando no avião depois do Rodrigo que sentou-se no banco mais atrás, a Jô sentou atrás de mim, mas não tinha colocado o cinto ainda, o piloto estava se preparando ainda para o voo, por isso, ainda tínhamos um tempinho, cerca de cinco minutos antes de decolarmos.
— O que aconteceu? – Me virei de lado e a observei, estava conversando com alguém no whatsapp, ela me respondeu sem erguer os olhos.
— A menina, estagiaria, ficou doente, parece que está com dengue, está no hospital, a outra que vai comigo as vezes, o irmão parece que sofreu um acidente ontem à noite, e também não vai conseguir vir... – Caramba, ela não estava mesmo com sorte.
— E você não consegue nenhuma outra estagiária agora? – Ela suspirou e ergueu os olhos finalmente, havia duas rugas envolta dos olhos dela, rugas de preocupação, eu já estava acostumado a ver aquilo ali.
— Consegui uma pessoa, meio em cima da hora, e ainda sem a experiência necessária, mas eu sei que vai conseguir me ajudar.
Uffa, pelo menos ela ia ficar menos histérica, imagine só se ela tivesse que enfrentar um festival sozinha, sem ninguém para ajudar ela na assessoria, ela ia ficar louca e me enlouquecer junto.
Sorri, aliviado.
O piloto entrou e sentou-se no seu lugar, em seguida o copiloto assumiu seu posto e eu me virei, colocando o cinto e esticando as pernas numa espécie de banquinho a minha frente, e quase deitando no meu lugar, abaixando a aba do boné e me preparando para um cochilo.
A Jô me cutucou e eu virei o rosto de lado tentando vê-la enquanto ela dizia perto do meu ouvido.
— Vamos parar numa cidade antes, para pegar minha ajudante, é no interior aqui perto, cerca de uns vinte minutos estamos lá, não durma.
Revirei os olhos e voltei-me para a frente, olhando pela janela do avião no momento em que ele começava a deslizar pela pista, alçando voo em menos de cinco minutos, alcançando os céus de São Paulo e seguindo para mais um fim de semana de shows, correria, fãs e tudo aquilo que eu amava tanto, era cansativo, mas eu amava tudo aquilo.
Sorri comigo mesmo e ignorando qualquer ordem da Jô fechei os olhos e, como se estivesse deitado em minha cama e não há vários pés do chão, cai num sono profundo.


Eu estava no meio de uma multidão, milhares e milhares de meninas com pôsteres na mão e gritando, ensandecidas, o nome dele ecoava em minha mente incessantemente, o barulho era como um enxame de abelhas, mas eram só fãs, fãs enlouquecidas, histéricas, loucas por ele, loucas para alcançar ele. Me virei e o vi, parado a frente, o sorriso sacana nos lábios, ele estava me olhando, parecia preocupado, mas ao mesmo tempo se divertindo, como se estivesse rindo da minha cara, ah com certeza ele estava rindo da minha cara.
Olhei para mim mesma e vi a camiseta, eu era a nova assessora dele e, meu Deus, as fãs, eu tinha que protegê-lo, tirar ele dali, me virei e vi a multidão de meninas, agora muito mais perto, correndo na direção dele, eu não podia deixar elas chegarem perto dele, por isso, me virei e sai correndo na direção dele, mas ele não estava mais lá, ele tinha sumido.
Comecei a me virar para todo lado, procurando por ele, que droga, eu ia ser mandada embora, eu o tinha perdido, as fãs deviam ter pego ele e agora eu estava ferrada, ia ser mandada embora, ia perder meu cheque de mil reais e o meu carro lindo, novinho. Eu não podia deixar isso acontecer, por isso comecei a correr no meio daquelas meninas e a gritar o nome dele, eu tinha que achá-lo, eu precisava acha-lo, urgentemente.
LUAN! LUAN!

Acordei no susto, o nome dele ecoando pelo quarto e eu encarando o teto rosa do meu quarto, a respiração ofegante, o coração batendo a mil por hora e o silencio do quarto, da casa e da cidade do interior ressoando como um animal adormecido a minha volta.
Fechei os olhos e respirei fundo.
Era só um sonho, ou um pesadelo, eu não tinha certeza, mas não era real, era só minha mente preocupada demais. Eu havia passado horas na noite anterior assistindo reportagens, shows, vídeos de fãs enlouquecidas correndo atrás do carro dele, e por isso, ele e elas tinham invadido meu sonho e quase me feito enfartar, além de me deixar com uma ponta de medo do trabalho que eu mal tinha começado, será que eu ia mesmo dar conta daquilo tudo?
Resolvi parar de pensar naquilo tudo e me levantar, ia tomar um banho gostoso, depois tomar um café da manhã tranquilo e depois pensar no que fazer com o resto da minha tarde. Agora que tinha um carro e um cheque de mil reais na bolsa podia levar a mamãe até o shopping para fazer umas comprinhas, quem sabe levar ela ao cabelereiro e pedir que, por favor, corte esse rabicózinho e faça um corte decente no cabelo de mamãe. E foi o que eu fiz, bom, pelo menos a primeira parte, me levantei e fui direto para um banho longo e demorado, deixando o banheiro como nos velhos tempos, como uma sauna enquanto eu ouvia música nas alturas e lavava os cabelos como se fossemos donos da empresa de abastecimento de água, como meu pai costumava me dizer quando eu era só uma adolescente, mas não tinha jeito, eu sempre me sentia uma adolescente quando voltava a casa dos meus pais.
Meia hora depois, eu adentrei a cozinha, minha mãe estava lavando a louça distraída, eu sabia que todo mundo já tinha tomado café, mas ainda assim a mesa estava posta me esperando. Puxei uma cadeira e me sentei, pegando um copo enquanto olhava a volta: um bolo redondo, parecendo de fubá no meio da mesa, o saquinho de pães de sal da padaria do pedófilo, margarina, requeijão, presunto e queijo nos potinhos de frios, o vidro de achocolatado e a garrafa térmica com café. Mamãe se virou e sorriu para mim, secando a mão no pano de prato.
— Tem leite gelado na geladeira, eu sei que você gosta. – Ela caminhou até a geladeira, abrindo-a e puxando a garrafinha de leite integral, colocando-o sobre a mesa.
— Obrigado, mamãe.
— Você dormiu bastante. Eu pensei em te acordar mais cedo, mas seu pai insistiu em deixar você descansar, disse que a viagem era longa e você podia dormir já que estava de folga. – Eu sorri, agradecida, realmente eu estava cansada na noite passada e a noite bem dormida, apesar do pesadelo, tinha me feito muito bem, estava me sentindo novinha em folha.
— O papai tem razão, eu estava bem cansada. – Eu peguei o leite e servi-me de um pouco de leite, distraída, pensando que eu devia ter dormido muito então, mas nem sabia que horas eram... falando em horas, onde será que deixei meu celular.
Me levantei, de repente, e mamãe olhou para mim, preocupada.
— Algum problema, Mel?
— Esqueci meu celular. – Ela franziu a testa, os mais velhos nunca vão entender nossa necessidade de ter o celular junto conosco o tempo todo, por isso emendei. – Pode ser que minha chefe me mande alguma coisa, é bom manter ele por perto.
Voltei até o quarto e peguei meu celular, mas quando estava na porta voltei, que droga, agora eu tinha dois aparelhos, como eu ia conseguir carregar dois celulares de uma vez só? Eu tinha guardado as bolsas dentro do meu antigo guarda-roupa, o celular que a Joana tinha me dado para trabalho ainda estava dentro da bolsa da empresa que eu ganhara, com todos aqueles itens, por isso, abri a mesma e puxei o aparelho, percebendo que estava desligado.
Voltei a cozinha com o celular da empresa numa mão e o meu em outra, mamãe me olhou interrogativa quando sentei a mesa novamente colocando os dois aparelhos sobre a mesa, e finalmente me servindo de um pouco de leite num dos copos que ela colocara ali para mim.
— Um é o meu, o outro é da empresa, tenho que andar com os dois agora. – Ela assentiu com a cabeça, a minha resposta por sua pergunta muda e voltou-se as suas atividades que agora era limpar o fogão.
Eu coloquei o achocolatado no meu leite e fiquei mexendo ele, distraída, enquanto ligava o celular da empresa e começava a mexer nele para ver como era, inacreditavelmente, já tinha algumas mensagens o whatsapp; abri o aplicativo e senti meu coração acelerando.
Duas conversas.
Fiquei olhando para as duas com o coração palpitando no peito.
Luan Santana.
Cliquei na conversa e ela se abriu na tela do celular.
Ótima maneira de começar o dia, engolindo a idiotice do meu novo chefe.
“- Bem-vinda a família Luan Santana.
- Hm, acho que eu já te disse isso.
- A Jô me passou seu número, nova assistente.
- Agora você vai ter que me aguentar kkkkk
- A gente se vê segunda.
- Beijo ;)
- Envocadinha rsrs
- Ps. E quanto ao jantar...
- Pode ser terça à noite, o que acha?”
Fiquei olhando as mensagens pensando mil vezes no fundo da minha mente: idiota, idiota, idiota, idiota... babaca... idiota, idiota, idiota!
Bufei, irritada, e sai da mensagem, indo olhar a mensagem da Joana, mas as palavras dele continuaram ecoando em minha mente como se eu pudesse ouvir cada frase naquela voz dele, com o sorrisinho sacana nos lábios. Meu Deus, como ele tinha o dom de me deixar irritada, incrível isso.
Estava tão irritada que acabei esquecendo, momentaneamente, da mensagem da Joana e virando um gole do meu achocolatado, para depois colocar mais leite e fazer mais um pouco, pegando um pedaço do bolo de fubá.
Era melhor eu esquecer ele pelo menos esse final de semana, como a Joana dissera, pelo menos um fim de semana de paz.
— Estava pensando em irmos no shopping mais tarde, dar um passeio, o que acha, mamãe? – Ela estava terminando de limpar o fogão, agora passava um pano sobre o vidro, esfregando-o para deixa-lo limpinho, sem nenhuma manchinha.
— Claro, é uma ótima ideia. Podemos ir de carro? – Ela parou de limpar e me olhou, os olhos brilhando, e eu ri, concordando com a cabeça.
— É claro que vamos de carro, mãe, é para isso que eu ganhei um. – Ela riu e disse.
— Pensei que fosse para trabalhar. – Eu fiz uma careta e revirei os olhos.
O celular sobre a mesa começou a vibrar, me distrai momentaneamente da conversa com mamãe e olhei o aparelho, desbloqueando e vendo uma nova mensagem no Whatsapp. Tomara que não seja aquele babaca outra vez.
Abri o aplicativo.
Era a Joana.
Que droga, tinha esquecido de olhar a mensagem dela, por isso, abri rapidamente a conversa e enquanto ia lendo, minha boca foi se abrindo gradativamente, até que eu estava lendo a mensagem de boca aberta e com o coração quase saindo pela boca.
Mamãe pareceu notar e me olhou, assustada.
— Mellissa, o que foi? Aconteceu alguma coisa? – Voltei a mim, erguendo os olhos e vendo o olhar preocupado da minha mãe.
Meu deus, que droga, quer dizer, que bom, mas que droga, mas que bom, ai nem sei mais se é bom ou se é que droga!
— É minha chefe... – Eu disse, inicialmente com a voz meio rouca, por isso, pigarreei e disse, com a voz mais alta e tentando mantê-la firme. Mamãe ainda me olhava, apreensiva. – Ela precisa de mim hoje, disse que está vindo me buscar.
— Hoje? – Minha mãe disse mais alguma coisa, mas eu não conseguia prestar atenção mais.
Ai meu Senhor, ao invés de começar segunda, num dia de semana, um dia mais calmo segundo a própria Joana dissera, não, eu ia começar o meu primeiro dia já num show daquele idiota, cheio de fãs e aquela loucura toda.
O sonho veio na minha mente como um the flash e eu senti o pânico subindo junto com a bile, mas os engoli e respirei fundo.
Calma, Mellissa, como diria o Chapolim Colorado: Não criemos pânico.
Voltei os olhos para a mamãe, ela estava falando, mas eu não fazia ideia do que, mas eu simplesmente disse:
— Parece que as estagiarias que costumam ajudar ela, não podem ir, e vai ter um festival hoje e o Luan vai cantar lá, então ela precisa de alguém para ajudá-la, como eu sou a nova assistente... ela vai vir me pegar aqui.
— Ai, meu Deus, o Luan Santana vai vir aqui em casa? – Os olhos da minha mãe brilharam, depois ficaram preocupados, e eu comecei a negar com a cabeça energeticamente.
— Não, mãe, não, ele não vai vir, só a minha chefe. Vai me pegar e vamos juntas para a cidade onde vai ser o show. Ele já deve ter ido ou deve estar indo para lá, não sei.
Minha mãe esvaziou como um balão, suspirou e disse:
— Ah, bom!
No fundo acho que ela queria mesmo que ele fosse, mas ele não iria né, era capaz dele já ter ido de manhã ou provavelmente fosse mais tarde, iria descansar aquela carinha linda e idiota dele, para ficar bonito para aquelas histéricas.
Meu Deus, eu não podia acreditar que já ia começar a trabalhar tão logo, e justo num show, quer dizer, eu estava com medo, mas estava empolgada, mas ainda assim, começar o primeiro dia no emprego já no meio do tiroteio, era uma maneira e tanto de começar, ou eu saia correndo logo depois disso, ou então aguentaria pelo resto da vida.
Resolvi tomar meu café mais rápido e deixar minhas coisas prontas para quando ela chegasse, talvez eu fosse de carro atrás dela, não sei, ela não tinha me dito nada e eu tinha perguntado pelo Whatsapp, mas ela não tinha respondido, talvez estivesse na estrada, dirigindo.
Fiquei pensando se eu deveria trocar de roupa já ou se ficava como estava, estava com uma saia rodada, leve e uma blusinha justa, sem sutiã, mas então pensei que, com certeza, quando chegássemos na cidade, iriamos para um hotel e eu poderia me trocar, ainda era de manhã e o dia estava quente, por isso, só passei uma maquiagem leve, penteei os cabelos fazendo uma trança em seguida para mantê-los no lugar e coloquei uma sapatilha; estava verificando a mala, se tinha guardado meu notebook, se as roupas que eu tirara na noite passada estavam lá, meu shampoo, condicionador, toalha, se tudo estava na mala novamente quando ouvi minha mãe vir correndo até meu quarto, meio eufórica.
— Mel, Mel! – Me virei e a vi parada na porta, apontando para a frente da casa. – Acho que sua chefe chegou, estacionou um carro ai na frente, vem ver só, é um carrão!
Voltei atrás dela em passos apressados, o papai estava espiando o lado de fora pela janela, puxando a cortina para o lado enquanto deixava à mostra para mim e para a mamãe o carro preto parado a frente. Sim, era um carrão, como disse minha mãe, um carro grande, preto, com vidros totalmente fumes, e a porta do passageiro da frente estava se abrindo e um homem estava saindo, pelo porte alto, com certeza era um dos seguranças que trabalhavam para o Luan.
 Corri em direção a porta da sala e a abri, saindo e descendo as escadinhas que me levariam ao portãozinho da frente.
Um rapaz alto, pele morena clara, cabelos negros, olhos verdes e um porte físico de fazer qualquer homem invejar e as mulheres babar, forte, musculoso, estava parado ao lado do carro e me olhava, um sorriso tímido e profissional se formava em seu rosto, antes dele perguntar.
— Senhorita Mellissa? – Eu assenti e abri o portão, saindo e parando na calçada, olhando o carro, eu não entendia nada de carro, mas sabia que, com certeza absoluta, era um carro muito caro.
— Sim, sou eu. Veio me buscar, né? – Ele sorriu, dessa vez um sorriso normal, os dentes brancos, lindos, e um sorriso estonteante, pelo jeito os seguranças do Luan Santana eram tão lindos quanto ele, mamamia, que isso.
— Sim, sim, viemos te buscar. – Me virei quando percebi que minha mãe estava atrás de mim, olhei para ela e voltei os olhos para ele, sorrindo, simpática.
Nem tinha percebido que ele tinha dito “viemos”.
— Tudo bem, vou pegar minha mala e minha bolsa, você espera ou... – Mamãe me interrompeu, já entrando na conversa.
— Convida ele para um café, Mellissa. – O rapaz sorriu, sem jeito e negou com a cabeça levemente, voltando-se a minha mãe.
— Não, não precisa, muito obrigado, senhora.
— Por favor, entra, vai ficar aí parado esperando? – Ele estava ficando vermelho, sem jeito.
— Me desculpe, mas estamos com pressa.
— É mãe, temos que ir, ele tem que me levar até... – Olhei para ele, pedindo ajuda, e ele sorriu, lindamente, antes de responder.
— Ribeirão Preto. Temos bastante chão pela frente ainda.
— Minha nossa! – Mamãe exclamou e eu me virei para ir buscar minhas malas, mas vi que meu pai já vinha caminhando meio devagar com as minhas malas, a mala de rodinha fazendo barulho atrás dele e nos dois ombros uma bolsa.
Papai!­ – Exclamei, repreendendo-o e ele sorriu, gentil, descendo as escadinhas e alcançando o portão, fiz menção de ir pegar as malas, mas o segurança bonito se apressou e parou a frente do meu pai, pegando as duas bolsas com uma mão e a alça da malinha de rodinhas com a outra.
Sorri para ele e agradeci, no instante em que uma porta se abria e se fechava atrás de mim, me virei para ver quem era, provavelmente a Joana vindo conhecer meus pais e falar comigo.
Mas quando girei nos calcanhares e olhei em direção ao carro, senti meu estomago afundando.
Que droga.
Era ele, o meu novo chefe, o Luan Santana, parado ao lado do carro com os óculos escuros no rosto e uma touca cor de vinho sobre os cabelos, meio diferente, mas sem sombra de dúvidas, era ele.
Ouvi minha mãe arfar surpresa e o encarei, o sorriso sacana estampado em seu rosto.
Mas que droga, o que ele estava fazendo ali?


Acordei com a Joana me cutucando, que soninho bom, parecia que eu tinha dormido uma noite inteira.
Me espreguicei e vi pela janela do avião que estávamos em outro aeroporto, mas eu não fazia ideia de que cidade era. Soltei o sinto e me levantei, me espreguiçando novamente, e em seguida enfiei a touca na cabeça, amassando meus cabelos, assim eu evitava que a Joana ficasse implicando com ele porque estava grande demais.
Desci do avião e olhei a volta, franzindo o cenho.
— Estamos em Ribeirão?
A Jô me olhou, mordaz.
— Não, eu te disse que precisávamos passar num lugar antes para buscar uma pessoa.
Segui caminhando atrás dela em direção a um carro estacionado a frente, que nos esperava.
— Nossa, que pessoa importante é essa que temos que pegar antes de ir para o show?
Ela não respondeu de imediato, alcançamos o carro e o Rodrigo que já tinha chego no carro antes de nós, abriu as duas portas do carro, a do passageiro da frente para a Jô e a de trás para mim, que entrei no carro deixando ele fechar a porta em seguida.
— Eu não consegui ninguém para me ajudar, e por ser um festival, não vou conseguir cuidar de tudo sozinha, preciso de alguém, então pensei, por que não?
Franzi a testa, não dava para vê-la ali do banco de trás, por isso, fiquei com os olhos perdidos através da janela do carro.
Por que não o que?
Ela finalmente continuou.
— Pedi para a Mellissa se ela podia me ajudar, e ela disse que sim, então vamos pegar ela na casa dos pais dela e vamos em seguida para Ribeirão.
Mellissa? A louca? Minha nova assistente que me odiava e eu adorava atazanar?
Mas ela não ia começar segunda?
— Mellissa? A envocadinha? Mas ela não ia começar segunda? – Perguntei o que tinha pensado.
— Envocadinha? – Eu ri e dei de ombros.
— Ela tem cara de envocadinha. – A Jô negou com a cabeça de leve.
— Sim, ela ia começar segunda, mas preciso dela Luan, tudo bem que ela ainda não tem experiência, mas é bom que já vai pegar o negócio no ritmo acelerado.
Eu soltei uma gargalhada.
— Bota acelerado nisso, se ela não sair correndo no final da noite, pode apostar que você acertou na contratação.
Ela assentiu com a cabeça.
— Ela não vai sair correndo. – Ela estava bastante convicta disso, mas eu não comentei nada.
O carro estava seguindo por uma rua larga e bastante arborizada, eu não fazia ideia de que cidade era aquela, mas me parecia mesmo interior de São Paulo, uma cidade bem bonitinha e cuidada pelo visto, será que eu já tinha feito show ali?
— Ela mora aqui? – Eu perguntei, ainda com os olhos perdidos na paisagem na janela.
— Os pais dela. Ela me disse que ia passar o fim de semana visitando os pais, no interior.
— E como você conseguiu o endereço da casa dos pais dela? – Eu virei o rosto e olhei para a frente, inclinando a cabeça de lado para olhá-la enquanto erguia as sobrancelhas, não sabia que ela era tipo um detetive que descobria tudo.
Ela riu.
— Eu perguntei, ué. E eu perguntei se ela aceitaria me ajudar hoje, ela não era obrigada, o trabalho dela deveria começar segunda, então ela podia se negar a ir hoje, mas aceitou.
— Claro né, Jô, você é a chefe, como ela ia dizer que não dava no primeiro dia de trabalho. – Ela deu de ombros e disse.
Você é o chefe, querido. – Eu gargalhei, nem de perto eu era chefe naquela situação.
— Você manda em mim, eu não mando em você, deduzindo... – Ela virou o rosto de lado e olhou para o Rodrigo, que estava dirigindo o carro, então perguntou:
— Rodrigo, quem é o chefe? – Eu vi um sorriso no canto dos lábios dele.
— Você é o chefe, Luan. – Eu gargalhei e vi ele rindo no banco do motorista.
Isso era só porque ele sempre me chamava de chefe.
Me virei para ela e revirei os olhos enquanto ela sorria com cara de quem venceu a discussão.
— Vai ter volta. – Eu disse e ela riu, dando de ombros.
Ficamos mais uns cinco minutos dentro do carro quando finalmente percebi que estávamos parando, era uma rua tranquila, alguns senhores caminhavam na rua, um deles segurava o cãozinho na coleira, levando-o para passear, outro carregava um saquinho de pão, parecia uma cidade de velhos, pelo jeito.
O Rodrigo estacionou o carro no meio fio e, depois de desligar e soltar o cinto de segurança, ele abriu a porta do carro, saindo. Olhei pelo vidro e vi uma casa simples, o portão era baixo, de um lado um portão maior onde se via o carro preto, com certeza o carro que a Jô tinha dado para a louca trabalhar, um Citroen C4, notei que na frente dele tinha outro carro, um carro aparentemente velho, parecia um fusca daqueles antigos. Do lado esquerdo ao portão onde os carros ficavam havia um portãozinho pequeno, de gradinhas, uma escadinha que subia para uma varandinha com muitas flores e plantas, provavelmente lá ficava a porta de entrada da casa.
Percebi que eu queria muito ver a louca, os pais dela, a família, e a cara dela quando nos visse ali, mas ela já sabia que estávamos indo, não é, então não teria surpresas... a não ser...
A Joana atendeu uma ligação, eu não fazia ideia de quem, mas ela ficou entretida na linha falando alguma coisa sobre hotel, carro, se estava tudo certo, ah todas aquelas coisas que ela tinha que ver quando eu ia para alguma cidade fazer show, voltei os olhos para a janela e vi a louca do lado de fora, uma mulher estava parada no portão, parecia uma senhora, provavelmente a mãe da louca. Sorri comigo mesmo e pensei rapidamente, eu ia ter que ser rápido, ou a Joana me mataria.
Será mesmo que eu devia fazer aquilo? Notei que a louca estava de costas para o carro, um senhor vinha trazendo as malas dela, era minha chance, eu queria muito ver a cara dela quando me visse ali.
Respirei fundo e abri a porta do carro e sai, fechando-a atrás de mim, e então parei a calçada, observando a cena a seguir.
A mãe da louca pareceu perder o ar, ficou branca e arfou quando me viu, levando as duas mãos a boca e eu vi a louca se virar e me encarar, os olhos arregalados, surpresa e assustada, e uma mescla de raiva nos olhos. Ah, será que ela nunca ia deixar de me odiar?
Estava linda! Os cabelos estavam numa trança bem-feita, caída sobre o ombro direito, usava uma blusa preta, justíssima, colante que delineava sua cintura e seus seios medianos e firmes, e estava com uma sainha rodada, de pano leve, caramba, ela parecia uma adolescente, mas numa versão linda e gostosa, que isso!
Abri um sorriso, meio sacana, e vi ela arfar, não como a mãe, mas de raiva, talvez.
— Ah, meu Deus, é o Luan Santana! – A mãe dela exclamou e eu abri um sorriso mais decente agora, dando alguns passos à frente, passando por ela e caminhando até a beira do portão, onde a mãe dela estava e esticando a mão a frente.
A mulher, já meio idosa, transpassou o portão e parou a minha frente, segurando minha mão e a apertando, meio tremula, ela estava vermelha, e eu ri diante da cena, cumprimentando-a para disfarçar.
— Prazer! Tudo bem com a senhora? – Ela se derreteu, segurando minha mão com suas duas mãos, do jeito que minha avó costumava fazer quando segurava minha mão, e gostei desse gesto.
— Tudo ótimo, nossa, nem acredito que é você. A Mellissa disse que você não viria buscar ela, só a moça. – Eu ri e me virei, pegando o olhar fixo em mim e na mãe, e sorri, sacana novamente para ela.
— Essa é sua mãe, Mel? Caramba, é tão nova, pensei que fosse sua irmã. – Ela revirou os olhos, se aproximando de nós, com aquele jeito gentil e educado dela de ser.
— O que você está fazendo aqui? – Ela adorava me perguntar isso, como se eu não pudesse nunca ir ao mesmo lugar onde ela estava. - Achei que fosse a Joana que viria me buscar!
Dei de ombros e indiquei o carro com a cabeça.
— E veio, ela está no carro. – Eu disse, simplesmente, assim ela pensaria que a Joana que me mandou descer do carro.
Jogada de mestre né, ela aliviou o olhar e respirou fundo, com certeza estava pensando que ia ter que se comportar perto da Joana, ou seja, nada de me xingar como gostava de fazer.
— Vamos entrar, Luan, tomar um cafezinho, eu fiz bolo de fubá! – A mãe dela soltou minha mão e eu me virei vendo o Senhor parado próximo de nós, sorri para ele e estiquei a mão para cumprimenta-lo.
— Prazer, tudo bem com o Senhor? – Ele apertou firmemente minha mão e assentiu com a cabeça.
— Tudo certo, filho, quer entrar, tomar um cafezinho? – Que família agradável, para quem será que a louca tinha puxado esse jeito feroz de ser? Não tinha sido para os pais dela, com certeza.
Me virei para a mãe dela, parada próximo ao portão e disse.
— A senhora disse bolo de fubá? Minha nossa, há quanto tempo não como um bolo de fubá!
— Ah, você vai adorar, está uma delícia, fiz hoje cedo, fiz para Mellissa, ela adora meu bolo de fubá, né filha. – Ela sorriu, carinhosa para a mãe, e eu sorri de volta, que linda a mãe dela, parecia aquele tipo de mãe que gosta de agradar a filha, cuidar dela e ela parecia ser uma boa filha, pelo menos a louca tinha um bom lado, afinal de contas.
— Poxa, eu adoraria, mas não podemos demorar.
— Vai ser rapidinho, vem Luan, vem conhecer nossa casinha, é humilde, não repara não, mas... – A mãe dela continuou falando, mas eu me distraí por um minuto, haviam pessoas parando do outro lado da calçada, olhando a nossa cena, parecendo perceberem que o famoso cantor Luan Santana está ali, olhei para o Rodrigo e o vi gesticulando para mim, me dando sinal para entrar no carro e a Mellissa olhando ao redor, parecendo perceber a movimentação. Ela até que já estava esperta para esse tipo de coisa mesmo mal tendo começado a trabalhar comigo.
— Poxa, dona... – Olhei para ela, esperando ela me dizer o nome, e ela abriu um sorriso imenso, antes de responder.
— Carmen.
— Dona Carmen. – Eu continuei. – Eu adoraria mesmo, mas preciso ir, temos que chegar em Ribeirão Preto ainda hoje para um show.
Segurei a mão dela e a beijei, carinhoso e ela me sorriu, se derretendo, coisa que a filha nunca fez até hoje, bem ao contrário, ela vira uma pedra de gelo comigo, aqueles gelos fatais ainda por cima, tipo o Iceberg que afundou o Titanic.
— Ah, poxa vida!
— Mas teremos outras oportunidades, não é mesmo, Mel? – Ela me sorriu, torto, e segurou no braço da mãe, intercedendo por mim.
— Mãe, temos que ir, antes que notem ele e isso aqui vire um inferno cheio de gente. – Ela disse, baixinho e olhou ao redor, fazendo a mãe também olhar e ver os velhos e velhas que estavam se aproximando, eu não dava nem cinco minutos para estarmos cercados.
O Rodrigo se aproximou de mim, já me protegendo, mas eu continuei ali, segurando a mão da mãe dela, para soltá-la em seguida.
Aproveitei a deixa.
— Foi um prazer conhecer a Senhora, Dona Carmen. – Ela sorriu e voltou os olhos para mim, se derretendo novamente.
— Mas volte, viu? Mellissa, traga ele um dia, escondido – Ela disse, baixinho e riu. – Para ele provar o meu bolo de fubá.
— Claro, mãe, pode deixar. – Eu me virei e apertei novamente a mão do pai dela.
— Senhor. – Ele apertou minha mão e acenou com a cabeça.
— Vão com Deus, filho.
Sorri e segui até o carro, o Rodrigo me escoltando e abrindo a porta do carro para eu entrar, dei um aceno de cabeça para o pai dela novamente e um tchauzinho para a mãe e entrei no carro, vendo o Rodrigo fechando a porta em seguida.
Reparei que a Mellissa ainda estava na calçada, abraçando a mãe e dando um beijo em seu rosto, se despedindo, depois ela caminhou até o pai e lhe deu um abraço mais forte, apertado, que durou quase um minuto, ele parecia estar dizendo algo ao ouvido dela, eu não conseguia ver o rosto dela, ela estava de costas para mim, mas percebi que o pai dela estava quase chorando. Eles se afastaram e vi ela beijar o rosto do pai, se virando para o Rodrigo que estava parado ao lado do carro, esperando por ela, ele já tinha guardado as malas no porta-malas do carro.
Ele a direcionou para o outro lado do carro e abriu a porta do passageiro para ela, atrás do motorista, ela deu um último adeus aos pais e finalmente entrou, deixando o Rodrigo fechar a porta atrás dela e entrar no lado do motorista.
Ela olhou para mim e então seguiu o olhar até o banco da frente, a Joana ainda estava no telefone e deu um aceno de cabeça para a louca, mas continuou na linha, eu me virei para ela no momento em que o Rodrigo engatava a primeira marcha e saia com o carro pela rua, seguindo de volta para o aeroporto.
— Seus pais são muito simpáticos. – Ela olhou para mim, os olhos estava meio avermelhados, e ela levou o dedo indicador ao canto de um dos olhos, disfarçando uma lágrima solitária que eu notei estar ali, escondidinha, mas não mencionei nada a respeito. Pelo jeito ela era bastante apegada ao pai.
Ela me sorriu depois e disse, baixinho.
— Ah, sim, coisa de gente do interior. – Eu sorri, e brinquei.
— Você não puxou para eles. – Ela franziu o cenho e me encarou, sem entender, e eu continuei. – Eles são tão simpáticos!
Os olhos dela se clarearam de entendimento e ela fez uma careta, mostrando a língua para mim em seguida e eu ri, e lá estava ela novamente, a envocadinha.
— Até agora não entendi por que você veio me buscar também? – Dei de ombros e indiquei a Joana a frente com a cabeça.
— Não se ache demais, ela que me arrastou para cá, por mim, estávamos já em Ribeirão. – Ela seguiu meu olhar e olhou para a Joana que desligava o telefonema naquele minuto.
— Oi, Mellissa. Desculpa ter acabado com seu fim de semana. – A Mellissa abriu um sorriso simpático, é, pelo jeito ela só não era simpática comigo mesmo.
 A amiga dela tinha razão, o problema era comigo.
— Imagina, Jô, eu já fui contratada, não fui, então vamos lá, para que adiar o inevitável? – A Joana riu, com certeza gostando daquilo e eu deixei elas conversando.
— Ah, que bom que está animada porque, olha, vai ser correria, você vai ficar um pouco assustada no começo, mas faça como eu, respira fundo e vai com tudo. – As duas riram e eu olhei para a Mellissa pelo canto dos olhos, vendo-a sentada quase ao meu lado. O cinto de segurança a apertava e dividia os seios dela no meio, não pareciam tão pequenos agora que eu via ela mais de perto, ela parecia o tipo de mulher magra, mas boa, com seios grandes, coxas grandes, bunda grande, e só de pensar isso imaginei ela numa calça legging, daquelas que as mulheres adoram e super marca o corpo delas, deixando a gente ver tudo muitíssimo bem, quase como se estivessem peladas, só que tem um pano preto atrapalhando tudo.
Ela me viu olhando para as pernas dela e eu desviei os olhos, inventando algum assunto para despistar.
— Se você não sair correndo no final da noite, daí sim, eu digo que está contratada. – A Joana riu e olhou para o Rodrigo.
— E depois ele diz que não é o chefe. – Eu soltei uma gargalhada e a Mellissa ficou nos olhando, sem entender, e eu dei de ombros.
— Então, onde vai ser o show? – A Mellissa perguntou e eu voltei os olhos para a janela, olhando a paisagem de volta ao aeroporto. Parecíamos estar fazendo outro caminho, ou eu não me liguei muito no caminho que fizemos para ir, mais provável a segunda opção.
— Em Ribeirão, na verdade é uma festa de boiadeiro Paulista, um festival, vai ter vários cantores e por isso vou precisar de você para me ajudar, se fosse um show comum, eu dava conta, mas um festival, eu sozinha, é mais complicado.
— Ribeirão Preto? – Ela perguntou, e eu pensei: Tem outra cidade que começa com Ribeirão, no Brasil? Ribeirão... Branco? Não.
A Joana assentiu com a cabeça e eu voltei os olhos para a louca, vendo ela arregalar os olhos, antes de perguntar.
— Mas vamos chegar lá a tempo? Quer dizer, que horas é o show?
— Por volta das dez, se não me engano. – Ela olhou para a Joana, e depois olhou para mim, franzindo a testa, então disse, com a voz um pouco mais baixa, não sei se era só para eu ouvir, ou se ela estava pensando alto.
— Eu fiz umas pesquisas sobre você ontem à noite, quer dizer, para saber como é os shows, bastidores, já que vou fazer parte disso agora. – Eu a olhei e ergui as sobrancelhas. Então quer dizer que ela se interessou em mim em pleno dia de folga? Ou era só por causa do trabalho mesmo?
— Ah, é mesmo? – Acho que ela notou meu sorrisinho se formando no lábio e revirou os olhos, agora falando mais firmemente.
— Para ter uma noção de como ia ser quando eu começasse a trabalhar... – Eu assenti, e percebi que, mesmo quieta, a Joana estava prestando atenção na nossa conversa.
Ergui uma das sobrancelhas, notando que ela ia continuar a falar, mas estava travando.
— E o que achou? – Ela deu de ombros e disse.
— Sonhei com um monte de fãs tentando te agarrar e que eu não conseguia te esconder e fui mandada embora no primeiro dia. – Soltei uma gargalhada e notei que a Jô também estava rindo.
— Meu Deus! Isso não foi um sonho, foi um pesadelo. – Ela riu junto e concordou com a cabeça.
— Isso jamais aconteceria, pode ficar tranquilo.
— Uffa. – Eu disse brincando, e ela me olhou, risonha, mostrando a língua.
Hmm aquela linguinha, ah se eu pudesse...
— Deve ser preocupação, medo de não dar conta. – A Joana finalmente se pronunciou, e a Mellissa assentiu com a cabeça.
— Sim, só um medinho bobo, mas na hora nem vou lembrar disso.
Estávamos chegando ao aeroporto, e a medida que fomos entrando, vi o rosto da Mellissa ir ficando branco, ela finalmente olhou a volta e depois olhou para mim, parecendo agora realmente preocupada.
— Então, acabei esquecendo de perguntar o que eu ia perguntar. – Acenei com a cabeça, indicando que ela podia continuar.
— Pode perguntar.
— Eu vi, em alguma reportagem, que você tem um avião. – Assenti e olhei pela janela, apontando em seguida o “Bicuço”, como eu chamava meu jatinho particular.
— Um jatinho particular, sim. Ali ele ali. – Ela desviou os olhos de mim e olhou pela janela, o pânico parecendo mais visível no rosto dela.
O Rodrigo parou o carro perto do avião, desligou o carro e puxou o freio de mão, a Joana abriu a porta e foi descendo, mas eu continuei dentro do carro, olhando para a cara assustada da Mellissa.
— Você perguntou do avião.... Por que? – Ela estava com os olhos perdidos, na direção do avião ainda. Insisti na pergunta. – Tem alguma superstição de que não pode andar de avião ou coisa assim?
— Você vai para os shows sempre de avião? – Ela perguntou, a voz mais baixa que o normal. Assenti com a cabeça, mas ainda assim, respondi em seguida:
— Sim, é mais rápido e prático para mim. Por que? Você viu isso nas entrevistas?
Ela não me respondeu, estava estática, olhando para o avião.
Caramba, o que ela tinha?
Coloquei a mão na coxa dela, sentindo a pele macia e quente, e então chamei, com a voz mais baixa.
— Mel? – O Rodrigo tinha saído do carro e bateu a porta, fazendo ela dar um pulo e me encarar, olhando em pânico em seguida para a minha mão, na coxa dela, e depois para o avião.
Eu tirei a mão da perna dela rapidamente e a encarei, interrogativo.
— Mel? Tá tudo bem? Algum problema?
Ela negou com a cabeça e se virou, soltando o cinto de segurança, meio tremula, e abrindo a porta do carro para sair.
Abri a porta do meu lado também e sai, vendo ela parada do outro lado, respirando fundo, como se estivesse tomando coragem para alguma coisa.
Sei não, aquela menina ia sair correndo antes mesmo de chegarmos ao show.
O Rodrigo estava tirando as malas dela do carro e colocando no avião, a Joana estava novamente no telefone e a louca estava parada, em frente ao avião esperando.
O piloto que tinha nos levado até ali me acenou e entrou no avião, dando o Okay para entrarmos.
A Joana tinha voltado.
— Tudo certo, o hotel já está reservado certinho e liberado, vai ter uma van já esperando por nós lá no aeroporto. Você almoça, descansa um pouco, e no começo da noite vamos para o local do evento. Vai ter muitas entrevistas, rádio local, televisão local e programas nacionais que estão fazendo a cobertura da festa. Além das promoções e tudo mais.
Eu já estava dentro do avião, me sentando no meu lugar, a Joana estava entrando e eu finalmente percebi que a Mellissa ainda não estava ali, o motor do avião já estava ligado. Olhei para a porta aberta do jatinho e vi a menina lá, parada, verde, parecia que estava se transformando no Hulck.
Caramba, o que ela tinha?
Me levantei e fui até ela, parando ao lado dela e segurando seu braço, indeciso.
— Mel?
Ela virou o rosto e me olhou, respirando fundo umas cinco vezes.
Segurei o braço dela e a puxei, devagar, em direção ao avião.
— Vem, eu te ajudo a subir. – Ela estava tremendo, completamente, tanto que seu corpo inteiro tremia como se ela estivesse tremendo de frio, os dentes batiam um no outro e a mão dela estava gelada quando a segurei para ajuda-la a entrar subindo as escadinhas, deixando o copiloto fechar a porta do avião.
Eu já sabia o que era, ela tinha medo de avião, eu apostava e ganhava.
Não podia deixar ela viajar sozinha daquele jeito.
Olhei para o Rodrigo, antes de falar, a mão da Mellissa estava grudada na minha de tal forma que parecia que ela queria quebrar os ossos da minha mão.
— Por que você não senta no meu lugar? Eu fico aí com a Mel.
O lugar onde o Rodrigo estava sentado era no lado da janela e ao lado tinha outro banco vazio, o lugar onde eu costumava sentar, era um banco só, no canto da aeronave; ele não discutiu, se levantou e foi até lá, reparei que a Jô estava me olhando, interrogativa, e eu dei de ombros, sem dizer nada.
Me virei para a Mellissa e perguntei, baixinho e delicado.
— Quer sentar na janela? – Que pergunta idiota.
Ela negou com a cabeça firmemente, respirando fundo novamente.
Me sentei no canto, na janela, ainda segurando a mão dela, e a puxei para sentar ao meu lado, me inclinando sobre ela e puxando o cinto de segurança para prendê-la.
— Vou colocar o cinto em você. – Eu disse, baixinho, avisando, enquanto prendia o cinto dela, me certificando que estava realmente fechado.
Ela fechou os olhos e disse algo baixinho.
Ouvi a voz da Joana e percebi que não era para mim.
— Mel, você tem medo de avião? – Ela abriu os olhos e assentiu com a cabeça, depois disse:
— Altura.
Ah sim, ela tinha medo de altura, e andar de avião era o pânico para qualquer pessoa que tinha medo de altura, tanto quanto alguém que tinha medo do avião em si.
A Jô sorriu, solidária.
— Vai ficar tudo bem, você vai se acostumar. E é seguro, não se preocupe, é muito seguro. – A Mellissa assentiu com a cabeça.
Eu estava com dó dela, de verdade, ela não parecia mais aquela menina mordaz, voraz, feroz, que tinha uma resposta ríspida na ponta da língua sempre, não, ela parecia uma menina frágil, como porcelana, que precisava ser cuidada, protegida.
Apertei o meu cinto de segurança e estiquei minha mão, segurando a mão dela, sentindo os dedos gelados dela se cravarem com força contra os meus, a mão soando fria, tremula, e fiquei olhando para ela.
O avião começou a andar na pista e ela estremeceu, choramingando baixinho, quase chorando.
Inclinei a cabeça para perto dela e sussurrei:
— Está tudo bem, calma, calma, vai ficar tudo bem. – Ela apertou os olhos fechados e mordeu de leve o lábio inferior, a mão apertando-se contra a minha, o corpo tremendo contra o banco de couro branco do avião, o medo totalmente visível naquele rosto tão lindo.
Ela estava totalmente em pânico.
Eu puxei a cortininha da janela, com a mão livre e a fechei, eu estava com o celular e meu fone de ouvido no bolso, e me estiquei, enfiando a mão no bolso da calça jeans e puxando os dois, desenrolei o fone e o conectei ao celular, selecionei uma música que eu gostava muito do Ed Sheeran, e então peguei os dois foninhos e me inclinei sobre ela, colocando um no ouvido dela, ela abriu os olhos e me olhou, deixando eu colocar o outro do outro lado.
Antes de apertar o play, eu sussurrei baixinho:
— Feche os olhos. – Ela sequer questionou, e fechou os olhos novamente, confiando totalmente em mim. Me aproximei dela e beijei-lhe a testa, carinhosamente, enquanto dizia, baixinho: - Você está apenas passeando de carro.
Eu apertei o play no momento em que o avião começava a decolar, ela se encolheu, colocou o rosto no meu ombro e pressionou-o contra mim em seguida, grudando-se em mim de tal forma, como uma criança com medo do palhaço, ou como a namorada no cinema com medo da cena auge de suspense no filme de terror.
Eu deixei a música começar a tocar enquanto ela ficava encolhida ao meu lado, o rosto afundado em minha pele, no meu ombro, a mão apertando a minha, ainda gélida, enquanto aos poucos ela ia relaxando.
Espiei pela janela da Jô, estávamos já no céu, e a Mel continuava lá, com os olhos fechados, o rosto contra meu ombro, a mão agora já não tão apertada contra a minha e sorri, fracamente, recostando a cabeça no banco, de lado e olhando-a durante um bom tempo, enquanto sobrevoávamos a cidade e deixávamos os pais dela para trás.
Ela abriu os olhos lentamente e me encarou, e eu finalmente percebi que os olhos dela eram azuis, não um azul qualquer, havia um círculo azul escuro envolta de toda a retina, e no meio um azul piscina cintilava, lindamente, enquanto ela me encarava. O nariz dela era cheio de sardas, leves, que desciam até as bochechas, de cada lado do rosto, e era a coisa mais linda porque eu simplesmente amava sardas. Na bochecha direita eu podia ver um furinho, ah sim, a covinha que ela tinha, aquela covinha que era a coisa mais linda quando ela sorria, mas ela não estava sorrindo agora, ela simplesmente estava me olhando. O rosto agora lateralmente no meu ombro enquanto eu estava igualmente com o rosto de lado no banco, a música soando em seu ouvido, a voz do Ed Sheeran a acalmando como só ele era capaz, e ficamos ali, nos olhando, enquanto o avião sobrevoava as cidades, e eu me afundava naquele mar azul que eram os olhos dela.







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